THIAGO GARCIA DE FIGUEIREDO**
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo realizar uma breve análise
do sistema recursal brasileiro, abordando questões favoráveis e desfavoráveis a
utilização desse sistema principalmente com base no principio do duplo grau de
jurisdição, dentre outros. Abordar-se-á também a importância da prestação
jurisdicional dos principais órgãos de superposição do direito brasileiro, ou
seja, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sobretudo
com foco no recurso especial e extraordinário.
Palavras-Chaves: Direito Constitucional. Direito Penal. Recursos.
Princípio do Duplo Grau de Jurisdição. Recurso Extraordinário. Recurso Especial.
Supremo Tribunal Federal. Superior Tribunal de Justiça.
Recurso conforme definição de FERNADO CAPEZ “é a providência legal
imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, consistente em um meio de se
obter nova apreciação da decisão ou situação processual, com o fim de
corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la. Trata-se do meio pelo qual se obtém o
reexame de uma decisão” [1]
O sistema recursal brasileiro tem seu alicerce no princípio do
duplo grau de jurisdição. Este princípio trás a possibilidade de que uma das
partes, diante de uma sentença desfavorável, possa pedir uma nova apreciação da
matéria pelo judiciário em grau de recurso, caso não se conforme com a decisão.
Em um processo ao se levar uma pretensão em juízo, primeiramente,
quem irá analisar tal pretensão é o juiz de primeiro grau, ou também chamado de
primeira instância, que se trata da primeira apreciação feita pelo judiciário a
respeito da lide. Em um momento posterior é garantido um novo julgamento, caso
haja interesse da parte, denominada jurisdição superior ou segundo grau de
jurisdição.
O principio do duplo grau de jurisdição possuiu grande aceitação
na doutrina e na jurisprudência, no entanto, existem aqueles que criticam esse
principio.
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO dissertando a respeito do tema,
colocam como principais argumentos contra o sistema do duplo grau de jurisdição,
utilizado por minoria doutrinária:
“a) não só os juízes de primeiro grau, mas também os da justiça superior poderiam cometer erros e injustiças no julgamento, por vezes reformado até uma sentença consentânea com o direito e a justiça; b) a decisão em grau de recurso é inútil quando confirma a sentença de primeiro grau, infringindo até o princípio da economia processual; c) a decisão que reforma a sentença da jurisdição inferior é sempre nociva, pois aponta uma divergência de interpretação que da margem a duvidas quanto a correta aplicação do direito, produzindo incerteza nas relações jurídicas e o desprestigio do poder judiciário”[2]
Corroborando para este entendimento, pode ser citado como um
argumento desfavorável ao duplo grau de jurisdição, o desrespeito ao princípio
da imediação, que consiste na produção direta e pessoalmente do juiz na colheita
de provas na audiência, como a inquirição das testemunhas e a oitiva da vítima.
Portanto, um juiz de segundo grau de jurisdição não tem contato direto com a
produção de prova, julgando apenas questões de direto (jamais questões de fato),
ele se baseia apenas em informações de outros, ferindo assim o principio da
imediação, que por sua vez, está interligado ao principio da oralidade.
Outra desvantagem se trata da morosidade da prestação
jurisdicional, pois, o duplo grau de jurisdição somente contribuiria para que as
demandas se tornassem ademais extensas, tendo em vista que ao ser dada a
possibilidade de recorrer à parte sem dúvida alguma exerceria este direito, já
que em decorrência da impossibilidade da reformatio in pejus, o recurso somente
beneficiaria quem se encontra inconformado com a decisão.
Por fim pode se citar ainda, a falta de credibilidade dada ao juiz
de primeira instância, trazendo a ideia de que este não é capaz de julgar de
forma autônoma, já que sempre haverá a possibilidade de suas sentenças serem
reformadas.
Por outro lado, tem prevalecido o correto entendimento de que o
principio do duplo grau de jurisdição trás muito mais benefícios do que
prejuízos para quem deseja recorrer de uma decisão judicial.
O primeiro deles esta no fato de que o vencido terá, após ter
frustrada a sua pretensão, a possibilidade de um reexame da sentença. Este
reexame carrega um grau de satisfação maior, tendo em vista que será julgado por
um Tribunal de segundo grau, ou seja, será agora julgado por uma turma colegiada
de magistrados, que na maioria das vezes é composto por magistrados experientes,
dando assim, maior segurança jurídica. Contribui ainda o fato de que os
magistrados de primeiro grau, cientes de que suas decisões podem ser reformadas,
aplicam de maneira mais minuciosa o direito.
Tal reexame é preceituado no art. 8º, n. 2, letra “h”, da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica):
“Artigo 8º - Garantias judiciais: 2. Toda pessoa acusada de um delito tem
direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada
sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às
seguintes garantias mínimas: h) direito de recorrer da sentença a juiz ou
tribunal superior.”.
Um dos maiores argumentos a respeito do tema trata-se de um
argumento de natureza política. Isto porque, o poder judiciário, dentre os três
poderes, é aquele que mais carece de legitimidade, pois seus membros não são
eleitos pela população, assim ficam de certa forma imune aos necessários
controles públicos. Existe então, a necessidade de um controle interno sobre a
legalidade e a justiça das decisões judiciárias, que pode ser feito por meio da
utilização do duplo grau de jurisdição, fazendo com que os tribunais e
magistrados de segundo grau fiquem a par das decisões dos juízes de primeiro
grau, lembrando que, todos eles ficam sujeitos ao controle externo do conselho
nacional de justiça (CNJ).
Merece ainda destaque neste artigo, considerações acerca dos
últimos graus de recurso disponíveis à prestação jurisdicional, quais sejam, o
recurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o recurso
extraordinário, dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do
poder judiciário.
O STJ que possui competência sobre todo o território nacional,
trata-se um órgão de superposição, assim como o STF. Neste sentido, todas as
causas da chamada justiça comum (Justiça Federal e Justiças Estaduais) de
jurisdição comum, ou seja, que não fazem parte da justiça do trabalho, eleitoral
e militar (jurisdição especial) são julgadas pelo STJ em grau de recurso através
do recurso especial.
Apesar de não dar a palavra final nas decisões, o STJ julga causas
que já hajam exaurido todas as instancias das justiças inferiores. Sua
competência vem preceituada no art. 105 da constituição federal e que
basicamente consiste na defesa de lei federal. Assim, compete-lhe julgar, todas
as causas com decisões que contrariem ou neguem a vigência de tratado ou lei
federal, além de unificar divergentes interpretações de um ou de outro Tribunal,
acerca de uma lei federal.
O STF composto por onze ministros, como já dito, é o órgão de cúpula
do poder judiciário, assim, no direito brasileiro, é a máxima instância de
superposição, analisando questões constitucionais derivadas de qualquer
jurisdição nacional, seja ela comum ou especial. Conhecido também como guardião
da constituição, possui sua competência preceituada no artigo 102 da
constituição federal, como exemplo, compete-lhe julgar as ações de
inconstitucionalidade e de arguição de preceito fundamental, além claro, do
julgamento do recurso extraordinário.
Importante mencionar a função unificadora presente nas decisões do
STF, isso porque, tais decisões possuem grande influência sobre a jurisprudência
de outros tribunais, trazendo uniformidade nas decisões de diferentes tribunais,
principalmente se tiverem base constitucional já que a interpretação será a
mesma. Tal função é tão evidente que o STF tem até a possibilidade de editar
sumulas com caráter vinculante fazendo com que todos os magistrados e tribunais
decidam da mesma forma.
Em relação à decisão recorrida, com maestria observa VICENTE GRECO
FILHO:
“O art. 102, III, da Constituição não mais exige que a decisão recorrida, para fins de recurso extraordinário, tenha sido proferida por tribunal. Basta que tenha sido a única ou última instância, de modo que caberá o recurso no caso dos embargos infringentes da Lei n. 6.830, de 1980, bem como nas decisões irrecorríveis da Justiça do Trabalho, se presente um dos permissivos constitucionais, bem como da turma de juízes prevista no art. 82 da Lei n. 9.099/95. Nesse caso, não caberá o recurso especial, mas admite-se o recurso extraordinário diretamente ao Supremo Tribunal Federal.”[3]
Lembrando ainda, que não é apenas o STF que realiza o controle
constitucional (no caso concentrado), os magistrados de todos os graus de
jurisdição podem realizar o controle de constitucionalidade por meio do controle
difuso. Como preleciona ANDRÉ RAMOS TAVARES:
“Realmente, o recurso extraordinário, no Brasil, e, de maneira mais ampla, a possibilidade de haver controle concreto-difuso da constitucionalidade, exercitável por qualquer magistrado, em qualquer instância jurisdicional, só contribui para a excelência do modelo brasileiro. É que, como bem anota Vanossi, os sistemas de controle podem (e devem) ser classificados tomando como critério a possibilidade de participação de qualquer pessoa interessada na provocação do Tribunal Constitucional (em última instância). E essa hipótese está presente no modelo brasileiro, por via do recurso extraordinário.”[4]
Importante ressaltar que apesar desses tribunais serem órgãos de
superposição, existem matérias de competência originária que são as causas que
terão início originalmente nesses próprios tribunais, não advindo de nenhum
outro em decorrência do sistema recursal. Sendo assim, nesses casos, eles podem
analisar recursos de natureza ordinária, ao contrário do recurso especial e do
recurso extraordinário que, como o próprio nome diz (naquele dirigido ao STF),
possui natureza extraordinária. Outro ponto em comum trata-se do pré-requisito
de admissibilidade dos recursos, ou seja, que em ambos os casos, especial e
extraordinário, tenha se esgotados todos os meios ordinários possíveis, como a
apelação e o agravo, dentre outros.
Assim não há duvidas de que o atual sistema recursal, apesar da
morosidade presente na maioria das lides, garante direitos indispensáveis a
parte lesionada, além de dar efetiva aplicabilidade a diversos princípios, como
o do contraditório e a ampla defesa, evitando assim, erros e extremos casos de
injustiça, que infelizmente rodeiam o cenário jurisdicional brasileiro.
Bibliografia
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. Saraiva, 2011.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. Editora Malheiros,
2010.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível no sítio:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969)
(Pacto de San José da Costa Rica). Disponível no sítio: http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto065.shtml
(Pacto de San José da Costa Rica). Disponível no sítio: http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto065.shtml
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. Editora Saraiva, 2010.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Editora
Saraiva, 2011.
* Artigo apresentado para obtenção de nota parcial à
disciplina de Direito Processual Penal, ministrada pelo professor Alberto
Correia.
** Acadêmico do 6º período do Curso de Bacharelado em
Direito pela Universidade Estadual de Roraima (UERR).
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18 ed. Pg.
725.
[2] CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria Geral do Processo.
26 ed. Pg. 80-81.
[3] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8 ed.
Pg. 360.
[4] TAVARES, André Ramos. Curso de direito Constitucional. 9
ed. Pg. 377.
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