SISTEMA RECURSAL DO DIREITO
BRASILEIRO
ADELSON PEREIRA DE SOUSA1
RESUMO
Este artigo tem o objetivo
de trazer a luz alguns desdobramentos filosóficos e sociológicos sobre o
Sistema recursal no Direito Penal Brasileiro. Longe de procedermos a uma análise
técnica e jurídica sobre o tema, iremos percorrê-lo sob o prisma da
hermenêutica, com foco axiológico. Propomos uma debate sobre os pontos
positivos no instituto do recurso no nosso ordenamento penal, bem como sobre os
pontos falhos, sobre os quais recaem a maioria das críticas dos doutrinadores.
Após esse caminho trilhado, concluiremos com nosso posicionamento sobre a
questão da plena validade e equidade do sistema recursal em âmbito penal.
Palavras-chave: revisão
criminal; falibilidade; certeza jurídica; justiça.
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1 Acadêmico de Direito da
Universidade Estadual de Roraima – UERR
- INTRODUÇÃO
O
homem é, por essência, um ser inacabado, inconcluso, portanto, em constante
processo de desenvolvimento e evolução. Assim, resta-nos fácil afirmar que o
homem é imperfeito, falho. Aí reside um dos fundamentos, talvez o mais
importante fundamento do sistema recursal no Direito: a falibilidade humana.
Embora muitos magistrados tenham o ledo engano de que estão acima do bem e do
mal, ou presumem-se onipotentes, são, na verdade, homens comuns, no sentido
antropológico da palavra. E, portanto, suscetíveis a falhas, ao erro.
A
falibilidade humana provém da propensão do juiz de cometer erros na interpretação
e aplicação da lei. Coíbe a incidência fatal e irreversível de enganos e é um
instrumento visceral no combate a arbitrariedades e a decisões motivadas pela
má fé do magistrado, visto que, na condição de homem, também está suscetível a
corromper-se.
Outro
importante fundamento do sistema recursal é inerente a figura do réu (sujeito
ativo do processo) ou do autor da ação, e diz respeito ao inconformismo, outra
característica inerente ao ser humano. No mundo contemporâneo, sobretudo a
partir do advento da pós-modernidade, vivemos uma sociedade de lutas e de
constantes desafios. Cotidianamente somos desafiados e, seguindo a teoria da
evolução darwiniana, somente os mais fortes e aptos sobrevivem. Daí a
necessidade quase inerente da vitória. O ser humano não gosta de perder e
desenvolve um forte apego às suas convicções, em detrimento da análise e do
julgamento do outro. Daí resulta o fato de não conformar-se com decisões
contrárias a suas crenças e suas expectativas.
A necessidade psicológica do vencido de obter
um novo julgamento na decisão que lhe foi desfavorável, isto é, não se
conformar perante uma única decisão que lhe trouxe gravame ou prejuízo, se
traduz em um forte pressuposto àqueles que defendem o sistema recursal.
Outro
ponto em defesa dos recursos no sistema judiciário é a possibilidade de poder
contar com a maior experiência dos integrantes dos tribunais, visto que estes
órgãos são compostos por juízes que já atuaram na primeira instância por um
tempo razoável, o que lhes confere maior legitimidade e credibilidade, embora
seja importante ressaltar que ainda assim, podem cometer erros.
No
mais, o sistema recursal impõe ao magistrado um grau maior de cautela e
prudência quando da aplicação da sentença ou da pena, visto que, sabedor da
possibilidade de revisão de sua decisão, procura agir com maior precisão, equidade
e isonomia. Podemos afirmar, então, tratar-se de um instrumento de controlo
jurisdicional. É, por assim dizer, o olhar da coletividade sobre a ação do juiz
singular.
- ORIGEM ETMOLÓGICA E DEFINIÇÃO
Para
uma melhor compreensão do sistema recursal no direito brasileiro e do recurso
em sentido restrito, cumpre-nos o dever de apresentar a origem etimológica
deste instituto, bem como algumas definições, muito elucidativas, desenvolvidas
por três dos mais notáveis e cultos doutrinadores.
2.1.
Etmologia:
Recurso vem da palavra latina
Recursus – us. Significa: voltar,
retroceder, retornar (corrida para trás – caminho para voltar – caminho já utilizado).
2.2.
Conceito
Recurso é o pedido de nova decisão
judicial, com alteração de decisão anterior, previsto em lei, dirigido, em
regra, a outro órgão jurisdicional, dentro do mesmo processo. (Vicente Greco Filho)
Recurso é uma providência legal,
imposta ou concedida à parte interessada, consistente em um meio de se obter
nova apreciação da decisão ou situação processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la
ou confirmá-la. Meio pelo qual se obtém o reexame de uma decisão. (Fernando Capez)
Recurso é a providência legal
imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, objetivando nova apreciação
da decisão ou da situação processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou
confirmá-la. (Magalhães Noronha).
Após passarmos em revista a imprescindível
colaboração dos doutos juristas ao norte citados, podemos afirmar tratar-se o
recurso de uma providência legal concedida à parte interessada com o fito de
obter reexame da decisão proferida na perspectiva de alterá-la em favor do
requerente. Com todo o respeito aos ilustres doutrinadores, parece-nos não
fazer sentido listar como objetivo do recurso a confirmação da decisão
anterior. Se assim agir o requente, com o objetivo de confirmar a decisão,
restará esvaziado o sentido do instituto do recurso, pois objetivar confirmar a
decisão remete à conformidade com esta, e a inconformidade do ser humano é um
dos fundamentos do sistema recursal.
- RECURSO NO DIREITO PENAL: DOIS PESOS; QUANTAS MEDIDAS?
Certa vez perguntei a um leigo nos assuntos jurídicos se ele sabia o
porquê da estátua que representa a justiça se apresentar com uma venda nos
olhos. A resposta foi catedrática:
- É por que a justiça é cega!
Continuando a sabatina e usando, grosso modo falando, a técnica
socrática da maiêutica, o parto das idéias, perguntei então o que significava a
cegueira da justiça. E a resposta...
- Acredito que a estátua da justiça é cega para que ela mesma não veja
todas as aberrações que se cometem no direito brasileiro em seu nome, em nome
da lei e da ordem. Foi ela que, de livre arbítrio, pôs uma venda nos olhos para
não ver toda a arbitrariedade que se comete e toda a afronta que se pratica nos
fóruns e tribunais deste país, quando se trata de defender os interesses dos
homens do poder.
Utilizo deste trecho de um diálogo (ficto) para começarmos nossas
reflexões sobre os pontos positivos e os aspectos contraproducentes da
sistemática recursal no direito penal brasileiro. Ressalto que, embora não se
faça necessário, não custa lembrar que a venda nos olhos da justiça é para que
ela não faça distinção entre os cidadãos que protege. Que ela possa – pois deve
– proteger a todos sem distinção, pois não vê e, portanto, não distingue uns
dos outros.
Acredito que não seja imprescindível pormenorizar os pontos positivos do
sistema recursal no direito penal brasileiro, visto que a parte introdutória
deste trabalho se já encarregou de tal tarefa – embora parcialmente. Resta-nos
lembrar que o recurso é a efetivação plena da proteção essencial do valor da
justiça. A possibilidade da revisão criminal representa, em última instância, a
possibilidade de prevalecer à justiça sobe a “certeza” que advém da
imutabilidade da coisa julgada, uma vez que nem sempre podemos dizer que esta
certeza é justa e infalível.
Com a perspectiva de preponderar a “justiça” sobre a “certeza” quis o
legislador agasalhar no código a possibilidade da revisão e, consequentemente,
da reformulação da sentença, nos casos em que se aplica ao réu uma sentença
penal condenatória, sendo nefasta ao ordenamento jurídico a revisão de sentença
absolutória. Longe de representar ponto pacificado no ordenamento jurídico o
instituto do recurso, sobretudo no direito penal, é tema controverso e
polêmico, havendo conflito na doutrina.
Muitos doutrinadores questionam a validade e a eficácia do sistema
recursal. Analisemos abaixo alguns elementos que impõem descrédito ao recurso,
como instrumento de revisão criminal:
a) o primeiro elemento negativo seria o
descrédito com relação à prestação jurisdicional, constantemente colocada em
xeque por força de recurso sobre recurso, sendo que nenhuma decisão singular
seria respeitada em sua integralidade, assim, como referia em tom jocoso
Evandro Lins e Silva...
O advogado não busca propriamente a prestação
do juiz singular, mas qualquer decisão para poder recorrer – pede ao magistrado
que decida logo, para que possa interpor recurso, privilegiando assim as
instâncias superiores em detrimento daquele juízo que tomou contato direto com
o processo, as alegações das partes de forma íntima e se inteirou com
proximidade com os interesses das partes envolvidas;
b)
o segundo argumento é de natureza prática: o efeito procrastinatório da
interposição dos recursos e o grau de insegurança jurídica daí resultante, pois
que: uma vez correta à decisão recorrida, teria sido perda de tempo o próprio
recurso e, se julgada a decisão recorrida como imprópria, quem poderia afirmar
com segurança que agora esta nova decisão, seria a mais acertada? Portanto, os
recursos gerariam uma eterna desconfiança no Poder Judiciário, na prestação
jurisdicional, afetando sobremaneira as relações intersubjetivas. O
descredenciamento das decisões judiciais dá-se com esse impasse – ou o recurso
é inócuo, porque confirmada a decisão a
quo, ou uma delas estaria equivocada, surgindo dúvida sobre a
última, passível de novo recurso, formando um círculo interminável de
insegurança.
Em artigo intitulado “Justiça Sem Fim”
o
Juiz Federal e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Sérgio Fernando Moro, alerta que reportagem da Revista Britânica “Economist” colocou em cheque a Justiça brasileira ao afirmar que esta seria “estragada por cortes sobrecarregadas e recursos intermináveis” (sic). Afirma ainda o Dr. Sérgio môo que “A Justiça no Brasil está estruturada para possibilitar que criminosos poderosos retardem indefinidamente o resultado do processo e a aplicação da lei penal”.
Juiz Federal e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Sérgio Fernando Moro, alerta que reportagem da Revista Britânica “Economist” colocou em cheque a Justiça brasileira ao afirmar que esta seria “estragada por cortes sobrecarregadas e recursos intermináveis” (sic). Afirma ainda o Dr. Sérgio môo que “A Justiça no Brasil está estruturada para possibilitar que criminosos poderosos retardem indefinidamente o resultado do processo e a aplicação da lei penal”.
Certamente todos os que têm alguma
ligação com o judiciário – ou mesmo os cidadãos que apenas acompanham os
noticiários nacionais – tomaram conhecimento do caso Sandra Gomide, a
jornalista que em agosto de 2000 foi assassinada pelo ex-namorado e também
jornalista Pimenta Neves. O assassino confesso da jornalista foi julgado e
condenado em 2006 a 12 anos de prisão, mas não chegou a ser preso. Sua defesa
começou um périplo de recursos que culminaram no STF. Somente em maio de 2011,
passados mais de 10 anos do crime, o caso chegou ao fim e Pimenta Neves foi
preso. Fatos assim contribuem para o descrédito na Justiça brasileira,
sobretudo no exterior, põem em dúvida o sistema recursal do direito penal e contribuem
para a crença de que as pessoas com alto poder aquisitivo conseguem se
beneficiar, sobretudo, da lentidão da justiça.
Podemos depreciar deste fato que mesmo
o sistema recursal estando a disposição de todos os cidadãos, é possível falar
em um instrumento com dois pesos e duas medidas. É fato que o sistema recursal
no sistema penal brasileiro é instrumento facilitador de protelação de
cumprimento de sentença e fazem uso muito bem deste instituto àqueles que podem
contratar os melhores escritórios de advocacia. Muito dificilmente um cidadão
pobre, no sentido da lei, poderia arrastar por mais de 10 anos a efetivação do
cumprimento de uma pena por homicídio doloso, ainda mais sendo réu confesso.
4. CONCLUSÃO
Quando nos propusemos a tecer
considerações a respeito do sistema Recursal no Ordenamento Jurídico
Brasileiro, tínhamos a clareza de que não se impunha tarefa fácil. Ao
contrário. Trata-se de buscar o liame, a linha tênue que separa a importância
da coisa julga, com sua respectiva garantia de imutabilidade jurídica e a busca
pela proteção do valor social da justiça.
Não há consenso e todos aqueles que se
impõe a tarefa de perquirir possibilidades ou alternativas de solução tendem a
levantar mais questionamentos e dúvidas do que respostas precisas. Ao que
atacam o recrso e o apontam como elemento enfraquecedor do sistema judiciário,
as críticas procedem, em parte, diante do atual modelo recursal,
sobretudo por trazer uma conseqüência nefasta, o congestionamento dos tribunais
Superiores, muitas vezes obstruídos com milhares de recursos de que não tem a
menor competência ou razão.
Entretanto, não entendemos serem os recursos
os culpados e sim o sistema jurídico que não permite
uma maior flexibilização sobre direitos considerados indisponíveis. Mas o cerne
da questão não é a procrastinação ou mesmo as amplas possibilidades de embargo
às decisões de primeira e segunda instância, e sim o sistema
processual formalista que não permite ao magistrado aprofundar-se com zelo no
processo de conhecimento, geralmente, restando às superiores instâncias cuidar
de eventuais falhas ocorridas no curso daquele feito canhestro.
5.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Direito Penal e Processual Penal na Visão dos Tribnais; 1ª edição, Editora Saraiva –
2002
PELLEGRINI, Grinover, Ada; MAGALHÃES, Gomes Filho Antonio; SCARANCE
Fernandes, Antonio. Recursos no Processo Penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008.
RANGEL, Paulo. 1ª edição – 2ª tiragem revisada, ampliada e atualizada.
Editora Lmen Juris. 2005
Revista Conslex – Ano XIII – nº 289 – 31 de janeiro/2009
Revista Prática Jurídica – Ano VIII – nº 90 – Setembro/2009
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