terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O FUTURO DO CONSTITUCIONALISMO


Adelson Pereira de Sousa
Jefferson Von Randow Rattes Leitão
Michelle Regina Viau

“O futuro do constitucionalismo” diz respeito a tema diverso dentro da literatura jurídica, dividindo opiniões entre os autores. Alguns negam a existência deste fenômeno, atribuindo ao futuro do constitucionalismo, no sentido restrito do termo, apenas uma extensão ou continuidade do neoconstitucionalismo. Outros, entretanto, afirmam que deve o constitucionalismo tem um futuro em construção e este futuro esta influenciado até identificar-se sobremaneira a alguns aspectos, como verdade, solidariedade, consenso, continuidade, participação, integração e universalidade, alcançando um ponto de equilíbrio com as concepções extraídas do constitucionalismo contemporâneo.

Sobre o tema destacam-se as ideias de José Roberto Dromi que prega um equilíbrio entre os atributos do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo. Da mesma forma se posiciona Uadi Lammêgo Bulos, “espera-se que a constituição do futuro propicie o ponto de equilíbrio entre as ideias hauridas do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo” (2010, p. 62). Em um dizer mais simples, grosso modo falando, trata-se de mesmo de banir dos textos constitucionais projetos fantasiosos ou utopias sem fundamento. Uma constituição deve conter as aspirações presentes de um povo, bem como um caminho a ser percorrido em médio prazo.

Entretanto, deve-se considerar sempre o grau de exeqüibilidade desses anseios. Um texto constitucional não pode ser uma mera carta de intenções, uma vez que boas intenções nem sempre se traduzem em políticas públicas. É preciso considerar o que é factível e separar de meros formalismos ou factóides que apenas servem para gerar especulações desprovidas de realidade e insatisfação no seio da sociedade.

Este ponto já nos remete ao primeiro e, talvez, mais importante aspecto do constitucionalismo do futuro: a verdade, que deve ser perseguida sempre pela lei maior, mas deve, primeiramente nela estar contida. Os valores acima apontados e que marcarão o constitucionalismo do futuro, sendo a verdade compreendida como a ausência de promessas impossíveis de serem realizadas nas constituições. Por verdade, “entende-se a preocupação com a necessidade de promessas factíveis pelo Constituinte (LAZARI, 2011, p. 99)”. As constituições não consagrarão promessas impossíveis ou mentiras. Deve-se ponderar o que o Estado realmente necessita e o que se pode constitucionalizar.

A solidariedade faz com que as constituições do futuro se aproximem de uma nova ideia de igualdade baseada na solidariedade dos povos na dignidade da pessoa humana e na justiça social eliminando quaisquer descriminações. É, por assim dizer, a última etapa do ideário defendido pelos revolucionários do século das luzes: “liberdade, igualdade e fraternidade”. Liberdade econômica e política. Igualdade entre os homens, que livres podem negociar e contratar na condição de pares, de iguais, sem a submissão cega do cidadão frente a monarquia ou o Estado nascente. Fraternidade, traduzida na construção de uma sociedade mais humana e solidária, capaz de dividir entre seus membros os frutos decorrentes dessa liberdade e dessa igualdade.

O consenso relaciona-se, também, à solidariedade. A elaboração normativa será fruto do consenso democrático. Esse consenso não significa maioria, como erroneamente se possa pensar, mas “pressupõe a manutenção da inquebrantabilidade da ordem democrática, com a adesão solidária da parte que consentiu, consensualmente, em prol de um interesse maior (LAZARI, 2011, p. 101)”. É a buscar de alcançarmos um texto constitucional que tenha as marcas de deferentes matizes ideológicos e culturais, que só é possível se construído a partir do consenso.

A continuidade consiste na ponderação e no equilíbrio das mudanças; dando continuidade no caminho traçado. Impossível pensar em uma constituição que negue os aspectos históricos de seu tempo, que queira partir de um marco zero. A constituição não pode ser um divisor de eras, ela deve muito mais traduzir um tempo de transição e avanços, sem significar ruptura. 

A participação refere-se “à efetiva participação dos corpos intermediários da sociedade, consagrando-se as ideias de democracia participativa e de Estado de Direito Democrático (LENZA, 2010, p. 54)”. “O povo será convocado a participar de forma ativa, integral equilibrada e responsável nos negócios do Estado (BULOS, 2010, p. 62)”. No Brasil, por exemplo, a Carta Magna vigente é um constante convite ao povo brasileiro de gerir com as próprias mãos, e a partir de seus anseios legítimos, a coisa pública. Somente através da participação popular no projeto de construção de uma nação melhor é que o texto constitucional encontrarar respaldo e abrigo.

Na participação o povo e os corpos intermediários da sociedade participarão de forma ativa, integral e equilibrada no processo político. Haverá integração, prevista nas constituições, mediantes cláusulas que prevejam órgãos supranacionais, dos planos internos e externos do Estado, usufruindo a integração espiritual, moral, ética e institucional dos povos.

Quanto à universalização os direitos fundamentais internacionais previstos nas constituições do futuro, com prevalência universal dos direitos do homem, sendo eliminadas quaisquer formas de desumanização, vislumbramos a busca do isolacionismo constitucional, que significa a percepção de um texto que considere o processo de globalização econômica e cultural que mergulhamos no século XX. Hoje, nenhuma nação que se pretenda desenvolvida pode negar os direitos da pessoa humana, a  busca incessante por sua dignidade e as conquistas já consolidadas no tratados e pactos internacionais. Este espírito nos leva a um caminho, a universalização das constituições. Não se trata porém de pensarmos a construção de uma constituição uma para todo o mundo, para todas as nações. Mas sim, de um espírito, de princípios e de garantias que devem constar em todas as cartas, respeitadas a autonomia e a soberania de cada nação.

Importante destacar que a jurisprudência pátria já vem reconhecendo alguns desses valores, como se pode observar do julgamento da PET 3388/STF e da ADI 3.768/STF.

Da PET 3388, cito trecho do voto do Ministro Carlos Britto:

Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural.

A mencionada ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3.768), a qual tinha por objeto a garantia da gratuidade dos transportes públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores de sessenta e cinco anos de idade, transcreve-se o voto da relatora Ministra Carmem Lúcia:

Primeiro, porque independentemente da classificação, como consignado na Constituição, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a participação do idoso na comunidade. Segundo, porque essa participação demanda, salvo em casos específicos, a possibilidade de os idosos se locomoverem. Terceiro, porque a dignidade e o bem-estar dos idosos estão fortemente relacionados com a sua integração na comunidade para que se possa dar a sua participação na vida da sociedade. (sem grifos no original).

Almeja-se do constitucionalismo a consagração do princípio da solidariedade e dos valores inerentes à fraternidade, mediante a observância dos valores - descritos pelo jurista argentino Jose Roberto Dromi – da verdade, solidariedade, consenso, continuidade, participação, integração e universalidade.

O constitucionalismo do futuro ou constitucionalismo do por vir, nada mais é do que uma nova perspectiva do movimento constitucionalista e representa o que se espera do futuro do direito constitucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 6.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010
LAZARI, Rafael José Nadim de. Reflexões críticas sobre a viabilidade de um “constitucionalismo do futuro” no Brasil: exegese normativa. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 9, n. 9, p. 91-112, jan./jun. 2011.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.