Diante da celeuma em torno do conceito legal de
trabalhador rural no ordenamento jurídico brasileiro e a grande divergência
doutrinária acerca desse conceito, deve-se buscar por uma interpretação
doutrinal, mais adequada e que domine pelo convencimento, sobre a figura do
trabalhador rural hodiernamente. Para tanto, esta análise visa a sistematizar
as controvérsias legais e doutrinárias para determinar o sentido e o alcance
desse peculiar tipo de trabalhador.
Inicialmente, se faz pertinente referir que muito
embora a Constituição Federal de 1988 tenha equiparado o trabalhador rural ao
trabalhador urbano, as relações de trabalho rural são regidas, ainda hoje, pela
Lei n. 5.889/73, que estatui normas reguladoras do trabalho rural[1],
haja vista as peculiaridades desse trabalhador, tendo a Consolidação das Leis
Trabalhistas, CLT, papel subsidiário na disciplina do tema.
Enfim, a Constituição assegura ao trabalhador rural
todos os elementos essenciais à relação de emprego. No entanto, são nos
elementos especiais do empregado rural que reside a grande controvérsia acerca
da caracterização dessa figura.
Maurício Godinho Delgado (2007) pontua acerca das
acaloradas críticas ao critério celetista de diferenciação, baseado nos métodos
e fins da atividade laboral e operativa e não no segmento de atividade do
empregador, critério dominante no Direito brasileiro. Todavia, este autor
ensina que o dispositivo expresso na CLT,
art. 7º, b foi tacitamente revogado pelo artigo 2º da Lei 5.889/73, que disciplina
ser o enquadramento do trabalhador como rural dependente do enquadramento de
seu empregador.
Neste sentido, “o
enquadramento do empregado como trabalhador urbano ou rural depende da
atividade preponderante do empregador, e não das peculiaridades do serviço
prestado”. O entendimento vem guiando a SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho
nos casos em que há dúvidas sobre o enquadramento do trabalhador. Nessa conduta
se observa a natureza protetiva do Direito do Trabalho, ao ampliar para
qualquer trabalhador vinculado a um empregador rural a categoria de trabalhador
rural, independente de quais atribuições o empregado exerça no seu labor
diário. Desta forma, tem-se aplicado a jurisprudência do Tribunal no sentido de que é irrelevante para a
configuração do trabalho rural a análise das atividades desenvolvidas
pelo empregado.
Por outro lado, os Tribunais
Regionais do Trabalho vêm decidindo[2] que a caracterização do vínculo de emprego decorre da conjugação do disposto nos artigos
2º e 3º da Lei nº 5.889/73, que conceituam o que seja empregado e empregador. Todos os requisitos devem se fazer presentes.
Demonstrando ficar claro que não há como reconhecer o vínculo empregatício
referente a empregado rural quando
ausentes os requisitos de que trata o art. 2º da Lei nº 5.889/73[3]. Assim, observa-se a
adoção da corrente doutrinária que caracteriza trabalhador rural pela atividade
exercida pelo empregador somada ao lugar onde o empregado desenvolve seu labor[4].
Por outro lado, privilegiar
a caracterização do vínculo de trabalhador rural em decorrência da natureza das
atividades do empregador exclui uma parcela de empregados, também
hipossuficientes dada a condição de subordinação, que desempenham atividade
rurícola para empregador urbano. Assim, acredito ser imprescindível a apurada e
criteriosa análise do caso concreto para que, utilizando o princípio da
aplicação da fonte jurídica mais favorável, subprincípio do princípio da
proteção, se priorize a fonte jurídica que seja mais favorável o trabalhador.
Afinal, o direito do trabalho é um conjunto de garantias mínimas ao trabalhador
que pode ser ultrapassado em seu benefício.
A relevância de caracterizar
o trabalhador como rural ou não, consiste, entre outros desdobramentos, no fato
de que ao reconhecer o empregado como rural, afasta-se a incidência da
prescrição quinquenal prevista no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal para trabalhadores urbanos
e rurais, sem distinção. Prevalecendo-se o prazo de prescrição que vigorava
antes da emenda, em que o trabalhador agrícola tinha até dois anos após a
rescisão do contrato para ajuizar ação trabalhista, porém com a possibilidade
de pleitear direitos relativos a todo o período trabalhado.
Vólia Bomfim Cassar (2007)
discorre que o universo jurídico deve ser sempre analisado de forma holística, em conformidade com o filtro constitucional, no sentido de que nenhuma lei está livre de ser
interpretada por qualquer uma das técnicas apresentadas, porque todas têm
pontos importantes, com vantagens e desvantagens. “A grande beleza do Direito
está no fato de comportar diversas formas de interpretar, como um admirador de
uma obra de arte que impregna o ar com sua forma de olhar a tela”.
Esta postura mais moderna
pode ser perfeitamente observada na jurisprudência seguinte:
Ainda que
desenvolvido o trabalho em propriedade que não se possa afirmar tipicamente
agrícola, ou mesmo de questionável viabilidade econômica por si, concorrendo
sua produção para o abastecimento de hotel explorado pela família, como
informado pela prova oral e técnica, é certa sua conotação econômica, e não de
simples área de lazer, sendo rural o trabalhador ali vinculado. (TRT 12ª R. –
RO-V 02380-2004-045-12-00-4 – (14325/2005) – Florianópolis – 2ª T. – Rel. Juiz
Amarildo Carlos de Lima – J. 08.11.2005)
Irrelevantes, para configuração do vínculo como emprego rural ou
doméstico, o destino do dinheiro arrecadado com a venda dos produtos da fazenda
e o valor arrecadado com tal atividade. O lucro auferido, ainda que mínimo, já
elide a relação meramente doméstica. (TRT 6ª R. – Proc. 00200-2003-181-06-00-3
– 2ª T. – Relª Juíza Maria Helena Guedes Soares de Pinho Maciel – DOEPE
02.07.2004)
Talvez aqui seja o caso de se distanciar das
clássicas Escolas Hermenêuticas Exegética e Pandectista, que privilegiavam a
absoluta supremacia da lei e a absoluta intenção do legislador,
respectivamente, e se ater à Escola Teleológica de Ihering, buscando conciliar
os interesses conflitantes com o intuito de protegê-los.
Referências
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Edit. Impetus, 2007.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso
de direito do trabalho. 6 ed. São Paulo: Edit. LTr, 2007.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas de trabalho. 2 ed. São Paulo: Edit. Saraiva, 2011.
VENEZIANO,
André Horta Moreno. Direito e processo
do trabalho. 4 ed. São Paulo: Edit. Saraiva, 2011.
[2] RO 3258620105040551 RS
0000325-86.2010.5.04.0551, Relator: FLÁVIA LORENA PACHECO, Data de Julgamento:
17/08/2011, Vara do Trabalho de Frederico Westphalen
[3] RO 130615 PB 00111.2011.018.13.00-4,
Relator: ANA MARIA FERREIRA MADRUGA, Data de Julgamento: 18/01/2012, Tribunal
Pleno, Data de Publicação: 25/01/2012
[4] RO 1099001420095070023 CE
0109900-1420095070023, Relator: DULCINA DE HOLANDA PALHANO, Data de Julgamento:
10/01/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: 25/01/2011 DEJT
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