[2]NICOLY
RAFAELLA SANTOS DA COSTA MUNIZ
RESUMO: O presente artigo visa apresentar a análise do comportamento e sua
influencia no direito, no que concerne a elaboração de leis e medidas de
controle da violência, no sistema jurídico penal brasileiro. O objetivo é
explorar dois aspectos: primeiro o desconhecimento dos princípios comportamentais
descritos pela ciência do comportamento e segundo a ineficácia de um sistema
baseado apenas na coerção como forma de controle comportamental.
Palavras chaves: direito, comportamento, coerção.
1 Introdução
Em nossa sociedade, a violência tem aumentado de
maneira significava e as leis conseqüentemente ficam cada vez mais rígidas. Mas
quais teorias se baseiam os fundamentos dessas leis? Quem são os seus mentores
e seu conhecimento acerca do comportamento humano? Porque o sistema
penitenciário não tem conseguido alcançar seu objetivo? São essas indagações
que procuraremos analisar.
O que parece, com base nas incoerências
apresentadas nas leis que tentam combater a violência, é que formadas com base
em opiniões, costumes e observações, sem levar em conta o conhecimento
produzido pela ciência. Essa falta de conhecimento e aplicação torna as medidas
tomadas pouco eficazes em sua proposta.
O Direito possui por objetivo a criação de normas
que visam instruir os indivíduos de uma dada sociedade a reger suas práticas
cotidianas levando em consideração o que é aceitável por esta sociedade, de
acordo com o bem geral de toda a comunidade. Ao violar normas jurídicas, o
sujeito sofrerá pelo Estado, que possui o jus
puniendi, uma sanção, que pode acontecer de várias formas.
Logo, o Direito lida diretamente com o
comportamento humano, avaliando-o e julgando-o. Nesse sentido, nosso objetivo é
apresentar a análise do comportamento que dever ser aproveitado dentro da área do
Direito.
2 O Estudo do Comportamento
O americano John B. Watson foi quem iniciou os
estudos sobre a análise do comportamento, que ficou conhecida de Behaviorismo,
pois behavior significa
comportamento. O comportamento é entendido como interação entre indivíduo e
ambiente.
B. F. Skinner (1904-1990) foi um dos mais
importantes behavioristas que estudou a Ciência do comportamento, sua linha de
pensamento ficou conhecida como Behaviorismo Radical e a base de sua corrente
está na formulação do comportamento operante, que explicaremos mais adiante
(BOCK, 2008).
O comportamento, como qualquer objeto de estudo
científico, é ordenado, pode ser explicado, pode ser previsto desde que se
tenham os dados necessários, e pode ser controlado. Chama-se a isso determinismo, a noção de que o comportamento é
determinado pela hereditariedade e pelo ambiente.
Skinner (1990) propõe então, que o comportamento
seja estudado através do modelo causal de seleção por conseqüências. Segundo
esse modelo, o comportamento humano seria resultado de três processos de
variação e seleção:
1.
A seleção
natural responsável pela evolução e pelas características físicas da espécie, e
por comportamentos comuns a todos os seus membros;
2.
O
condicionamento operante: variações no comportamento do indivíduo são
selecionadas por aspectos do ambiente que não são estáveis o suficiente para
terem um papel na evolução;
3.
A cultura:
os indivíduos aprendem a se comportar através dos comportamentos já adquiridos
por outros membros da espécie.
A análise do comportamento representa uma instância
do comportamento. Ele deve ser entendido como a inter-relação entre o organismo
e o ambiente. Sendo que, o ambiente não é somente o que é externo ao
organismo, e sim o que se relaciona ao comportamento. Nesse sentido, alterações
neuroquímicas e fisiológicas, normas sociais, grupos, são todos ambientes para
o comportamento.
Quanto à classificação, os comportamentos podem ser
classificados em dois grandes grupos:
1. Comportamentos Respondentes: é o que chamamos de
“não voluntário” e inclui as respostas que são produzidas por estímulos
antecedentes do ambiente, ou seja, nos comportamentos respondentes um evento ambiental antecedente produz uma resposta todas as vezes em que é apresentado.
Respostas emocionais geradas pela punição como choro, medo, ansiedade e raiva
podem ser condicionadas e aparecerem em outras situações não punitivas.
2. Comportamentos Operantes: nos comportamentos
operantes um evento ambiental antecedente sinaliza a probabilidade de que o
organismo, ao
apresentar uma determinada resposta, produza
uma determinada conseqüência. Por exemplo, uma
criança ao parar de mexer no rádio porque recebeu um tapa do pai, aumenta a
probabilidade do pai de usar o tapa em outras situações em que ele queira
cessar um comportamento da criança (Skinner, 1999).
Esse comportamento operante pode ser representado
da seguinte maneira:
R (resposta)
S (estímulo)
|
Os comportamentos operantes, são os comportamentos
que abrangem a maior parte das atividades do
comportamento humano, por isso caracteriza a maioria de nossas interações com o
ambiente. Portanto a principal unidade de análise utilizada pela análise do
comportamento é o comportamento R-S.
A resposta é o movimento ou a mudança observada em
um organismo individual, enquanto os estímulos são todos os eventos ambientais
que não as respostas a serem analisadas, e que afetam a probabilidade de
emissão de respostas similares no futuro. Importante salientar que a resposta
não é o comportamento é apenas uma instância deste.
Fazendo uma distinção entre os eventos antecedentes
e eventos conseqüentes, vemos que a conseqüência de uma resposta é um evento produzido por esta resposta e que pode aumentar
ou diminuir a freqüência de respostas
similares àquela que a produziu. Eventos conseqüentes que aumentam a freqüência
das respostas que os produziram são chamados de reforçadores e eventos que
diminuem a freqüência das respostas que os produziram são chamados de punidores.
Reforçadores e punidores também alteram a
probabilidade de ocorrência de respostas similares futuras na presença dos
antecedentes similares àqueles presentes quando uma resposta foi
conseqüenciada. Ou seja, os estímulos antecedentes sinalizam que se determinada
resposta for emitida ocorrerá o evento conseqüente. Os estímulos antecedentes, por
sua vez, podem ter ao menos uma de duas funções:
1. aumentar ou diminuir a probabilidade de
ocorrência de certas respostas, devido a uma história de pareamento com a
produção de conseqüências por respostas similares nessas situações;
2. estabelecer a efetividade das conseqüências
(Skinner, 2002). Ex. Uma criança num supermercado deseja um chocolate, mas a
mãe diz que não vai dá. A criança começa a fazer birra e a mãe acaba dando o
chocolate. A mãe reforça o comportamento de birra do filho, aumentando a
probabilidade de que em situações similares (outros supermercados, lanchonetes,
lojas, etc) a criança emita comportamento de birra quando não atendida em um
pedido. Perceba que o comportamento da mãe de dar o item frente a birra da
criança também é reforçado pela retirada do estímulo aversivo (a birra).
Reforçadores e punidores são também subdivididos em
positivos e negativos. Um reforçador positivo significa que ao apresentar um
estímulo a taxa do comportamento aumentou, e o reforçador negativo significa
que ao retirar um estímulo a taxa do comportamento aumentou.
Punição positiva é a queda na taxa do comportamento
com a apresentação de um estímulo, e punição negativa é a queda da taxa do
comportamento com a retirada de um estímulo. Perceba que positivo e negativo
não significam um juízo de valor, mas somente dizem respeito, respectivamente,
a apresentação e retirada de um estímulo.
No exemplo acima da birra da criança, dizemos que a
birra foi reforçada positivamente (a criança recebe o chocolate, ou seja, um
estímulo é apresentado), e o comportamento da mãe de dar o chocolate foi
reforçado negativamente (ao dar o chocolate a criança para de fazer birra, ou
seja, um estímulo é retirado).
3 O efeito da coerção
O controle social sobre que a sociedade utiliza
para controlar o comportamento é a coerção, que é o uso da punição e do
reforçamento negativo para conseguir que os outros ajam como gostaríamos e a
prática de recompensar pessoas deixando-as escapar de nossas punições e ameaças
(Sidman, 1995). Implantamos a educação através do medo seja nas relações
interpessoais, nas instituições educacionais, governamentais, legais ou
religiosas. Até a motivação para os estudos está no medo de sermos reprovados
pela escola, humilhados por professores ou agredidos pelos pais, obedecemos às
leis para não irmos para a cadeia ou sermos multados.
Essa realidade tem que ser transformada, estudos da
Análise do Comportamento vem demonstrando que a longo prazo, a coerção gera
violência, depressão, ansiedade dentre outros.
É difícil
não fazer uso da coerção, pois ela cessa de imediato o comportamento do outro,
e isso acaba fazendo com que esse mecanismo de controle pareça eficaz.
Entretanto, os efeitos negativos a longo prazo da coerção não são percebidos
como produtos de seu uso. Ou seja, quem geralmente utiliza essa forma de
controle é imediatamente recompensado, e somente os resultados retardados são
censuráveis.
Skinner
(1971) e Sidman (1995) apontam que quanto maior o grau de aversividade no
ambiente, maior é a probabilidade de emissão de comportamentos agressivos.
Algumas evidências obtidas em estudos experimentais com animais embasam tal
hipótese.
Nesse
sentido, uma pessoa condenada pelo sistema judicial à cadeia, e submetida há
anos a um sistema penitenciário violento, bruto, coercitivo, tende a
desenvolver comportamentos criminosos mais elaborados, além de aumentar os
comportamentos violentos.
4 A função da pena
A coerção se reflete nas nossas leis e legislação
no Código Penal, verificamos que a pena possui o caráter retribuitivo e
preventivo, bastando a pena em si mesma. Para Kant, como assinala Santoro Filho
(2000), a pena não pode ser afastada em hipótese alguma, por ser uma
retribuição ao mal praticado, pois caso não seja aplicada, a sociedade seria
repleta do delito.
O que queremos chamar a atenção é que a função
retribuitiva preocupa-se em punir o ato criminoso de forma que não passe em
branco o delito cometido. O problema é que a preocupação em apenas ter
que punir o sujeito, desvia nossa percepção de aspectos mais relevantes como
elaborar penas que evite a reincidência do ato. Um sistema que consiste em
apenas punir o sujeito, sem promover o aprendizado de novos comportamentos,
achando que isso é suficiente para a não reincidência está condenado ao
fracasso. O uso exclusivo da coerção como forma de controle não é suficiente
para eliminar comportamentos indesejados.
O caráter preventivo especial é obtido pela coação
psicológica, consistente na cominação da pena para a conduta desvalorada
socialmente e na sua aplicação e execução para aquele que incorre na ação
criminosa. A pena passa a possuir como maior função incutir nos membros da
sociedade o medo do castigo, a partir não somente da previsão legal da sanção
para os tipos de crimes, como também pelo exemplo conferido com a aplicação e
execução desta sanção aos que praticam tais condutas.
A prevenção geral também é passível de severas
críticas, pois para alcançar o fim desejado intimida-se certos comportamentos
dos indivíduos, pode-se criar um Estado do Terror, autoritário, que se utiliza
da norma penal como ameaça, incutindo medo aos membros da sociedade. Além
disso, como também já vimos, esse tipo de medida desenvolve comportamentos de
subterfúgio.
O artigo 10 da Lei de Execuções
Penais incide no momento da execução, tem por fim evitar que o criminoso
pratique novos crimes, seja recuperando-o e readaptando-o à vida social
ajustada, de acordo com as normas jurídicas. Novamente caímos no problema de
usar o medo como forma de controle. Por mais que mude as medidas, ou os nomes
dados às práticas, a coerção, o medo e a agressão são uma constante na busca do
controle do comportamento criminoso. Há uma evidente dificuldade de se pensar
formas de controle do comportamento que não sejam pelo medo. Outro aspecto
relevante da prevenção especial é sobre o segregamento.
No Brasil não é fácil ressocializar, pois nosso
sistema prisional, além de oferecer aos presos um tratamento cruel e desumano,
sem nenhum planejamento ou condição de ressocialização, possui suas diretrizes
completamente baseadas em medidas coercitivas que não produzem os resultados a
que se destinam.
5 Considerações finais
Devemos focar nossas avaliações nas relações do sujeito com seu meio
cultural, econômico e social. Skinner (1971) defende tal posição quando diz que
aumentando o sentido das responsabilidades pessoais não resolveremos problemas
como o crime. O ambiente é o responsável pelo comportamento, e é ele que deve
sofrer alterações, não qualquer atributo do indivíduo.
Medidas adequadas na resolução da criminalidade e
na ressocialização, dependem desde mudanças socioeconômicas tomadas pelo Estado
até à reestruturação de todo nosso conhecimento sobre o comportamento humano.
Skinner (1971) chama a atenção que a física e a biologia, por exemplo, possuem
um grau considerável de desenvolvimento do conhecimento que não se observa na
área da ciência do comportamento humano.
Profissionais que lidam diretamente com o comportamento
humano, e principalmente, aqueles que o julgam e escrevem diretrizes de como as
pessoas devem se comportar, não podem descartar todo um arcabouço teórico e
científico produzido por uma área de conhecimento.
Ao que tudo indica, nossa legislação e diretrizes
penais no Direito, foram construídas e são mantidas com base na tradição,
status, poder ou autoridade das agências controladoras, independentemente das
alterações no ambiente (resultados) que elas acarretam. Uma cultura que
construa suas diretrizes com base em conhecimentos tecnológicos aumenta o
âmbito de ação e a eficácia do comportamento que altera o ambiente na direção
de garantir sobrevivência e a satisfação do indivíduo e da sociedade.
Nesse sentido, defendemos uma maior interação entre
o Direito e áreas em que haja uma construção científica do conhecimento,
descartando a tradição e a autoridade como critérios de validade. O que deve
selecionar se um conhecimento é válido ou não, é a possibilidade de ação que
ele permite, e os resultados derivados de sua prática.
Referências Bibliográficas:
BOCK, Ana
Mercês Bahia. Psicologias: uma
introdução ao estudo da psicologia. 14º edição. São Paulo: Saraiva,
2008.
QUEIROZ, P. Direito penal: parte
geral. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2005.
SANTORO FILHO, A. C. Bases criticas do direito
criminal. São Paulo: LED - Editora de Direito, 2000.
SIDMAN,
M. Coerção e suas implicações.
Tradução: M. A. Andery e T. M. Sério. Campinas: Editorial PSY, 1995.
SKINNER,
B. F. Sobre o behaviorismo. Tradução: M. P. Villalobos. São Paulo:
Cultrix. 1999.