quarta-feira, 17 de outubro de 2012

ANÁLISE HERMENÊUTICA DA POSIÇÃO MAIS ADEQUADA ACERCA DO CONCEITO DE TRABALHADOR RURAL


       Diante da celeuma em torno do conceito legal de trabalhador rural no ordenamento jurídico brasileiro e a grande divergência doutrinária acerca desse conceito, deve-se buscar por uma interpretação doutrinal, mais adequada e que domine pelo convencimento, sobre a figura do trabalhador rural hodiernamente. Para tanto, esta análise visa a sistematizar as controvérsias legais e doutrinárias para determinar o sentido e o alcance desse peculiar tipo de trabalhador.

       Inicialmente, se faz pertinente referir que muito embora a Constituição Federal de 1988 tenha equiparado o trabalhador rural ao trabalhador urbano, as relações de trabalho rural são regidas, ainda hoje, pela Lei n. 5.889/73, que estatui normas reguladoras do trabalho rural[1], haja vista as peculiaridades desse trabalhador, tendo a Consolidação das Leis Trabalhistas, CLT, papel subsidiário na disciplina do tema.
Enfim, a Constituição assegura ao trabalhador rural todos os elementos essenciais à relação de emprego. No entanto, são nos elementos especiais do empregado rural que reside a grande controvérsia acerca da caracterização dessa figura.

       Maurício Godinho Delgado (2007) pontua acerca das acaloradas críticas ao critério celetista de diferenciação, baseado nos métodos e fins da atividade laboral e operativa e não no segmento de atividade do empregador, critério dominante no Direito brasileiro. Todavia, este autor ensina que o dispositivo expresso na CLT, art. 7º, b foi tacitamente revogado pelo artigo 2º da Lei 5.889/73, que disciplina ser o enquadramento do trabalhador como rural dependente do enquadramento de seu empregador.

        Neste sentido, “o enquadramento do empregado como trabalhador urbano ou rural depende da atividade preponderante do empregador, e não das peculiaridades do serviço prestado”. O entendimento vem guiando a SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho nos casos em que há dúvidas sobre o enquadramento do trabalhador. Nessa conduta se observa a natureza protetiva do Direito do Trabalho, ao ampliar para qualquer trabalhador vinculado a um empregador rural a categoria de trabalhador rural, independente de quais atribuições o empregado exerça no seu labor diário. Desta forma, tem-se aplicado a jurisprudência do Tribunal no sentido de que é irrelevante para a configuração do trabalho rural a análise das atividades desenvolvidas pelo empregado.

        Por outro lado, os Tribunais Regionais do Trabalho vêm decidindo[2] que a caracterização do vínculo de emprego decorre da conjugação do disposto nos artigos 2º e 3º da Lei nº 5.889/73, que conceituam o que seja empregado e empregador. Todos os requisitos devem se fazer presentes. Demonstrando ficar claro que não há como reconhecer o vínculo empregatício referente a empregado rural quando ausentes os requisitos de que trata o art. 2º da Lei nº 5.889/73[3]. Assim, observa-se a adoção da corrente doutrinária que caracteriza trabalhador rural pela atividade exercida pelo empregador somada ao lugar onde o empregado desenvolve seu labor[4].

        Por outro lado, privilegiar a caracterização do vínculo de trabalhador rural em decorrência da natureza das atividades do empregador exclui uma parcela de empregados, também hipossuficientes dada a condição de subordinação, que desempenham atividade rurícola para empregador urbano. Assim, acredito ser imprescindível a apurada e criteriosa análise do caso concreto para que, utilizando o princípio da aplicação da fonte jurídica mais favorável, subprincípio do princípio da proteção, se priorize a fonte jurídica que seja mais favorável o trabalhador. Afinal, o direito do trabalho é um conjunto de garantias mínimas ao trabalhador que pode ser ultrapassado em seu benefício.

     A relevância de caracterizar o trabalhador como rural ou não, consiste, entre outros desdobramentos, no fato de que ao reconhecer o empregado como rural, afasta-se a incidência da prescrição quinquenal prevista no artigo , inciso XXIX, da Constituição Federal para trabalhadores urbanos e rurais, sem distinção. Prevalecendo-se o prazo de prescrição que vigorava antes da emenda, em que o trabalhador agrícola tinha até dois anos após a rescisão do contrato para ajuizar ação trabalhista, porém com a possibilidade de pleitear direitos relativos a todo o período trabalhado.

       Vólia Bomfim Cassar (2007) discorre que o universo jurídico deve ser sempre analisado de forma holística, em conformidade com o filtro constitucional, no sentido de que nenhuma lei está livre de ser interpretada por qualquer uma das técnicas apresentadas, porque todas têm pontos importantes, com vantagens e desvantagens. “A grande beleza do Direito está no fato de comportar diversas formas de interpretar, como um admirador de uma obra de arte que impregna o ar com sua forma de olhar a tela”.



          Esta postura mais moderna pode ser perfeitamente observada na jurisprudência seguinte:

Ainda que desenvolvido o trabalho em propriedade que não se possa afirmar tipicamente agrícola, ou mesmo de questionável viabilidade econômica por si, concorrendo sua produção para o abastecimento de hotel explorado pela família, como informado pela prova oral e técnica, é certa sua conotação econômica, e não de simples área de lazer, sendo rural o trabalhador ali vinculado. (TRT 12ª R. – RO-V 02380-2004-045-12-00-4 – (14325/2005) – Florianópolis – 2ª T. – Rel. Juiz Amarildo Carlos de Lima – J. 08.11.2005)

Irrelevantes, para configuração do vínculo como emprego rural ou doméstico, o destino do dinheiro arrecadado com a venda dos produtos da fazenda e o valor arrecadado com tal atividade. O lucro auferido, ainda que mínimo, já elide a relação meramente doméstica. (TRT 6ª R. – Proc. 00200-2003-181-06-00-3 – 2ª T. – Relª Juíza Maria Helena Guedes Soares de Pinho Maciel – DOEPE 02.07.2004)

         Talvez aqui seja o caso de se distanciar das clássicas Escolas Hermenêuticas Exegética e Pandectista, que privilegiavam a absoluta supremacia da lei e a absoluta intenção do legislador, respectivamente, e se ater à Escola Teleológica de Ihering, buscando conciliar os interesses conflitantes com o intuito de protegê-los.


Referências
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Edit. Impetus, 2007.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 6 ed. São Paulo: Edit. LTr, 2007.
           
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas de trabalho. 2 ed. São Paulo: Edit. Saraiva, 2011.

VENEZIANO, André Horta Moreno. Direito e processo do trabalho. 4 ed. São Paulo: Edit. Saraiva, 2011.



[1] Naquilo que não colidir com o disposto na Constituição.

[2] RO 3258620105040551 RS 0000325-86.2010.5.04.0551, Relator: FLÁVIA LORENA PACHECO, Data de Julgamento: 17/08/2011, Vara do Trabalho de Frederico Westphalen
[3] RO 130615 PB 00111.2011.018.13.00-4, Relator: ANA MARIA FERREIRA MADRUGA, Data de Julgamento: 18/01/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 25/01/2012
[4] RO 1099001420095070023 CE 0109900-1420095070023, Relator: DULCINA DE HOLANDA PALHANO, Data de Julgamento: 10/01/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: 25/01/2011 DEJT



Nenhum comentário:

Postar um comentário