sábado, 10 de novembro de 2012

SISTEMA RECURSAL DO DIREITO BRASILEIRO



SISTEMA RECURSAL DO DIREITO BRASILEIRO





ADELSON PEREIRA DE SOUSA1

RESUMO
Este artigo tem o objetivo de trazer a luz alguns desdobramentos filosóficos e sociológicos sobre o Sistema recursal no Direito Penal Brasileiro. Longe de procedermos a uma análise técnica e jurídica sobre o tema, iremos percorrê-lo sob o prisma da hermenêutica, com foco axiológico. Propomos uma debate sobre os pontos positivos no instituto do recurso no nosso ordenamento penal, bem como sobre os pontos falhos, sobre os quais recaem a maioria das críticas dos doutrinadores. Após esse caminho trilhado, concluiremos com nosso posicionamento sobre a questão da plena validade e equidade do sistema recursal em âmbito penal.

Palavras-chave: revisão criminal; falibilidade; certeza jurídica; justiça.










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1 Acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Roraima – UERR

  1. INTRODUÇÃO
O homem é, por essência, um ser inacabado, inconcluso, portanto, em constante processo de desenvolvimento e evolução. Assim, resta-nos fácil afirmar que o homem é imperfeito, falho. Aí reside um dos fundamentos, talvez o mais importante fundamento do sistema recursal no Direito: a falibilidade humana. Embora muitos magistrados tenham o ledo engano de que estão acima do bem e do mal, ou presumem-se onipotentes, são, na verdade, homens comuns, no sentido antropológico da palavra. E, portanto, suscetíveis a falhas, ao erro.
A falibilidade humana provém da propensão do juiz de cometer erros na interpretação e aplicação da lei. Coíbe a incidência fatal e irreversível de enganos e é um instrumento visceral no combate a arbitrariedades e a decisões motivadas pela má fé do magistrado, visto que, na condição de homem, também está suscetível a corromper-se.
Outro importante fundamento do sistema recursal é inerente a figura do réu (sujeito ativo do processo) ou do autor da ação, e diz respeito ao inconformismo, outra característica inerente ao ser humano. No mundo contemporâneo, sobretudo a partir do advento da pós-modernidade, vivemos uma sociedade de lutas e de constantes desafios. Cotidianamente somos desafiados e, seguindo a teoria da evolução darwiniana, somente os mais fortes e aptos sobrevivem. Daí a necessidade quase inerente da vitória. O ser humano não gosta de perder e desenvolve um forte apego às suas convicções, em detrimento da análise e do julgamento do outro. Daí resulta o fato de não conformar-se com decisões contrárias a suas crenças e suas expectativas.
 A necessidade psicológica do vencido de obter um novo julgamento na decisão que lhe foi desfavorável, isto é, não se conformar perante uma única decisão que lhe trouxe gravame ou prejuízo, se traduz em um forte pressuposto àqueles que defendem o sistema recursal.
Outro ponto em defesa dos recursos no sistema judiciário é a possibilidade de poder contar com a maior experiência dos integrantes dos tribunais, visto que estes órgãos são compostos por juízes que já atuaram na primeira instância por um tempo razoável, o que lhes confere maior legitimidade e credibilidade, embora seja importante ressaltar que ainda assim, podem cometer erros.
No mais, o sistema recursal impõe ao magistrado um grau maior de cautela e prudência quando da aplicação da sentença ou da pena, visto que, sabedor da possibilidade de revisão de sua decisão, procura agir com maior precisão, equidade e isonomia. Podemos afirmar, então, tratar-se de um instrumento de controlo jurisdicional. É, por assim dizer, o olhar da coletividade sobre a ação do juiz singular.


  1. ORIGEM ETMOLÓGICA E DEFINIÇÃO
Para uma melhor compreensão do sistema recursal no direito brasileiro e do recurso em sentido restrito, cumpre-nos o dever de apresentar a origem etimológica deste instituto, bem como algumas definições, muito elucidativas, desenvolvidas por três dos mais notáveis e cultos doutrinadores.

2.1.         Etmologia:
Recurso vem da palavra latina Recursus – us. Significa: voltar, retroceder, retornar (corrida para trás – caminho para voltar – caminho já utilizado).

2.2.         Conceito
Recurso é o pedido de nova decisão judicial, com alteração de decisão anterior, previsto em lei, dirigido, em regra, a outro órgão jurisdicional, dentro do mesmo processo. (Vicente Greco Filho)
Recurso é uma providência legal, imposta ou concedida à parte interessada, consistente em um meio de se obter nova apreciação da decisão ou situação processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la. Meio pelo qual se obtém o reexame de uma decisão. (Fernando Capez)
Recurso é a providência legal imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, objetivando nova apreciação da decisão ou da situação processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la. (Magalhães Noronha).
Após passarmos em revista a imprescindível colaboração dos doutos juristas ao norte citados, podemos afirmar tratar-se o recurso de uma providência legal concedida à parte interessada com o fito de obter reexame da decisão proferida na perspectiva de alterá-la em favor do requerente. Com todo o respeito aos ilustres doutrinadores, parece-nos não fazer sentido listar como objetivo do recurso a confirmação da decisão anterior. Se assim agir o requente, com o objetivo de confirmar a decisão, restará esvaziado o sentido do instituto do recurso, pois objetivar confirmar a decisão remete à conformidade com esta, e a inconformidade do ser humano é um dos fundamentos do sistema recursal.


  1. RECURSO NO DIREITO PENAL: DOIS PESOS; QUANTAS MEDIDAS?
Certa vez perguntei a um leigo nos assuntos jurídicos se ele sabia o porquê da estátua que representa a justiça se apresentar com uma venda nos olhos. A resposta foi catedrática:
- É por que a justiça é cega!
Continuando a sabatina e usando, grosso modo falando, a técnica socrática da maiêutica, o parto das idéias, perguntei então o que significava a cegueira da justiça. E a resposta...
- Acredito que a estátua da justiça é cega para que ela mesma não veja todas as aberrações que se cometem no direito brasileiro em seu nome, em nome da lei e da ordem. Foi ela que, de livre arbítrio, pôs uma venda nos olhos para não ver toda a arbitrariedade que se comete e toda a afronta que se pratica nos fóruns e tribunais deste país, quando se trata de defender os interesses dos homens do poder.
Utilizo deste trecho de um diálogo (ficto) para começarmos nossas reflexões sobre os pontos positivos e os aspectos contraproducentes da sistemática recursal no direito penal brasileiro. Ressalto que, embora não se faça necessário, não custa lembrar que a venda nos olhos da justiça é para que ela não faça distinção entre os cidadãos que protege. Que ela possa – pois deve – proteger a todos sem distinção, pois não vê e, portanto, não distingue uns dos outros.
Acredito que não seja imprescindível pormenorizar os pontos positivos do sistema recursal no direito penal brasileiro, visto que a parte introdutória deste trabalho se já encarregou de tal tarefa – embora parcialmente. Resta-nos lembrar que o recurso é a efetivação plena da proteção essencial do valor da justiça. A possibilidade da revisão criminal representa, em última instância, a possibilidade de prevalecer à justiça sobe a “certeza” que advém da imutabilidade da coisa julgada, uma vez que nem sempre podemos dizer que esta certeza é justa e infalível.
Com a perspectiva de preponderar a “justiça” sobre a “certeza” quis o legislador agasalhar no código a possibilidade da revisão e, consequentemente, da reformulação da sentença, nos casos em que se aplica ao réu uma sentença penal condenatória, sendo nefasta ao ordenamento jurídico a revisão de sentença absolutória. Longe de representar ponto pacificado no ordenamento jurídico o instituto do recurso, sobretudo no direito penal, é tema controverso e polêmico, havendo conflito na doutrina.
Muitos doutrinadores questionam a validade e a eficácia do sistema recursal. Analisemos abaixo alguns elementos que impõem descrédito ao recurso, como instrumento de revisão criminal:
a) o primeiro elemento negativo seria o descrédito com relação à prestação jurisdicional, constantemente colocada em xeque por força de recurso sobre recurso, sendo que nenhuma decisão singular seria respeitada em sua integralidade, assim, como referia em tom jocoso Evandro Lins e Silva...
O advogado não busca propriamente a prestação do juiz singular, mas qualquer decisão para poder recorrer – pede ao magistrado que decida logo, para que possa interpor recurso, privilegiando assim as instâncias superiores em detrimento daquele juízo que tomou contato direto com o processo, as alegações das partes de forma íntima e se inteirou com proximidade com os interesses das partes envolvidas;

b) o segundo argumento é de natureza prática: o efeito procrastinatório da interposição dos recursos e o grau de insegurança jurídica daí resultante, pois que: uma vez correta à decisão recorrida, teria sido perda de tempo o próprio recurso e, se julgada a decisão recorrida como imprópria, quem poderia afirmar com segurança que agora esta nova decisão, seria a mais acertada? Portanto, os recursos gerariam uma eterna desconfiança no Poder Judiciário, na prestação jurisdicional, afetando sobremaneira as relações intersubjetivas. O descredenciamento das decisões judiciais dá-se com esse impasse – ou o recurso é inócuo, porque confirmada a decisão a quo, ou uma delas estaria equivocada, surgindo dúvida sobre a última, passível de novo recurso, formando um círculo interminável de insegurança.
Em artigo intitulado “Justiça Sem Fim” o
Juiz Federal e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Sérgio Fernando Moro, alerta que reportagem da Revista Britânica “Economist” colocou em cheque a Justiça brasileira ao afirmar que esta seria “estragada por cortes sobrecarregadas e recursos intermináveis” (sic). Afirma ainda o Dr. Sérgio môo que “A Justiça no Brasil está estruturada para possibilitar que criminosos poderosos retardem indefinidamente o resultado do processo e a aplicação da lei penal”.
Certamente todos os que têm alguma ligação com o judiciário – ou mesmo os cidadãos que apenas acompanham os noticiários nacionais – tomaram conhecimento do caso Sandra Gomide, a jornalista que em agosto de 2000 foi assassinada pelo ex-namorado e também jornalista Pimenta Neves. O assassino confesso da jornalista foi julgado e condenado em 2006 a 12 anos de prisão, mas não chegou a ser preso. Sua defesa começou um périplo de recursos que culminaram no STF. Somente em maio de 2011, passados mais de 10 anos do crime, o caso chegou ao fim e Pimenta Neves foi preso. Fatos assim contribuem para o descrédito na Justiça brasileira, sobretudo no exterior, põem em dúvida o sistema recursal do direito penal e contribuem para a crença de que as pessoas com alto poder aquisitivo conseguem se beneficiar, sobretudo, da lentidão da justiça.
Podemos depreciar deste fato que mesmo o sistema recursal estando a disposição de todos os cidadãos, é possível falar em um instrumento com dois pesos e duas medidas. É fato que o sistema recursal no sistema penal brasileiro é instrumento facilitador de protelação de cumprimento de sentença e fazem uso muito bem deste instituto àqueles que podem contratar os melhores escritórios de advocacia. Muito dificilmente um cidadão pobre, no sentido da lei, poderia arrastar por mais de 10 anos a efetivação do cumprimento de uma pena por homicídio doloso, ainda mais sendo réu confesso.
4.     CONCLUSÃO
Quando nos propusemos a tecer considerações a respeito do sistema Recursal no Ordenamento Jurídico Brasileiro, tínhamos a clareza de que não se impunha tarefa fácil. Ao contrário. Trata-se de buscar o liame, a linha tênue que separa a importância da coisa julga, com sua respectiva garantia de imutabilidade jurídica e a busca pela proteção do valor social da justiça.
Não há consenso e todos aqueles que se impõe a tarefa de perquirir possibilidades ou alternativas de solução tendem a levantar mais questionamentos e dúvidas do que respostas precisas. Ao que atacam o recrso e o apontam como elemento enfraquecedor do sistema judiciário, as críticas procedem, em parte, diante do atual modelo recursal, sobretudo por trazer uma conseqüência nefasta, o congestionamento dos tribunais Superiores, muitas vezes obstruídos com milhares de recursos de que não tem a menor competência ou razão.
  Entretanto, não entendemos serem os recursos os culpados e sim o sistema jurídico que não permite uma maior flexibilização sobre direitos considerados indisponíveis. Mas o cerne da questão não é a procrastinação ou mesmo as amplas possibilidades de embargo às decisões de primeira e segunda instância, e sim o sistema processual formalista que não permite ao magistrado aprofundar-se com zelo no processo de conhecimento, geralmente, restando às superiores instâncias cuidar de eventuais falhas ocorridas no curso daquele feito canhestro.
5.     REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Direito Penal e Processual Penal na Visão dos       Tribnais; 1ª edição, Editora Saraiva – 2002

PELLEGRINI, Grinover, Ada; MAGALHÃES, Gomes Filho Antonio; SCARANCE Fernandes, Antonio. Recursos no Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

RANGEL, Paulo. 1ª edição – 2ª tiragem revisada, ampliada e atualizada. Editora Lmen Juris. 2005

Revista Conslex – Ano XIII – nº 289 – 31 de janeiro/2009

Revista Prática Jurídica – Ano VIII – nº 90 – Setembro/2009

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