terça-feira, 11 de dezembro de 2012

DIREITO CIVIL - ENFITEUSE


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA
BACHARELADO EM DIREITO
DIREITO CIVIL – V PROFESSOR: PIERRE CASTRO
ALUNOS: ADELSON PEREIRA; FRANCISCO SEIXAS; THIAGO GARCIA.









ENFITEUSE











Boa Vista, 28 de novembro de 2012
CONCEITO
Enfiteuse é o direito real que confere ao seu titular (enfiteuta ou foreiro) a posse, o uso e gozo de imóvel alheio, alienável, o qual se obriga a pagar ao titular do domínio da coisa (senhorio direto) uma pensão anual invariável (foro). A enfiteuse deriva diretamente do arrendamento por prazo longo ou perpétuo de terras públicas a particulares.
ORIGEM
O instituto da enfiteuse teve sua origem na Grécia no séc. V a.C., mais somente no Império Romano a enfiteuse se teve como um arrendamento perpétuo realizado pelos Municípios e pelas corporações sacerdotais dotando ao arrendatário na posse do imóvel e na faculdade de utilizar todos seus frutos e produtos. Era também a prestação de serviços por parte do concessionário numa influência francamente feudal, utilizado como instrumento jurídico capaz de tornar produtivas grandes extensões de terras e fixar populações nessas regiões.
O arrendamento era feito por particulares contra o pagamento de uma taxa anual denominada Vectigal, no qual os prazos se entendiam por 100 anos ou mais (Ius emphytuticum), ou perpetuo (Ius Perpeturium). A partir do século III d.C, passaram a ser concedidas a particulares mediante pagamento de um foro anual (cânon) que eram terras incultas pertencentes à família imperial destinadas ao cultivo.
INSTITUIÇAO NO BRASIL
O sistema da enfiteuse começou durante o período colonial com a coroa portuguesa, pois diante da existência de largas áreas de terras abandonadas em seu território, decidiu utilizar compulsoriamente o aforamento, através do instituto das sesmarias, segundo o qual o proprietário do solo tinha de aceitar a presença em suas terras de lavradores que iriam utilizá-las mediante remuneração. O sesmeiro, autoridade pública em Portugal, distribuía e fiscalizava as terras incultas.
Historicamente a enfiteuse teve como objetivo permitir que o proprietário que não desejasse ou pudesse utilizar o imóvel de maneira direta, pudesse ceder a outro o uso e o gozo da propriedade. No Código Civil do Império foi regulado o aforamento nos arts 605 a 649. No Brasil no código civil de 1916 regulou-se nos art's 678 a 694, que permanecem em vigor em face de regra de direito intertemporal constante no artigo 2038 caput do Código Civil de 2002.
O direito brasileiro, não admitiu a enfiteuse por prazo certo, ou por vida, ou vidas. Garantiu-lhe perpetuidade o art. 679 do Código Civil, ainda que tal caráter possa parecer contraditado pelo art. 693, que admitiu o resgate.
Essa perpetuidade sempre foi vista como um verdadeiro atavismo jurídico, contra a qual a razão e a justiça sempre puseram restrições.
NATUREZA JURÍDICA
A Constituição Federal de 1988, veio abrir uma possibilidade para o legislador ordinário extinguir a enfiteuse, conforme o artigo 49 das suas Disposições Transitórias:
"A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos."
Com a aprovação do atual Código Civil Brasileiro, que passou a vigorar em 11 de Janeiro de 2003, a enfiteuse deixou de ser disciplinada e foi substituída pelo Direito de Superfície. O artigo 2.038 do Código proíbe a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, aos princípios do Código Civil de 1916.
Pode-se afirmar que o atual desinteresse do instituto deve-se ao desaparecimento de grandes porções de terra desocupadas e à valorização das terras, independentemente da inflação, e à impossibilidade do aumento do foro, ressaltando-se que os novos problemas de ocupação do solo improdutivo no país têm sido enfrentados com outros meios jurídicos. Contudo, poucas são as legislações que ainda abrigam esse arcaísmo histórico e o Brasil caminha para a sua total extinção.
Quanto à natureza, a enfiteuse é o mais amplo direito real sobre coisa imóvel alheia, já que com ela se pode tirar da coisa todas as utilidades e vantagens que encerra e de empregá-la nos misteres a que, por sua natureza, se presta, sem destruir-lhe a substância e com a obrigação de pagar ao proprietário uma certa renda anual.
Só pode ter objeto coisa imóvel, limitando-se a terras não cultivadas e aos terrenos que se destinem à edificação; pode ter por objeto terrenos de marinha e acrescidos.
OBJETO
Conforme se extrai dos arts. 678 e 680 do já revogado Código Civil de 1916, o objeto da enfiteuse é somente coisa imóvel, limitando-se a terras não cultivadas e terrenos que se destinem a edificação. Podem ser objeto também, os terrenos de marinha e acrescidos, sendo regulado por lei especial, conforme dispõe o art. 2.038, §2 do atual Código Civil.

Os terrenos de marinha são os terrenos que margeiam o mar, rios e lagos onde exista influencia da maré e pertencem ao domínio direto da União, sendo considerados bens dominicais da união, conforme o art. 20, VII, da CF/88, ou seja, representam o patrimônio disponível do Estado. O Decreto-Lei n. 4.120/42 prevê que os terrenos de marinha se estendem até 33m da preamar média do ano de 1831. Preamar média é a media das marés altas (cheias) no período de um ano, assim tomando como base a do ano de 1831, os terrenos de marinha vão até 33m deste ponto.

Para que seja concedido o aforamento dos terrenos de marinha é necessária autorização administrativa da união, que é quem possui o domínio sobre os bens. Conseguida esta autorização é necessário o pagamento do foro, também chamado de canon ou pensão, para o concedente (a união) que será proporcional ao do domínio pleno. Caso o foreiro queira alienar seu direito é imprescindível à autorização prévia da união, e o pagamento do laudêmio, que é uma porcentagem sobre o negócio realizado, sendo fixado por lei, sobre o valor do terreno e suas acessões.

No entanto o art. 2098, §1, I, do CC veda a cobrança do laudêmio tendo apenas duas exceções, uma prevista no art. 22 da lei 9.514/97 e outra, que é a mais importante, no Decreto-Lei nº 1.876/81. Esta ultima trata da isenção do pagamento de foros e laudêmios referentes a imóveis de propriedade da união, as pessoas consideradas carentes ou de baixa renda, cuja situação econômica não lhes permita pagar esses encargos sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Pessoa de baixa renda é aquela cuja renda familiar não passa de 5 (cinco) salários mínimos, devendo ser comprovada a cada 4 anos para que continue a fruir do beneficio da isenção.

Não se deve esquecer, conforme já exposto, que os terrenos de marinha são regulados por lei especial, por isso tem tratamento diferenciado do previsto no Código Civil.

CONSTITUIÇÃO DE ENFITEUSES

            A constituição de novas enfiteuses é vedada pelo art. 2.038 do CC/02, in verbis:

Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores.

            Anteriormente era possível a constituição de enfiteuses por ato inter vivos ou causa mortis, conforme o art. 678, CC/16. No primeiro caso, era necessário que o ato constitutivo fosse feito por escritura publica, por se tratar de bem imóvel, e que fosse devidamente registrado em cartório de imóveis competente.

            Previa o art. 858, do CC/16, que “a transcrição do título de transmissão do domínio direto aproveita ao titular do domínio útil, e vice-versa”. Assim, o ato de registo do direito do foreiro realizaria também o do direito do outro, devido à inseparabilidade dessas relações jurídicas.

            A respeito do tema, explica Maria Helena Diniz que:

“(...) no contrato enfiteutico, as partes não tinham liberdade onímoda para estipular clausulas que contrariassem os caracteres essenciais da enfiteuse, podiam apenas alterar ou suprimir os efeitos naturais desse direito real, como o direito ao laudêmio, por exemplo.”

A enfiteuse por ato causa mortis, ou seja, por testamento ou ato de ultima vontade, poderia ocorrer, por exemplo, quando o testador transmitisse o domínio direto a um herdeiro e o domínio útil a outro, não sendo necessária a inscrição em cartório, por se tratar de sucessão (meio aquisitivo de direito real).

Por último, a enfiteuse poderia ser adquiria também por meio de usucapião, sendo a sentença judicial que a declarasse serviria como titulo a ser registrado na circunscrição imobiliária competente.
Um exemplo prático seria a hipótese de alguém possuísse o bem aforado, como enfiteuta, embora sem esse título, mas pagando o foro ao dono (usucapião extraordinária em 20 anos).

ANALOGIA COM OUTRO INSTITUTOS

A enfiteuse poderia ser facilmente confundida com os institutos do usufruto e da locação, porém existem traços distintivos que merecem destaque.

Maria Helena Diniz citando Lafayette coloca em linhas gerais as seguintes diferenças: no caso do usufruto: a) trata-se de um instituto com menos abrangência que a enfiteuse, pois neste último caso o foreiro pode inclusive transformar o imóvel, desde que não o deteriore; b) a enfiteuse pode ser transmitida causa mortis, o que não ocorre no caso do usufruto; c) a enfiteuse pode ser alienada, situação incabível no usufruto, podendo somente ser cedido, seja a titulo gratuito ou oneroso; d) para a continuidade da enfiteuse é necessário o pagamento do foro, já o direito do usufrutuário é gratuito; e) a enfiteuse é perpetua, recaindo sobre bem imóveis, o usufruto é temporário, podendo recair tanto sobre bens móveis como imóveis.

Já em relação à locação tem-se as seguintes diferenças: a) Igualmente ao usufruto, a locação é temporária, enquanto a enfiteuse é perpetua; b) os direitos do foreiro são mais extensos do que do locatário, no caso da enfiteuse o foreiro é titular de um direito real, já no caso da locação o locatário é titular de um direito pessoal; c) na enfiteuse o foreiro pode inclusive alienar o bem objeto da enfiteuse, o que não ocorre na locação, sendo vedado ao locatário ceder ou transferir o contrato de locação sem autorização, por escrito, do locador.
DIREITOS E DEVERES DO ENFITEUTA
Sobre a epígrafe dos direitos reais sobre coisas alheias, o Código Civil, do qual não se afasta o mais recente ordenamento, trata de duas categorias de direitos sobre coisas alheias: de gozo ou fruição e de garantia. Os de gozo ou fruição permitem a utilização da coisa de forma semelhante ao proprietário pleno, com maior ou menor espectro e a essa pertence a enfiteuse e passaremos agora a explicitar quais vantagens e oubrigações, tanto do enfiteuta quanto do proprietário direto.
O enfiteuta possui o domínio útil da propriedade, ou seja, poderá usar, gozar e dispor dos limites concedidos por tal direito, podendo receber frutos e rendimentos. Em seu uso, não pode destruir-lhe a substancia, que pertence ao senhorio.
O enfiteuta pode usar, gozar e dispor dos limites concedidos por tal direito, podendo receber os frutos e rendimentos do bem, tendo, nas palavras do saudoso professor Silvio Venosa, uma “quase propriedade”. Quanto ao uso, não pode ele destruir lhe a substancia, que pertence ao senhorio. Em relação à disposição, deverá ele avisar o senhorio, pois este tem direito de preferência na aquisição, o qual não exercido no prazo de 30 dias da notificação, terá o mesmo direito ao laudêmio. Também é direito do enfiteuta, resgatar a enfiteuse, obtendo a propriedade plena, 10 anos após a constituição do emprazamento, mediante pagamento de um laudêmio, que será de 2,5% sob o valor atual da propriedade plena, de 10 pensões anuais pelo foreiro (art. 693. CC/1916). 
O enfiteuta poderá gravar com hipoteca o imóvel, estabelecer servidões e usufruto, os quais ficam subordinados à extinção, na hipótese de se extinguir o aforamento, pois esses direitos, como regra, não atingem ao senhorio.
O enfiteuta tem a obrigação de pagar ao senhorio uma pensão anual, também chamado cânon ou foro e falta de pagamento do foro por três anos consecutivos acarreta o comisso, que é a uma forma de extinção da enfiteuse. Também terá que arcar com os impostos e com o ônus real da propriedade por ser ele o que usufrui o bem
O direito de preferência também é assegurado ao enfiteuta, no caso de querer o senhorio vender o domínio direto, devendo, pois, ser também interpelado a exerce-lo.

DIREITOS E DEVERES DO SENHORIO
O senhorio tem o direito de preferência em caso de venda ou dação em pagamento pelo enfiteuta, e caso não exerça esse direita, lhe é assegurado o laudêmio, que será de 2,5% sobre o preço da alienação, quando não exercer o direito de preferencia. Também possui o direito de arrematação preferencial em caso de igualdade de condições quando o bem for leiloado. Tem ainda o senhorio o direito de invocar os direitos reais e pessoais, sendo estes representados pelas ações de reivindicação, confessória e negatória e comisso, este ultimo de caráter pessoal.
Quanto aos deveres, tem- se o de respeitar o domínio útil do foreiro, o de notificar o enfiteuta quando for alienar o seu domínio e o de conceder o resgate nos termos do contrato.
EXTINÇÃO DA ENFITEUSE
Extingue-se o direito real limitado quando um ou outro titular do direito sobre a coisa o adquire do outro, consolidando-se a propriedade plena para o enfiteuta ou para o senhorio. Aduz o art. 692 do Código Civil de 1916:

“Extingue-se a enfiteuse:
I- pela natural deterioração do prédio aforado, quando chegue a não valer o capital correspondente ao foro e mais um quinto deste
II- pelo comisso, deixando o foreiro de pagar as pensões devidas, por 3 anos consecutivos, caso em que o senhorio o indenizará das benfeitorias necessárias.
III- falecendo o enfiteuta, sem herdeiros, salvo o direito dos credores
Outras também podem ser as causas de extinção da enfiteuse, como a renúncia, o abandono, a confusão, bem como as demais causas de extinção da propriedade.

O lei limitou os casos de extinção da enfiteuse a esses, mas outros podem ser aplicados que é primeiramente a aquisição por alienação ou arremate pelo enfiteuta ou pelo senhorio da “parte” da propriedade que ainda não lhe pertence, ocorrendo assim a confusão dessas qualidades. Outro caso de extinção seria a renúncia do senhorio ou o abandono pelo enfiteuta do imóvel, não restando outra alternativa senão extinguir o seu direito.
Com relação aos casos mencionados na lei, o que se refere ao comisso vale especial atenção, pois,  é pacifico na jurisprudência que, para que ocorra a extinção do direito é necessária uma decisão judicial nesse sentido, atendendo, é claro, o requisito dos 03 anos sem pagamento do foro, podendo o enfiteuse purgar a mora até a decisão final.
E por fim, pode ocorrer a usucapião do imóvel por terceiro estranho à relação, devendo, portanto, haver uma inércia, tanto do foreiro quanto do proprietário direto.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que a enfiteuse é um direito real em extinção no nosso ordenamento jurídico, não podendo ser constituída novas enfiteuses a partir da vigência do Novo Código Civil, sendo resguardadas as já existentes, em decorrência ao direito adquirido.
Tal instituto merece ainda ser estudado para a aquisição de conhecimento que poderão ser utilizados para a solução de empasses jurídicos futuros no nosso direito.
É considerada uma “velharia jurídica” por alguns autores, que já cumpriu o papel em seu tempo, mas que as demandas atuais não mais a pedem.

BIBLIOGRAFIA
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. 24ª edição, ed. Saraiva, 2009 v. 4
VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito Civil, Direitos Reais, Décima Edição, Editora Atlas, 2010 v. 5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 4ª edição, ed. Saraiva, 2009 v. 5 
ROQUE, José Sebastião, Direito das Coisas, Coleção Elementos de Direito, SP, Editora Ícone 
PEREIRA, Caio Mario da Silva, Instituições de Direito Civil , Editora Forense, 20ª edição, RJ, 2009



[1] Art. 678. Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui à outro o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.
[2] Art. 680. Só podem ser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação.
[3] Curso de Direito Civil Brasileiro, pg. 403.

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