1. Consideração introdutória.
A duração razoável do processo é uma das garantias mínimas que estruturam a cláusula geral
[3]
do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Por meio dela, é
assegurado o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas.
E se a razoabilidade do prazo de duração de um processo está atrelada à inexistência de dilações indevidas, é inevitável reconhecer que há dilações que são devidas.
O nosso objetivo, neste
artigo, é fixar bases que contribuam para a identificação dos traços
distintivos entre as dilações processuais devidas e as indevidas.
2. Duração razoável do processo no sistema normativo constitucional.
A inserção da referência
expressa à duração razoável do processo no texto da Constituição da
República se deu por força da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de
dezembro de 2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º: "a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
Independentemente da data da inserção no texto da Constituição Federal, a verdade é que o direito fundamental à duração razoável do processo de há muito já estava assegurado pelo sistema normativo constitucional.
Efetivamente, a conclusão a
respeito da existência dessa garantia pode ser extraída a partir da
análise, pela ótica temporal, da garantia da inafastabilidade da jurisdição, que, igualmente, integra o elenco das garantias mínimas que estruturam a cláusula geral do devido processo legal.
Como sabido, a garantia da inafastabilidade da jurisdição é antiga no nosso sistema jurídico e a sua materialização somente é possível se o Estado puder prestar uma tutela jurisdicional adequada ao caso sob apreciação.
Diante disto, não é preciso qualquer esforço para se concluir que a prestação de uma tutela jurisdicional adequada pressupõe uma adequação temporal, de modo que se o processo houver sido submetido a dilações indevidas, não terá havido uma adequada tutela.
Assim, é fácil inferir que a
duração razoável do processo é, em última análise, corolário do devido
processo legal e consequência lógica da garantia da inafastabilidade da
jurisdição. Por tais motivos, a sua integração ao sistema normativo
constitucional é, repita-se, anterior à inserção, no texto da
Constituição da República, do inciso LXXVIII do art. 5º.
Além disto, o Pacto de São
José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969, tendo entrado em
vigor internacional em 18 de julho de 1978 e, para o Brasil, em 25 de
setembro de 1992
[4], dispõe, expressamente, no seu
artigo 8, item
1, ao tratar das chamadas
garantias judiciais,
que os "direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal
ou de qualquer outra natureza" devem ser determinados "com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável". A mencionada convenção
internacional, de aplicação imediata, tem eficácia equivalente à de uma
emenda constitucional (CF, art. 5º, §§ 1º a 3º).
A conclusão, portanto, é a de
que o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas não
passou a ser assegurado a partir da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de
dezembro de 2004. Trata-se de uma antiga garantia constitucional.
3. Reflexos da duração razoável do processo nas atividades cognitiva e executiva[5].
Nenhuma dúvida pode haver de que todo processo deve ter duração razoável.
O que é preciso ficar claro,
porém, é que a atenção ao aspecto temporal não pode, em nenhuma
hipótese, desestimular a coragem para remover os óbices formais
passíveis de extirpação, de modo a que as questões que integram o mérito
da causa sejam resolvidas.
Ao lado disso, a duração
razoável do processo não pode se limitar à composição formal do conflito
de interesses. Ela deve também ser observada durante a prática dos
atos de natureza executiva, voltados para a efetiva entrega do bem da
vida ao seu titular.
3.1 Prazo razoável para a completa resolução das questões que integram o mérito da causa.
Não é suficiente que se
preconize, apenas, que os processos devam ter duração razoável, uma vez
que é socialmente antieconômica a rápida tramitação de um processo que
chegue ao fim sem que as questões que integram o mérito da causa sejam
apreciadas, quando se constatar que, com mais algum esforço, os
embaraços à completa e justa apreciação do mérito podem ser removidos.
Assim, na resolução das
questões que envolvam a razoabilidade da duração do processo, deve-se,
sempre, levar em consideração as situações em que, com mais algum
dispêndio de energia – e, portanto, inevitavelmente, de tempo – for
possível afastar eventuais óbices formais para que as questões que
integram o mérito da causa possam ser resolvidas.
Neste passo, é de suma importância anotar que este direito é indissociável do dever,
de todos os sujeitos da relação jurídica processual – aí incluídas, por
óbvio, as partes –, de cooperar para que para que se obtenha, com
efetividade e em tempo razoável, a justa solução do mérito da causa.
Por isto, é inelutável a
conclusão de que a efetivação do direito fundamental à duração razoável
do processo exige que todos os integrantes da relação jurídica
processual cooperem para que os eventuais óbices à admissibilidade do
exame do mérito sejam superados e que, com isto, as questões que
integram o mérito da causa sejam, todas elas, resolvidas num prazo
aceitável.
3.2. Prazo razoável para a entrega do bem da vida ao seu titular.
Mais do que resolver as
questões que integram o mérito da causa, também a atividade satisfativa –
aquela que se dá por meio dos diversos procedimentos executivos – deve
ser levada a cabo dentro de um prazo moderado.
Assim, se a resolução das
questões que integram o mérito da causa implicar a prática de atos
voltados para a satisfação do direito cuja existência foi certificada, o
cumprimento da obrigação consubstanciada no título executivo judicial
também deverá se dar em prazo razoável. O mesmo deverá ocorrer com a
execução fundada em título extrajudicial.
Aqui, igualmente, não é possível olvidar o vínculo indissociável entre este direito e o dever – a ser cumprido também pelas partes –, de cooperar para a efetividade do processo.
É com base no dever de
cooperação que o legislador, por exemplo, considera atentatório à
dignidade da justiça o ato do executado que, intimado, não indica ao
juiz, no prazo de cinco dias, quais são e onde se encontram os bens
sujeitos a penhora, declinando os seus respectivos valores (CPC, art.
600, IV).
4. Critério para avaliação da razoabilidade do prazo de duração do processo.
Desborda os limites do nosso objetivo a realização de um exame aprofundado a respeito do
postulado da razoabilidade[6] e de uma das suas aplicações no campo processual, especificamente no que concerne à duração do processo.
Neste ponto, cumpre
registrar, apenas, que a avaliação da razoabilidade do prazo de duração
de um processo está a anos-luz de distância da simples operação
aritmética consistente na soma dos prazos previstos nas normas de
regência para que seja praticado um conjunto padrão de atos,
compreendido, por exemplo, entre o momento da propositura da demanda e o
ato final do procedimento
[7].
Com efeito, a análise da razoabilidade da duração de um processo somente pode ser feita à luz da chamada
doutrina do não-prazo[8],
segundo a qual o prazo razoável para que a justiça seja realizada é
aquele necessário e suficiente para que uma decisão justa seja proferida
no caso concreto.
Diante disto, alguns aspectos
de ordem eminentemente prática devem ser pontuados, de modo a permitir a
identificação de bases lógicas para avaliar, num caso concreto
[9], se a dilação a que está submetido um processo pode ser considerada
devida ou
indevida.
4.1 Dilações processuais devidas.
A duração do processo não
deixará de ser razoável se, apesar de ele se alongar, o alongamento
resultar de fatores inevitáveis.
É que, na irrefutável lição de FREDIE DIDIER JR., "
o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional". Com efeito, ao se reconhecer "
a
existência de um direito fundamental ao devido processo, está-se
reconhecendo, implicitamente, o direito de que a solução do caso deve
cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõem o
conteúdo mínimo desse direito. A exigência do contraditório, o direito à
produção de provas e aos recursos certamente atravancam a celeridade,
mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É
preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a
celeridade como valor. Os processos da Inquisição poderiam ser
rápidos. Não parece, porém, que se sinta saudade deles"
[10].
À vista disto, e sem a
fantasia de elaborar uma sistematização completa, é de todo útil fazer
referência às principais dilações processuais que, por inevitáveis, são devidas.
Elas podem ser divididas em quatro grupos: (i) o das dilações resultantes do exercício de direitos constitucionalmente assegurados; (ii) o das dilações resultantes da prática de atos obrigatórios, (iii) o das dilações resultantes de circunstâncias endoprocessuais e (iv) o das dilações resultantes de circunstâncias exoprocessuais.
4.1.1 Dilações resultantes do exercício de direitos constitucionalmente assegurados.
A ordem constitucional
assegura a todos os sujeitos da relação jurídica processual interessados
na construção do panorama no qual será proferida uma decisão, qualquer
que seja ela, o exercício, na plenitude, do direito ao contraditório, do
direito à produção de provas e do direito de recorrer.
Por óbvio, a prática dos atos indispensáveis para que tais direitos sejam exercitados implica dispêndio de tempo.
Assim, toda dilação
processual resultante do exercício de direitos constitucionalmente
assegurados é, na essência, uma dilação devida.
4.1.2 Dilações resultantes da prática de atos obrigatórios.
Como sabido, o processamento
de uma causa impõe a prática de atos obrigatórios, para os quais há
prazos legalmente previstos. A necessidade da prática de tais atos
decorre, em geral, da busca da segurança jurídica.
É o que se dá, por exemplo,
quando o sistema jurídico determina que, do processo, participe o
Ministério Público, na qualidade de fiscal da ordem jurídica (art. 82).
Neste caso, em cada oportunidade de abertura de vista dos autos, o
prazo para manifestação do Ministério Público somente tem início depois
que o seu representante for pessoalmente intimado.
Também são exemplos de atos obrigatórios, geradores de dilações devidas,
voltados para a preservação da segurança jurídica, a nomeação de
curador especial ao réu revel citado por edital ou com hora certa,
enquanto não constituir advogado (art. 9º, II), e a fixação, pelo juiz,
na citação por edital, do prazo editalício, que varia entre vinte e
sessenta dias (art. 232, IV).
O só fato de ser realizada
uma perícia no curso de um procedimento pode importar a prática de
significativa sequência de atos obrigatórios.
Efetivamente, nomeado o
perito, as partes devem ser intimadas para indicar assistentes técnicos e
apresentar quesitos (art. 421, § 1º), estando o início das diligências
e/ou exames a cargo do expert vinculado à prévia ciência, às partes, da data e do local para tanto designados (art. 431-A).
Acresça-se, a este quadro, a
possibilidade de apresentação de quesitos suplementares (art. 425) e de
quesitos explicativos (art. 435), além da apresentação, pelos
assistentes técnicos, dos seus respectivos pareceres sobre o laudo (art.
433, parágrafo único).
São plenamente perceptíveis,
pois, os fortes reflexos que a produção da prova pericial produz sobre a
duração de um processo, ainda mais se se tornar necessária uma segunda
perícia sobre os mesmos fatos (arts. 437 e 438). Assim, não é possível –
definitivamente, não é possível – negar que as dilações daí resultantes
sejam devidas.
Nesta mesma linha, há
inúmeros atos obrigatoriamente praticados pelos auxiliares da justiça,
como a lavratura dos diversos termos (art. 168), a elaboração de
ofícios, mandados e cartas e o envio, ao réu citado com hora certa, de
carta ou telegrama (art. 229).
E não só ao escrivão ou ao
chefe de secretaria judicial incumbe praticar atos obrigatórios, pois é
possível que atos deste tipo fiquem a cargo, por exemplo, do oficial de
justiça, do perito, do depositário, do administrador, do intérprete, do
tradutor, do conciliador judicial, do partidor, do distribuidor e do
contabilista.
A conclusão, pois, é uma só:
se a dilação processual for fruto da prática de atos obrigatórios,
tratar-se-á, obviamente, de dilação devida.
4.1.3 Dilações resultantes de circunstâncias endoprocessuais.
Ao lado das dilações
processuais que decorrem do exercício de direitos constitucionalmente
assegurados e da prática de atos obrigatórios, é encontradiça a dilação
fruto da ocorrência de situações peculiares a determinados processos, em
certas etapas do procedimento. Estas são as dilações resultantes de
circunstâncias internas. Endoprocessuais, pois.
De fato, há processos com
peculiaridades que fatalmente conduzem a um procedimento mais longo, e
nem por isto de duração irrazoável.
Dentre as várias situações
que poderiam ser listadas, a complexidade da matéria fática, a formação
de litisconsórcios, a multiplicidade de substituídos processuais e a
sucessão da parte em razão de morte ocorrida no curso do procedimento,
pela frequência com que ocorrem, assumem especial importância, pois,
quando estão presentes, invariavelmente produzem forte dilação
processual.
As dilações ocorridas nestes casos, como veremos, são devidas.
Quanto à complexidade da
matéria fática, está ela indissoluvelmente agregada ao direito
fundamental à produção de provas, o que conduz, invariavelmente, a uma
sequência mais longa de atos instrutórios, com repercussão na duração do
processo.
Quadros como este ocorrem,
por exemplo, quando é indispensável a produção de uma prova pericial
complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado,
caso em que pode ser nomeado mais de um perito, com a consequente
multiplicação do número de assistentes técnicos (art. 431-B). O mesmo
se dá quando se faz necessária a ouvida de significativo número de
testemunhas.
Tais situações se agravam
ainda mais quando surgem incidentes instrutórios, como a escusa do
perito ou a sua recusa pelas partes (art. 423), e quando há necessidade
de cooperação jurídica nacional, por meio da expedição de cartas de
ordem ou precatória, ou, o que é ainda mais grave, internacional, por
intermédio da expedição de carta rogatória (arts. 202 a 212).
A formação de litisconsórcios também tem inegável potencial para produzir situações de dilação devida,
mesmo que possa ser limitado o número de litisconsortes (art. 46,
parágrafo único). É que, independentemente da espécie de
litisconsórcio, a cada um dos litisconsortes devem ser assegurados os
direitos ao contraditório, à produção de provas e ao uso das vias
recursais, o que, por óbvio, tem amplo potencial para gerar aumento no
número de atos do processo.
Outrossim, a experiência
demonstra que nos autos em que há muitos substituídos processuais são
fortes as chances de ocorrência de dilações devidas, mormente
quando são discutidos direitos individuais homogêneos. Em processos
deste tipo, significativa parcela do tempo comumente ganho na resolução
das questões que integram o mérito da causa, durante a etapa da
certificação do direito (afinal, por meio de um só julgamento, diversos
conflitos individuais são resolvidos), é, depois, perdida com dilações devidas,
na etapa da entrega do bem da vida a cada um dos titulares, tendo em
vista que o comum é a existência de multiplicidade de situações
individuais, a exigir do órgão julgador tratamento individualizado.
Por fim, se no curso do
procedimento ocorrer a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão
pelo seu espólio ou por aqueles que forem identificados como seus
sucessores (art. 43), o que implica, quase sempre, a suspensão da
prática dos atos do procedimento (art. 265, I). Fatos como este
conduzem à necessidade de demonstração da regularidade da representação
processual do espólio e/ou da exibição do título de sucessor, o que
importa na prática de atos que fatalmente geram dilação processual. A
dilação, neste caso, é, a todos os olhos, devida.
4.1.4 Dilações resultantes de circunstâncias exoprocessuais.
Há circunstâncias externas ao
processo – exoprocessuais, portanto – que, por mais que fosse desejável
que não ocorressem, não podem ser esquecidas.
Demais disso, a sua
inevitabilidade, quando considerado o caso concreto, leva a que as
pessoas de bom senso concluam pela razoabilidade da distensão temporal
do processo.
Situações deste tipo
comumente atingem as partes, os seus procuradores, os membros do
Ministério Público, os auxiliares da justiça e o órgão julgador.
Assim é que, no que se refere
às partes e aos seus procuradores, não é rara a ocorrência de situações
em que a prática de um ato processual pela parte, por intermédio do seu
procurador, provoca dilação. Imagine-se, apenas a título de exemplo,
que uma das partes, apresentando justo motivo, requeira a remarcação da
data em que se realizará uma audiência ou que a parte a quem interessa a
intimação pessoal, por mandado, de alguém, requeira ao juiz,
motivadamente, mais prazo para que possa ela obter o endereço em que a
diligência deverá ser cumprida.
Quanto ao Ministério Público,
também não é incomum que situações inevitáveis sejam por ele
protagonizadas, tal como se dá quando, em razão da falta de provimento
de cargos, um só membro da instituição esteja atuando junto a mais de um
órgão julgador. Este quadro, por vezes, resulta em dilações
processuais. Basta lembrar que a impossibilidade de comparecimento do
representante do Ministério Público gera a frustração da realização de
audiências em processos nos quais a participação do órgão é
indispensável.
De sua vez, não se ignora que
a atuação do órgão jurisdicional – aí incluídos os auxiliares da
justiça e os magistrados – é, de longe, o fator mais apontado como causa
de dilações processuais indevidas.
Todavia, o bom senso repugna
que a dilação resultante da inércia pura e simples – aquela inércia
patológica, consequência do ócio, da indolência – seja confundida com a
impossibilidade fática facilmente identificável pela presença de fatores
objetivos.
Há impossibilidade fática
objetiva, por exemplo, quando magistrados respondem por mais de um órgão
julgador simultaneamente. Isto pode se dar quando se torna ele
responsável pela condução dos trabalhos em mais de uma unidade, todas
situadas na mesma base territorial ou, o que é ainda pior, em bases
territoriais distintas.
Também a acumulação das
atividades jurisdicionais comuns com a jurisdição eleitoral tem forte
potencial para gerar dilações, ainda mais se se considerar que, de um
modo geral, as demandas eleitorais, por força de lei, devem ser
processadas com preferência sobre as demandas cíveis
[11].
Em acréscimo, por mais que
sejam registradas incompreensões por aqueles que apenas conhecem o Poder
Judiciário externamente, é impossível negar que se houver excesso de
processos em curso as dilações processuais daí decorrentes são, sim,
justificáveis.
Por óbvio, o excesso de que
se trata não pode ser aquele que é fruto da falta de boa vontade do
magistrado para julgar. De fato, se a baixa produtividade for motivada
pelo descaso no cumprimento dos deveres funcionais e o excesso de
processos decorrer desse quadro indesejável, as dilações resultantes
dessa circunstância externa não podem, jamais, ser consideradas devidas.
Situação completamente
distinta, porém, é a que é fruto da impossibilidade de a administração
judiciária prover determinada base territorial com mais órgãos
julgadores e/ou com mais auxiliares da justiça, sobrecarregando a
estrutura existente, insuficiente para atender à demanda.
As dilações processuais
resultantes desse conjunto, por mais que, no plano da administração da
justiça, possam ser rotuladas de indevidas (afinal, os jurisdicionados
não podem ser responsabilizados pela falta de estrutura do Poder
Judiciário), são, quando examinadas no contexto específico em que o
processo está tramitando, inegavelmente justificáveis e, por isto mesmo,
devidas.
4.2 Dilações processuais indevidas.
A ausência de razoabilidade no prazo de duração de um processo se caracteriza pela ocorrência de dilações indevidas.
Assim, de um lado, a duração
do processo não deixará de ser razoável se, apesar de ele se alongar, o
alongamento resultar de fatores inevitáveis. De outro, entretanto, não
haverá razoabilidade se as causas das dilações puderem ser evitadas.
Por isto, cabe ao magistrado,
ao membro do Ministério Público ao atuar como fiscal da ordem jurídica,
aos Defensores Públicos, aos advogados, às partes, a todos os
auxiliares da justiça e a quem mais participe, de qualquer forma, do
processo, adotar todas as providências para que o procedimento não se
submeta a dilações indevidas.
Tais providências podem ser resumidas no cumprimento, pelos diversos sujeitos da relação jurídica processual, do dever de cooperação.
De fato, a maior ou menor
disposição, dos diversos sujeitos do processo, para cooperar entre si e
com o Poder Judiciário, repercute fortemente no prazo de duração do
procedimento.
Não é por outro motivo que o
modelo processual traçado no CPC impõe que todos cumpram o dever de
cooperação, zelando por uma atmosfera processual em que predominem as
garantias mínimas que estruturam a cláusula geral do devido processo
legal, a boa-fé objetiva processual e o contraditório adequadamente
redimensionado.
A falta de predomínio dessa
atmosfera de cooperação contribui, decisivamente, para que as questões
que integram o mérito da causa não sejam resolvidas num prazo razoável e
também para que não seja razoável o prazo para que chegue ao fim a
atividade satisfativa.
O clima de excessiva
litigiosidade entre as partes, a prática de atos contrários à boa-fé
objetiva processual, o descumprimento injustificável de prazos, a má
estruturação da forma de prestação dos serviços judiciários e a inércia
pura e simples do aparelho estatal são as causas mais comuns de dilações
processuais indevidas.
5. Conclusão.
Pelo exposto, diante de uma
questão que envolva o tempo necessário para o término da atividade
processual, independentemente de tratar-se de atividade cognitiva ou
executiva, é indispensável que o operador do Direito, ao lado de estar
ciente de que a duração razoável do processo é uma das garantias mínimas
que estruturam a cláusula geral do devido processo legal, perscrute,
escrupulosamente, as causas que conduziram ao dispêndio do tempo.
Nessa investigação, é fundamental que as dilações processuais indevidas, fruto de motivos que podem ser evitados, sejam divisadas das dilações processuais devidas, que resultam de fatores inevitáveis e objetivamente identificáveis.
[1]
Juiz Federal (BA), especialista em Direito Processual Civil pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da Universidade
Federal da Bahia.
[2]Juiz
de Direito (BA), mestre em Direito Civil pela PUC-SP, especialista em
Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da
Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG.
[3]
Na estrutura de todo texto normativo é identificável uma hipótese
fática (um acontecimento, ou um conjunto de acontecimentos, natural ou
humano) à qual o sistema jurídico atribui um efeito, o efeito jurídico.
Diz-se, assim, que a hipótese fática é o antecedente e o efeito jurídico
é o consequente. Quando o texto normativo contiver uma hipótese fática
composta por termos vagos e o efeito jurídico for apenas determinável, e
não previamente determinado, diz-se que ele contém uma
cláusula geral.
A norma que impõe que toda relação jurídica processual deva estar em
consonância com o princípio do devido processo legal é o mais evidente
exemplo de
cláusula geral no âmbito do Direito Processual. O
mesmo se dá com a norma que impõe a todos que participam do processo uma
conduta de acordo com a boa-fé. Se imaginarmos uma linha reta, os
textos normativos que contêm
cláusulas gerais estarão numa extremidade dessa linha, ao passo que as
regras casuísticas ocuparão o outro extremo. Exemplo de
regra casuística
é a que impõe que os honorários advocatícios sucumbenciais serão
fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da
condenação (CPC, art. 20, § 3º). Nos modernos sistemas jurídicos o
grande exercício do legislador é buscar um equilíbrio entre as
cláusulas gerais e as
regras casuísticas,
com a produção de normas que ocupem, lógica e ordenadamente, o longo
trajeto entre os pontos extremos daquela linha reta imaginária a que nos
referimos.
[4]
Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, da Presidência da República,
que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, publicado no Diário
Oficial da União de 9 de novembro de 2011 (
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm, acessado em 18 de setembro de 2012).
[5]
É proposital a falta de referência à atividade cautelar, já que nela o
magistrado também lança mão da cognição. Com efeito, enquanto nos
procedimentos de conhecimento não há restrição à percepção do magistrado
no plano vertical, motivo pelo qual a técnica de que ele se vale para
analisar e solucionar questões é a da cognição
profunda (ou
exauriente), no processo cautelar a técnica cognitiva poderá ser, em certos momentos,
sumária (ou
perfunctória) e, em outros,
superficial (ou
rarefeita). Há, pois, atividade cognitiva. Demais disso, no procedimento cautelar também são praticados atos de natureza executiva.
[6] Para um estudo a respeito dos
princípios, das
regras e dos
postulados normativos é indispensável a leitura de Humberto Ávila (
Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 13ª edição. SP: Malheiros, 2012).
[7] "
A
Corte Europeia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que,
respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três
critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais
sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e
dos seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo; c) a
atuação do órgão jurisdicional" (DIDIER JR., Fredie.
Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 13ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 64). Nesta linha, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI pontua que "
O
reconhecimento desses critérios traz como imediata consequência a
visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e
aberto, que impede de considerá-las como o simples desprezo aos prazos
processuais pré-fixados" ("Garantia do processo sem dilações indevidas".
Garantias constitucionais do processo civil. SP: RT, 1999, pp. 239-240 – esgotado –,
apud DIDIER JR., Fredie.
Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 13ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 64).
[8] A respeito da
doutrina do não-prazo
é útil uma pesquisa em torno da atuação da Corte Europeia de Direitos
Humanos, que vem se dedicando a estipular critérios objetivos para
julgar os casos em que são imputadas a países europeus condutas
geradoras de dilações processuais indevidas, com risco à efetivação de
direitos fundamentais.
[9] Ao tratar da primeira entre as três acepções de
razoabilidade que, no seu entender, merecem destaque, pontifica Humberto Ávila: "
Primeiro,
a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das
normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando
sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais
hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa
de se enquadrar na norma geral" (
Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 13ª edição. SP: Malheiros, 2012, p. 173).
[10] DIDIER JR., Fredie.
Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 13ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 64.
[11] V. g.
das normas contidas no art. 94 e seus §§ da Lei n. 9.504, de 30 de
setembro de 1997, e no art. 26-B e seus §§ da Lei Complementar n. 64, de
18 de maio de 1990.
Artigo retirado do site: http://pablostolze.ning.com/