Willianne
Morais do Nascimento Sales[1]
RESUMO
Este trabalho
trata sobre as hipóteses legais previstas na atual Codificação Civil no que
tange as restrições à autonomia privada no contrato de compra e venda. A autonomia privada constitui a liberdade que a pessoa
tem para regular os próprios interesses. Têm
as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, de escolher com quem
contratar e o que contratar. Será observado que determinadas pessoas apesar de
possuírem capacidade civil para a prática dos atos da vida civil em geral (v.g. celebrar contratos), sofrem
limitações, decorrentes da falta de legitimidade, em razão
de determinadas circunstâncias ou da situação em que se encontram, por exemplo,
por serem ascendentes, condôminos, tutores ou, ainda, cônjuges, e por esta
razão ficam impedidas de comprar e vender.
PALAVRAS‐CHAVE: Restrições. Autonomia
privada. Legitimidade. Compra e venda.
ABSTRACT
This work talks
about legal hypotheses provided in the current Civil Codification at the terms
of restrictions into private autonomy in the buy and sell contract. The private
autonomy is like the person’s liberty to regulate your own interests or
business. That’s why the parts have a choice to celebrate or not these
contracts, besides, select the person to contract and what object to contract.
Will be observed that some people even having civil capacity to practice
general acts of civil life (v.g. celebrate contracts), suffer from limitations,
this result due to lack of legitimacy. Therefore certain situations or
circumstances contribute for this, for example, when these people are
ascending, tenants, tutors, or even so, spouse, for this reason they don’t be
able to buy or sell.
KEYWORDS:
Restriction.
Private autonomy. Legitimacy. Buy and sell.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A ideia de
um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem
livremente as suas condições em situação de igualdade, deve-se aos conceitos de
contrato previstos nos códigos francês e alemão.
O princípio
da autonomia da
privada significa ampla liberdade de contratar[2]. Têm as partes a faculdade
de celebrar ou não contratos, podem celebrar contratos nominados ou fazer
combinações, dando origem a contratos inominados. Como a vontade manifestada
deve ser respeitada, a avença faz lei entre as partes, assegurando a qualquer
delas o direito de exigir o seu cumprimento.
Com o advento
do liberalismo, após a propagação das ideias iluministas, esse importante
princípio ganhou ainda mais visibilidade. O princípio da autonomia privada,
predominante no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, sofreu grande
mitigação com os movimentos sociais, os quais, entretanto, não o extinguiram.
Atualmente,
a própria codificação civil traz normas expressas que limitam a autonomia dos
contratantes. A função social dos contratos e boa-fé objetiva são exemplos de
princípios incluídos no ordenamento jurídico que mitigaram a autonomia privada.
Não é diferente para a compra e venda, havendo
limitações quanto ao conteúdo do negócio, sob pena de sua nulidade,
anulabilidade ou ineficácia da avença.
Há determinadas circunstâncias
ou situações em que algumas pessoas sofrem limitações para celebrar a compra e
venda. Daí ser preciso verificar se há restrições à liberdade de celebrar a compra
e venda. As restrições previstas
no Código Civil à autonomia privada no contrato de compra venda são: compra e
venda de ascendente (pais, avós,
bisavós etc.) para descendente, compra e venda entre cônjuges, venda de bem imóvel
celebrada por pessoa casada, compra e venda de bens sob administração e venda
de bens em condomínio ou venda de coisa comum.
- PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA
Não se pode falar em contrato sem
autonomia da privada. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que “mesmo
em um sistema como o nosso, que toma por princípio
maior a função social do contrato, este não poderá, obviamente, ser
distendido a ponto de neutralizar a livre-iniciativa das partes” [3].
Esse
princípio clássico, inspirado no Código Francês, segundo o qual as partes possuem
ampla liberdade de celebrar ou não contratos, de escolher com quem contratar e
o que contratar é posto em nova berlinda. Desapareceu o liberalismo que colocou
a vontade como o centro de todas as avenças. No entanto, a liberdade de
contratar nunca foi ilimitada, pois sempre esbarrou nos princípios de ordem
pública[4].
Tal
princípio teve o seu apogeu após a Revolução Francesa, com a predominância do
individualismo e a pregação de liberdade em todos os campos, inclusive no
contratual. Como a vontade manifestada deve ser respeitada, a avença faz lei
entre as partes, assegurando a qualquer delas o direito de exigir o seu
cumprimento.
A autonomia privada constitui a
liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não
contratos, de escolher com quem contratar e o que contratar. Podem celebrar
contratos nominados ou fazer combinações, dando origem a contratos inominados.
Tal autonomia, porém, é limitada pelos princípios sociais e por normas de ordem
pública.
Wald apud
Stolze e Pamplona Filho, explica as formas como
a autonomia pode se apresentar:
“a autonomia da vontade se
apresenta sob duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo
revestir o aspecto de liberdade de contratar e de liberdade contratual.
Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato,
enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do
contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio,
enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização”[5].
Inicialmente,
percebe-se no mundo negocial plena liberdade para a celebração dos pactos e
avenças com determinadas pessoas, sendo o direito à contratação inerente à
própria concepção da pessoa humana, um direito existencial da personalidade
advindo do princípio da liberdade. Essa é a liberdade de contratar. Em um
primeiro momento, a liberdade de contratar está relacionada com a escolha da
pessoa ou das pessoas com quem o negócio será celebrado, sendo uma liberdade
plena, em regra. Entretanto ,
em alguns, casos, nítidas são as limitações à carga volitiva, eis que não se
pode, por exemplo, contratar com o Poder Público se não houver autorização para
tanto. Como limitação da liberdade de contratar, pode ser citado o art. 497 do
Código Civil, que veda a compra e venda de bens confiados à administração em
algumas situações, como será estudado adiante.
Em outro
plano, a autonomia da pessoa pode estar relacionada com o conteúdo do negócio
jurídico, ponto em que residem limitações ainda maiores à liberdade da pessoa
humana. Trata-se, portanto, da liberdade contratual.
Washington Monteiro de Barros ao tratar da
mencionada diferença esclarece que:
“Essa
liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos. Pelo prisma da
liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do
contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade
contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes
do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato
de acordo com suas necessidades (contratos atípicos).”[6]
Dessa dupla
liberdade da pessoa é que decorre a autonomia privada, que constitui a
liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses. Importante
ressalvar que essa autonomia não é absoluta, encontrando limitações em normas
de ordem pública e nos princípios sociais.
Autores como Fernando
Noronha e Flávio Tartuce defendem a substituição da expressão autonomia da
vontade pela autonomia privada.
“Foi
precisamente em consequência da revisão a que foram submetidos o liberalismo
econômico e, sobretudo, as concepções voluntaristas do negócio jurídico, que se
passou a falar em autonomia privada, de preferência a mais antiga autonomia da
vontade. E, realmente, se a antiga autonomia da vontade, com o conteúdo que lhe
era atribuído, era passível de críticas, já a autonomia privada é noção não só
com sólidos fundamentos, como extremamente importante”[7].
(Fernando Noronha apud Flávio Tartuce)
A razão que fundamenta a
autonomia privada em detrimento da autonomia da vontade é o fato de que atualmente
se entende que a autonomia não é da vontade, mas sim da pessoa, o que reforça a
própria personalização do direito privado. “A
autonomia da vontade vista no plano da bilateralidade do contrato, pode ser
expressa pelo denominado consensualismo:
o encontro das vontades livres e contrapostas faz surgir o consentimento, pedra
fundamental do negócio jurídico contratual”[8].
O contrato hoje é
constituído por uma soma de fatores, e não mais pela vontade pura dos
contratantes, delineando-se o significado do princípio da autonomia privada,
pois outros elementos de cunho particular irão influenciar o conteúdo do
negócio jurídico patrimonial.
A própria imposição da
contratação ou de algumas cláusulas contratuais pela lei ou pelo Estado, o que
se denomina Dirigismo Contratual, aparece como uma situação em a vontade é
deixada em segundo plano. Como exemplo, podemos citar o seguro obrigatório,
contrato que deve obrigatoriamente ser celebrado por proprietários de veículos
automotores.
A proliferação dos
contratos de adesão fortalece tal entendimento, uma vez que a vontade de uma
das partes é diminuída. Flávio Tartuce afirma que:
“do ponto de vista prático e da realidade,
essa é a principal razão pela qual se pode afirmar que a autonomia da vontade
não é mais princípio contratual. Ora, a vontade tem agora um papel secundário,
resumindo-se, muitas vezes, a um sim ou não, como resposta a uma proposta de
contratação (take it or leave it, segundo afirmam os americanos, ou seja, é
pegar ou largar)”[9].
É importante frisar que
as normas restritivas da autonomia privada constituem exceção, não admitem
analogia ou interpretação extensiva, justamente diante da tão mencionada
valorização da liberdade. Em situações de dúvida entre a proteção da liberdade
da pessoa humana e os interesses patrimoniais, deve prevalecer a primeira, ou
seja, o direito existencial prevalece sobre o patrimonial.
A título de exemplo o
art. 496, caput, do Código Civil
prevê que é anulável a venda de ascendente para descendente, não havendo
autorização dos demais descendentes e do cônjuge do alienante. Surge uma
dúvida: o dispositivo também se aplica à hipoteca, direito real de garantia
sobre coisa alheia, exigindo-se, para a hipoteca a favor do um filho, a autorização
dos demais? A resposta é negativa, pois, caso contrário, estar-se-ia aplicando
o citado comando legal, por analogia, a uma determinada situação não alcançada
pela subsunção da norma jurídica.
Flávio Tartuce alerta que
“eventualmente, uma norma restritiva da autonomia privada pode admitir a
interpretação extensiva ou a analogia, visando proteger parte vulnerável da
relação negocial, caso do trabalhador, do consumidor e do aderente”[10].
A própria Constitucional faz uma proteção especial aos vulneráveis, por
exemplo, aos consumidores e aos trabalhadores (art. 7º).
- LIMITAÇÃO
À AUTONOMIA PRIVADA NO CONTRATO DE COMPRA E VENDA
A autonomia privada
encontra limitações na ordem pública, como por exemplo, o próprio princípio da
função social dos contratos. Não é diferente para a compra e venda, havendo
limitações quanto ao conteúdo do negócio, sob pena de sua nulidade,
anulabilidade ou ineficácia da avença.
O contrato de compra e
venda possui três elementos essenciais: o consentimento das partes, a coisa e o
preço. É necessário, portanto, para que o contrato de compra e venda seja
celebrado, além da coisa e do preço, o consentimento dos contratantes sobre a
coisa, preço e demais condições do negócio. Como o contrato de compra e venda gera
a obrigação de transferir a propriedade do bem alienado, pressupondo o poder de
disposição do vendedor, será necessário que ele tenha capacidade de alienar,
bastando ao comprador a capacidade de obrigar-se.
Algumas pessoas sofrem
limitações, decorrentes da falta de
legitimidade, em razão de determinadas circunstâncias ou da situação em
que se encontram, que não se confundem com incapacidade. Só não podem vender ou
comprar de certas pessoas. Carlos Roberto Gonçalves afirma que “são pessoas
maiores e dotadas de pleno discernimento, mas que, em face de sua posição na
relação jurídica, isto é, por serem ascendentes, condôminos, tutores ou, ainda,
cônjuges, ficam impedidas de comprar e vender até estarem devidamente
legitimadas”[11]. Daí
ser preciso verificar se há restrições à liberdade de compra e vender.
A partir desse momento,
serão estudadas as restrições à autonomia privada no contrato de compra e venda,
tratadas pelo Código Civil de 2002, a saber: compra e venda de ascendente para
descendente (art. 496 do CC), compra e venda entre cônjuges (art. 499 do CC),
venda de bem imóvel celebrada por pessoa casada, compra e venda de bens sob
administração (art. 497 do CC) e venda de bens em condomínio ou venda de coisa
comum (art. 504 do CC).
- Compra e Venda de ascendente a
descendente
Dispunha o art. 1.132 do Código Civil de
1916 que “os ascendentes não podem
vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam”.
Este dispositivo, em verdade, criava uma restrição à venda a descendentes, que
não gozariam de legitimidade para figurar como adquirentes neste tipo de contrato.
Estariam, pois, nesse contexto, impedidos de celebrar este negócio, ainda que
fossem perfeitamente capazes, se os demais descendentes não houvessem expressado
a sua aquiescência.
Em verdade, o que visou a nossa lei,
neste particular, foi exatamente resguardar a legítima dos demais descendentes,
que não participassem da referida venda.
Atualmente tal situação é tratado no
Código Civil de 2002 no art. 496, que dispõe:
Art. 496. É anulável a venda
de ascendente para descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do
alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo Único. Em ambos os
casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da
separação obrigatória.
Cuida-se de disposição legal de caráter
visivelmente protetivo do núcleo familiar, cuidando dos ingredientes
psicológicos e econômicos que podem defluir de uma venda celebrada entre
pessoas de uma mesma família[12].
E uma dessas medidas de proteção à legítima é,
precisamente, a necessidade de se colher a anuência dos demais herdeiros
necessários preferenciais, para que se possa reputar válida a referida venda.
Os ascendentes têm o direito de, a qualquer tempo,
alienar seus bens a quem quiserem, mas não poder vender ao descendente (filho,
neto, bisneto etc.) sem que os demais descendentes e o cônjuge do alienante
(salvo se for casado em regime de separação obrigatória de bens) expressamente
consintam por meio de escritura pública ou no mesmo instrumento (público ou
particular) do negócio principal ou, ainda, por meio de mandato com poder
especial, porque essa venda de bens imóveis ou móveis poderia acobertar uma
doação em prejuízo dos demais herdeiros necessários.
Portanto, a regra não alcança somente pais e filhos,
mas também limita a compra e venda entre avós e netos, bisavós e bisnetos etc.
Qualquer ascendente que pretenda vender a descendente, independentemente do
grau de parentesco, está abrangido pelo sistema do Código Civil, impondo-se a
anuência dos outros interessados[13].
No caso da venda ao neto, todos os filhos vivos, incluindo o pai ou a mãe do
comprador, seus tios e os demais netos do vendedor devem anuir.
O art. 496 da atual codificação afasta o debate
anterior que atormentava a jurisprudência a respeito de ser o caso de nulidade
absoluta ou relativa. A questão está superada, pois o caso é de anulabilidade
ou nulidade relativa. Saliente-se que as hipóteses de nulidade absoluta ou
relativa são fixadas por opção legislativa, não podendo ser contrariadas.
É importante salientar que tal o art. 496 do Código
de 2002 é uma norma restritiva de direitos, que não se aplica por analogia aos
casos de união estável. Assim sendo, não há necessidade de autorização do
companheiro para a compra e venda para seu descendente[14].
Desse modo, para vender um imóvel para um filho, o
pai necessita de autorização dos demais filhos e de sua mulher, sob pena de
anulação da venda. Pela dicção do parágrafo único do dispositivo, dispensa-se a
autorização do cônjuge, se o regime for o da separação obrigatória de bens,
aquele que é fixado pela lei, nos termos do art. 1641 do CC.
A proibição prevista no caput do art. 496 pode ser fundamentada pela possibilidade de um
ascendente querer beneficiar um de seus descendentes, em prejuízo dos demais. Por
esta razão, o ordenamento jurídico tende a estabelecer uma proteção aos
descendentes e ao outro cônjuge, evitando que o ascendente venha a frustrar
fraudulenta ou simuladamente a sua perspectiva patrimonial, como escopo de
beneficiar outro filho. Como bem coloca Cristiano Chaves Farias e Nelson
Rosenvald, “seria o caso do pai que, sabendo que eventual doação para o filho
predileto implicaria, por lei, antecipação da herança que caberia a este no
futuro, resolve vender a este descendente a um preço completamente irrisório”[15].
É necessário evitar qualquer dissimulação de doação
inoficiosa em favor de um dos descendentes. Os descendentes, cuja anuência se
exige, são os herdeiros necessários do alienante ao tempo da celebração do
contrato. Por esta razão, se a venda se deu antes do reconhecimento da
filiação, o reconhecido não poderá invalidá-la, por não ter consentimento
naquele negócio.
A doação de pai a filho ou de um cônjuge a outro é
permitida em direito e constitui um adiantamento da legítima ou do que lhes
cabe por herança, conforme o art. 544, e o donatário será obrigado a trazer o
bem doado, ou o seu equivalente, se tal bem foi alienado, à colação, a fim de
igualar as legítimas dos herdeiros. Assim, pode acontecer de um pai que
pretenda beneficiar um de seus filhos, mas se fizer uma doação, irá
prejudica-lo na herança legítima, tente simular uma venda a esse filho, que não
está sujeita à colação, caso em que invalidada deverá ser a referida venda
simulada (art. 167).
Com o fim de evitar doações inoficiosas e vendas
simuladas lesivas aos interesses dos demais herdeiros o Código Civil proíbe
essa venda a não ser que os demais descendentes expressamente nela consintam,
pois a lei proíbe anuência tácita.
Se os demais descendentes do vendedor não
consentirem expressamente, essa venda será passível de anulação. No que se
refere ao prazo para anular a referida compra e venda em virtude da falta de
autorização dos demais descendentes e do cônjuge, deve-se entender que a Súmula
494 do STF está cancelada[16].
Isso porque a mencionada Súmula adota prazo prescricional de 20 anos, contados
da celebração de ato, para anular a compra e venda estudada sem as autorizações
dos demais descendentes e do cônjuge. Enquanto que a Codificação atual adota
para o caso em questão o prazo decadencial o que é comum para as ações
condenatórias. Razão pela qual, aplica-se o prazo decadencial de 2 anos,
contados da celebração do negócio, previsto no art. 179 do Código Civil.
- Compra e Venda entre cônjuges
Uma vez firmada a sociedade
conjugal, os cônjuges assumem entre si direitos e deveres recíprocos,
regendo-se os aspectos patrimoniais dessa união pelas normas constantes do
regime de bens ou do pacto antenupcial.
Nada obsta que um dos cônjuges possa livremente
manejar a sua autonomia privada e vender bens particulares ao seu cônjuge.
Justifica-se, pois, a autorização da venda de bens
particulares entre cônjuges, na medida em que sobre estes o consorte não tem
direitos meatórios[17].
Isto se explica no fato de que no correr da vida de casado, um dos cônjuges
pode adquirir, com exclusividade, determinados bens, sobre os quais o outro não
terá qualquer direito.
O art. 499 do CC confirma tal possibilidade ao
afirmar que “é lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos
da comunhão”. Assim, será livre a aquisição onerosa por qualquer dos cônjuges
dos bens excluídos da comunhão. Se um bem que já fizer parte da comunhão for
vendido, a venda é nula, por impossibilidade do objeto (art. 166, II, CC).
O dispositivo ora estudado não é totalmente
restritivo por esta razão pode ser aplicado à união estável, sendo possível a
compra e venda entre companheiros de bens excluídos da comunhão. Em regra, e a
exemplo do que ocorre com o casamento, o regime de bens da união estável é o da
comunhão parcial de bens, não havendo contrato de convivência prevendo o
contrário (art. 1725, CC)[18].
Por outro lado, se o casal estiver sob o regime de
comunhão universal de bens, não se cogitará a compra e venda, uma vez que o
patrimônio do casal é inteiramente comum. Excepcionalmente será possível a
compra e venda de algum dos bens que possa estar excluídos da comunhão universal.
Por exemplo, o marido que comprar da esposa os bens que ela recebeu da herança
paterna com cláusula de incomunicabilidade.
Enquanto isso há completa liberdade de aquisição de
patrimônio pelos cônjuges no regime de separação de bens, por não haver
qualquer bem comum.
Contudo, deve-se ter atenção para eventual fraude ou
simulação praticada entre marido e mulher, em detrimento de terceiros. Nesse
caso, caberá ao terceiro interessado atacar judicialmente o ato transmissivo,
provando os elementos exigidos por lei para a fraude ou a simulação. Não
havendo vícios, é perfeitamente possível a compra e venda entre cônjuges porque
não se justificaria impedir a referida venda entre pessoas casadas somente pela
potencialidade fraudulenta.
- Venda de imóvel celebrada por
pessoa casada
Existem atos que uma pessoa casada só pode praticar
com a expressa anuência do seu cônjuge. Esses atos estão expressos de forma
taxativa no art. 1647 do Código Civil. E, dentre eles, consta a venda de bem
imóvel. (art. 1647, I, CC).
Tal regra é mais uma forma que a atual Codificação
encontrou para proteger o patrimônio do casal e próprio núcleo familiar, uma
vez que o imóvel muitas vezes é o único bem pertencente a família e não pode
ficar sob o arbítrio de um dos cônjuges, que pode aliená-lo em situações que
possam vir prejudicar a família.
O inciso I do mencionado artigo alude quanto à
impossibilidade de alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. “Importante
salientar que esta vedação incide, apenas, em relação à alienação (venda e
doação) ou à oneração (hipoteca, penhor...) de bens imóveis, não alcançando os
móveis, ainda que de valor considerável”[19].
O demonstra uma preocupação maior do legislador com os bens imóveis
pertencentes aos cônjuges.
Exige-se a aquiescência do cônjuge para alienar ou
onerar o imóvel ainda que o bem não integre a comunhão, pertencendo, com
exclusividade, a um dos cônjuges. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
exemplificam tal situação:
“É o exemplo da pessoa casada em
comunhão parcial que pretende alienar um imóvel adquirido antes das núpcias.
Para tanto, precisará da outorga de seu consorte, apesar de o bem não ingressar
na comunhão patrimonial do casal. Isto de justifica porque, mesmo quando o bem
não se comunica, os seus frutos entram na comunhão (CC, art. 1.669).” (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil:
volume IV: Contratos, p. 608.)
O ideal é que tal anuência deve constar no próprio
instrumento que celebrou a compra e venda, isto é, na escritura pública que é
exigida para bens imóveis, a fim de facilitar o trânsito do negócio jurídico.
Existe, porém, a possibilidade desta anuência seja obtida em instrumento
autônomo.
Não se exige a aquiescência do cônjuge se o
casamento estiver em submetido ao regime de separação total de bens, uma vez
que não há qualquer ponto de intercessão entre os cônjuges, pois neste regime,
tanto a administração quanto os frutos dos bens particulares também são
particulares.
Quanto à necessidade de anuência do companheiro para
a venda de bem imóvel na união estável há dois entendimentos. O primeiro alude
que há necessidade de consentimento do companheiro no caso estudado, sob o
argumento de que, embora o art. 1647 faça referência expressa aos cônjuges, seria
exigível a outorga a todos os casos de incidência da comunhão de bens, o que
alcançaria a união estável (art. 1725, CC). Por outro lado, em posição contrária,
há quem negue a necessidade de consentimento para a prática de qualquer ato na
união estável. Isso porque como não se exige registro público de uma união
estável, não há como o terceiro estar protegido de eventuais prejuízos. a
segurança jurídica ficaria comprometida.
A venda de bem imóvel sem o consentimento do cônjuge
implica anulabilidade, conforme o disposto no art. 1649 do Código Civil: “a
falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1647),
tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a
anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.”
- Compra e Venda de bens sob
administração
O art. 497
do Código Civil nega legitimação a certas pessoas, encarregadas de zelar pelo interesse
dos vendedores, para adquirir bens pertencentes a estes. A intenção é manter a
isenção de ânimo naqueles que, por dever de ofício ou por profissão, têm de
zelar por interesses alheios, como o tutor, o curador, o administrador, o
empregado público, o juiz e outros, que foram impedidos de comprar bens de seus
tutelados, curatelados etc.
Preceitua,
com efeito, o mencionado dispositivo que, “sob pena de nulidade”, não podem ser
comprados, ainda que em hasta pública:
a)
pelos tutores, curadores,
testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou
administração. A lei receia que estas pessoas façam prevalecer sua posição
especial para obter vantagens, em detrimento dos titulares, sobre os bens que
guardam ou administram.
b)
Pelos servidores públicos, em geral,
os bens ou direitos da pessoa jurídica (da União, dos Estados ou dos
Municípios, por exemplo) a que servirem, ou que estejam sob sua administração
direta ou indireta, visto que poderão influir na deliberação de vender ou na
fixação do preço da venda. A lei visa, aqui, proteger a moralidade pública.
c)
Pelos juízes, secretários de
tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da
justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou
conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade. Neste
caso, o motivo é mais uma vez a moralidade e a estabilidade da ordem pública.
Mas excepciona o art. 498 da Codificação Reale, prevendo que, em tais hipóteses
não haverá proibição nos casos de compra e cessão entre coerdeiros, em
pagamento de dívida ou para garantia de bens já pertencentes a essas pessoas
(juízes e serventuários).
d)
Pelos leiloeiros e seus prepostos, os
bens de cuja venda estejam encarregados. O motivo é também a moralidade, diante
do múnus que reveste tais
administradores temporários.
As
restrições envolvem a própria liberdade de contratar,
pois há vedação de celebração do negócio jurídico entre determinadas pessoas.
As proibições constantes do dispositivo atingem ainda a cessão de crédito que
tenha caráter oneroso, conforme dispõe o parágrafo único do art. 497.
- Compra e Venda de bens em
condomínio ou venda de coisa comum
Por definição, o
condomínio traduz a coexistência de vários proprietários que detêm direito real
sobre a mesma coisa, havendo entre si a divisão ideal segundo suas respectivas
frações[20].
No condomínio cada condômino é dono de uma cota-parte, chamada de fração ideal.
O art. 1314 da
Codificação permite que cada condômino possa, individualmente, vender a sua
parte indivisiva, independentemente do consentimento dos demais. Dessa forma,
os outros consortes não podem impedir a venda da fração ideal a terceiros.
Entretanto, quando a
coisa é materialmente indivisível, o art. 504 do CC, dispõe que:
“Art. 504.
Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se
outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der
conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte
vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena
de decadência. Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que
tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão
maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os coproprietários,
que a quiserem, depositando previamente o preço.”
Trata-se de norma
referente apenas ao condomínio de
coisa indivisível, condicionante da faculdade de alienação, por
determinar ao condômino/ alienante a necessidade de conferir ao seu consorte direito de preferência em face da
fração alienada, ou seja, o direito de prevalecer o seu interesse em adquirir o
bem, se sua proposta estiver em iguais condições às dos demais interessados.
O condômino
não pode alienar a sua parte indivisa a estranho, se outro consorte a quiser, tanto por
tanto. O condômino preterido pode exercer o seu direito de preferência pela ação de preempção, ajuizando- a
no prazo decadencial de cento e oitenta dias contados da data em que teve ciência da alienação (RT, 432:229, 543:144) e na qual efetuará o depósito do preço pago,
havendo para si a parte vendida ao terceiro, conforme preceitua o art. 504, CC.
Se mais de um condômino se interessar pela aquisição, preferirá o que tiver
benfeitorias de maior valor e, na falta destas, o de quinhão maior. Se as
partes forem iguais, todos que quiserem poderão adquirir a parte vendida, depositando
o preço. Aplica-se a regra somente ao condomínio tradicional e não ao edilício.
Assim, um condômino não precisa dar preferência aos demais proprietários. Mas
se o apartamento pertencer também a outras pessoas, estas devem ser notificadas
para exercer a preferência legal, pois instaurou-se, nesse caso, um condomínio
tradicional dentro do horizontal. Se a coisa é divisível, nada impede que o condômino venda a
sua parte a estranho, sem dar preferência aos seus consortes, pois estes, se
não desejarem compartilhar o bem com aquele, poderão requerer a sua divisão.
Até a
partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, é
indivisível e regula-se pelas normas relativas ao condomínio (CC, art. 1.791).
Podem, portanto, exercer o direito de preferência em caso de cessão de
direitos hereditários a
estranhos. Proclama, com efeito, o art. 1.794 do estatuto civil que “o
coerdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à
sucessão, se outro coerdeiro a quiser, tanto por tanto”. A preferência será
exercida mediante o depósito do preço, no prazo de cento e oitenta dias
contados da transmissão. Sendo vários os coerdeiros a exercer a preferência,
entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas
hereditárias (art. 1.795 e parágrafo único).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A autonomia privada é o poder que os particulares
têm de regular, pelo exercício da sua própria vontade, as relações de que
participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica.
De fato a autonomia privada constitui um dos princípios
fundamentais do sistema de direito privado num reconhecimento da existência de
um âmbito particular de atuação com eficiência normativa
O princípio da autonomia privada possui limites de
atuação, sendo, as normas de ordem pública, os princípios sociais e os bons
costumes. A ordem pública, como conjunto de normas jurídicas que regulam e protegem
os interesses fundamentais da sociedade e do Estado e as que, no direito
privado, estabelecem as bases jurídicas fundamentais da ordem econômica.
O legislador estabeleceu algumas situações em que a
autonomia privada no contrato de compra e venda sofre limitação. É possível
notar que essas restrições previstas na atual Codificação foram positivadas com
o intuito de defender terceiros ligados direta e indiretamente ao negócio
jurídico (v. g. demais descendentes e
o cônjuge na venda de ascendente a descendente) ou, ainda, como forma de evitar
abusos, fraudes ou simulações no negócio realizado.
- REFERÊNCIAS
CASSETTARI,
Christiano. Elementos de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011.
DINIZ,
Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das obrigações contratuais
e extracontratuais: volume III – 25. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.
FARIAS,
Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: volume IV:
Contratos – 2. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2012.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume IV : contratos, tomo
1 : teoria geral – 7. ed. - São Paulo: Saraiva, 2011.
GAGLIANO,
Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume IV :
contratos, tomo 2 : contratos em espécie – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito civil esquematizado, volume I – São Paulo: Saraiva,
2011.
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e atos unilaterais. v. III.
8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MONTEIRO,
Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações, Volume 5:
2ª parte. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
TARTUCE,
Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. – Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2011.
[1] Acadêmica do 6º semestre do curso
de Direito da Universidade Estadual de Roraima.
[3] Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral, p. 69.
[5]
Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral,
p. 70.
[7] Flávio Tartuce. Manual de Direito
Civil: Volume Único, p. 490.
[8]
Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral,
p. 70.
[9]
Flávio Tartuce. Manual de
Direito Civil: Volume Único, p. 492.
[11] Carlos Roberto Gonçalves. Direito
Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. p. 233.
[12]
Cristiano Chaves de Farias
e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil. p. 600.
[13]
Carlos Roberto Gonçalves.
Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais, p. 210.
[14] Em igual sentido, Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil. p. 603 e Flávio
Tartuce. Manual de Direito Civil: Volume Único, p. 577.
[15] Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil. p. 600.
[16] Neste sentido, Maria Helena
Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. p. 183.
[18] Nesse sentido
Pablo Stolze Gagliano
e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que no que tange
aos companheiros, observamos que a mesma regra, por isonomia constitucional, se
aplica, devendo-se ressaltar que, a teor do art. 1.725, o regime adotado é o da
comunhão parcial de bens.
[19]
FARIAS,
Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: volume IV:
Contratos, p. 607.
[20]
Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie, p.
64.