CLÁUSULAS
ABUSIVAS NO EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
Filippe
dos Santos Ferreira[1]
RESUMO
Este artigo analisa as
cláusulas abusivas nos contratos bancários por adesão, sob o prisma do Direito
Civil, do Direito do Consumidor e dos Princípios Gerais de Contratação. Na
primeira parte, explica o que são clausulas abusivas examina os seus artigos a
luz do Código de Defesa do Consumidor explica a vulnerabilidade técnica, fática
e jurídica do consumidor que usufrui de serviços bancários, os quais são
formalizados mediante contratos por adesão, elaborados previamente pelos
estabelecimentos bancários. Na segunda, aborda os contratos de empréstimos com
foco ao contrato de empréstimo mútuo feneratício. E finalizando com a
explicação em si das cláusulas abusivas nos empréstimos bancários pela doutrina
e jurisprudência. A conclusão procura
fornecer subsídios para que os consumidores exijam a adaptação de tais
contratos aos patamares de equilíbrio e boa-fé previstos em nosso Direito.
Palavra- Chave: Cláusulas abusivas; empréstimos
bancários; contrato de adesão; Código de defesa do consumidor.
Introdução
Com a necessidade do cidadão em fazer um empréstimo
bancário, este se submete a cláusulas muita das vezes abusivas, sem o
conhecimento preciso do assunto assina o contrato, geralmente de adesão
(explicado logo a seguir) e depois com o adventos de problemas, pensa que tem
que horar com seus compromissos, muitas das vezes oneroso a sua parte, o
presente artigo vem mostrar como as clausulas abusivas em contratos de adesão
bancário prejudica a parte mais fraca da relação contratual.
Antes de entrar na esfera das clausulas abusivas
vejamos a definição de contrato de adesão sendo encontrada no caput do art. 54 do CDC, a
saber:
Art. 54: Contrato de adesão é aqueles cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.
Em outras palavras, os contratos de adesão são
aqueles em que apenas uma das partes, o estipulante, estabelece todas as
cláusulas do negócio a ser realizado, cabendo ao oblato (aderente) apenas
aceitá-las ou não, na íntegra, sem discussão acerca do conteúdo. Como pode se
notar, não há as negociações preliminares existentes antes da celebração de
qualquer contrato.
Os contratos de adesão são encontrados nos casos de
oferta permanente, seja por concessionários públicos ou por parte de lojas e
empresas comerciais ou prestadoras de serviços, quando envolve relações de
consumo. Assim, exemplos notórios de contratos deste tipo são os de seguro, de
consórcio, de transporte, de fornecimento de energia elétrica, dentre outros
(GONÇALVES, 2011).
Cláusulas
abusivas
O Código de Defesa do
Consumidor (CDC) foi a primeira lei a ir de encontro contra as questões de
cláusula abusiva, fruto da evolução de lides judiciais, doutrinas e
jurisprudências. A Lei do Consumidor veio estabelecer uma seção unicamente para
estas (Seção II do capítulo VI).
Este conceito é bem
retratado por Nelson Nery Jr. no qual considera a expressão cláusulas abusivas,
como o sinônimo de cláusulas opressivas, onerosas, ou ainda, cláusulas
excessivas, cláusula leonina, contrária à boa-fé, injusta, que encerra um abuso
de direito, violadora do equilíbrio que deve existir entre prestações e
contraprestações das partes. Define o CDC a cláusula abusiva, como sendo aquela
que notoriamente é desfavorável à parte mais fraca da relação contratual de
consumo, ou seja, o consumidor, por expressa definição legal (art. 4º, I, CDC). Pondera
ainda que a existência de cláusula abusiva torna inválida a relação contratual,
pela quebra do equilíbrio. Acrescenta que a tutela do CDC contra as cláusulas
abusivas se aplica a qualquer tipo de contrato de consumo. Diante disso, Nery
Jr. define:
“Cláusula abusiva é
aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação
contratual, que, no caso, é o consumidor, por expressa definição do art. 4º, I,
do CDC. A existência de cláusula abusiva no contrato de consumo torna inválida
a relação contratual pela quebra de equilíbrio entre as partes, pois
normalmente se verifica nos contratos de adesão, nos quais o estipulante se
outorga todas as vantagens em detrimento do aderente, de quem são retiradas as
vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados do contrato. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor.”
As cláusulas abusivas surgem no momento “contratual”, o problema está em
determinar o que seja abusividade, para definir abusividade têm sido usadas as
idéias de prejuízo substancial e inevitável, de razoabilidade e de
inescrupulosidade. Para a primeira corrente, seria abusiva a cláusula que
causasse ao consumidor prejuízo grave (substancial), do qual não pudesse se
liberar (inevitável). Para a segunda, abusiva seria a cláusula que dele
exigisse uma prestação além do razoável, de acordo com os critérios fornecidos
pelo senso comum. Por último, seria abusiva a cláusula reveladora de
inescrupulosidade por parte do fornecedor, com ofensa aos bons costumes.
O nosso Código não tentou definir a abusividade através de um enunciado
abrangente; em vez disso, elaborou uma lista um rol exemplificativo. O art. 51
do CDC é um limitador do exercício do direito subjetivo, pois nele constam os
casos em que existem abusividade no fornecimento de produtos e serviços e que
traduzem a não aplicação da cláusula geral de boa-fé.
art 51. São nulas de pleno direito,
entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção
de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;
III - transfiram responsabilidades a
terceiros;
IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da
prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para
concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de
concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou
indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar
o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a
ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe
seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a
violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
§ 1º Presume-se exagerada, entre
outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa
para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o
interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 2° A nulidade de uma cláusula
contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência,
apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das
partes.
§ 3° (Vetado).
§ 4° É facultado, a qualquer
consumidor ou entidade que o represente, requerer ao Ministério Público que
ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual
que contrarie o disposto neste Código, ou de qualquer forma não assegure o
justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Se na hora da formação do contrato haver cláusulas que estão prevista no
art. 51 CDC, que elenca em seus artigos casos dotado de abusividade estas
cláusulas serão nulas. No CDC as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito
porque contrariam a ordem pública de
proteção ao consumidor. Isso quer
dizer que as nulidades podem ser reconhecidas a qualquer tempo e grau de
jurisdição, podendo o juiz ou tribunal pronunciá-las ex officio, porque cláusulas de ordem pública são insuscetíveis
de preclusão. É uma espécie de tabuada, uma maneira que o legislador
consumerista imaginou para que por mais que o mercado de consumo fosse
modificado, tivéssemos sempre uma proteção concreta contra abusos. Em outras
palavras ainda que o fato abusivo não esteja nominalmente no rol do artigo 51,
caso ele se enquadre no desrespeito a qualquer direito do consumidor, será
igualmente considerado nulo de pleno direito.
Um ponto importante é que a nulidade de uma cláusula contratual não
contamina todo o contrato ao ponto de invalidá-lo. Entretanto, quando a
conservação do contrato sem a cláusula configura ônus excessivo a qualquer das
partes, o CDC permite dar-se outra solução ao problema e possibilita a
resolução do contrato.
Destrinchando os incisos do art. 51 do CDC, verificamos no inciso I que são
cláusulas abusivas as que impossibilitam, exoneram ou atenuam a
responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e
serviços (exemplo: danos derivados do cumprimento defeituoso da prestação).
De igual maneira, são abusivas as cláusulas que impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nenhuma das partes da relação de consumo, antes de
cumprir sua obrigação, pode exigir o implemento da obrigação do outro.
A cláusula que estipula renúncia do consumidor ao exercício da exceptio non adimpleti contractus ou da exceptio non rite adimpleti contractus é abusiva e nula.
Também é nula a cláusula que impede o consumidor de ajuizar ação de resolução
do contrato por inadimplemento, neste caso o devedor deve cumprir sua obrigação,
para que não incida em mora, independentemente do cumprimento da prestação da
contrapartida e só depois, ingressar com ação resolutória em juízo ou pleitear
a repetição do indébito.
Assim no inciso II o Código confere ao consumidor o direito de ser reembolsado
das quantias pagas, total ou parcialmente, nos casos por ele previstos. Por
isso, a cláusula que retira do consumidor o direito de reembolso é considerada
nula.
Também é cláusula abusiva aquela que transfere a responsabilidade a
terceiros. Isso se dá ao fato de que as partes devem suportar os ônus e
obrigações decorrentes do contrato de consumo, incluído entre elas o dever de
indenizar. O consumidor não tem nenhuma relação jurídica com terceiro e por
este motivo não é a este que deve recorrer, prevê o inciso III.
Já na redação do inciso IV as cláusulas contratuais que estabelecem
obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade também são
abusivas.
O princípio geral de boa-fé e da equidade, ou
seja, da função social do contrato será tratado com uma breve
explanação do assunto no qual, todos devem comportar-se de acordo com um padrão
ético de confiança e de lealdade. O princípio gera deveres secundários de
conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não
previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de
permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e
da execução da avença. Já a utilização da equidade é circunscrita aos casos
autorizados por lei. O juiz não julga por equidade, apenas diz o que está de
acordo com a equidade no contrato sob seu exame.
A inversão do ônus da prova que trata o inciso VI, em prejuízo ao
consumidor constante de uma cláusula também é abusiva e nula. O CDC não proíbe
a convenção sobre o ônus da prova, mas, sim, tacha de nula a convenção, se esta
trouxer prejuízo ao consumidor.
A cláusula que determina a utilização compulsória de arbitragem também é
considerada abusiva pelo inciso VII do art. 51 CDC. A escolha pelas partes de
um árbitro para solucionar as lides existentes entre elas não significa
renúncia ao direito de ação nem ofende o princípio constitucional do juiz
natural.
A arbitragem é o negócio jurídico por meio do qual as partes se obrigam
a instituir o juízo arbitral fora da jurisdição estatal e a se submeter à
decisão de árbitro(s) por elas nomeado(s), podendo ser judicial ou
extrajudicial.
Na jurisdição arbitral (espécie de justiça privada) importa a vontade
bilateral das partes de se submeterem à sentença do árbitro. O que se exclui
pelo compromisso arbitral é o acesso à via judicial, mas não à jurisdição. Não
se poderá ir à justiça estatal, mas a lide será resolvida pela justiça
arbitral. Em ambas existe a atividade jurisdicional. Portanto, não é válida a
cláusula que deixa a critério exclusivo e unilateral do fornecedor a escolha
entre jurisdição estatal e jurisdição arbitral.
As cláusulas que impõem representante para concluir ou realizar outro
ato ou negócio jurídico pelo consumidor também é proibida.
A razão para a adoção pela lei é fundada: a) na possibilidade de haver
conflito de interesses entre mandante e mandatário; b) no desvirtuamento do
contrato de mandato. A característica essencial da representação é que os
poderes conferidos ao representante o são no interesse exclusivo do mandante.
O que o art. 51, inciso VIII, do CDC veda é a imposição do procurador ao
consumidor, possibilitando que o mandatário aja, a seu alvedrio, no interesse
exclusivo do credor.
A cláusula de mandato encontra-se inserida no contrato de consumo, de
modo que tudo o que vier a ser feito em virtude dela será considerado outro
negócio jurídico, inciso IX. Assim, a lei não permite que a cláusula dê ao
fornecedor a opção exclusiva para, concluir ou não o contrato e que, obrigue o
consumidor a aceitar a opção do fornecedor.
Inciso X, trata que o fornecedor também não pode ficar com o privilégio
de alterar unilateralmente o preço no contrato de consumo. Qualquer alteração
contratual deverá ser discutida entre os participantes da relação jurídica de
consumo, em igualdade de condições. Por isso a cláusula que permite a variação
do preço (direta ou indireta) unilateralmente é abusiva.
Sequencialmente fica também proibida a possibilidade do fornecedor
cancelar unilateralmente o contrato de consumo. Acontrário sensu, o CDC permite
a inclusão de cláusula que permita o cancelamento do contrato por qualquer das
partes, uma vez que o dispositivo visa colocar o fornecedor e o consumidor em
posição contratual de igualdade e equilíbrio.
Cláusula que confere somente ao fornecedor o direito de se ressarcir dos
gastos com cobrança é considerada abusiva, e, portanto, nula de pleno direito,
de acordo com o inciso XII.
Dando continuidade as explicações dos incisos do art. 51, toda a
alteração contratual deve ser discutida entre fornecedor e consumidor, inciso
XIII. Não é lícita a cláusula que concede ao fornecedor o direito de alterar
unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, mediante estipulações
como modificação do preço, prazo de entrega do produto ou serviço, prazo ou
bases da garantia contratual, taxas de juros e outros encargos financeiros,
número de prestações, entre outros.
O direito ao meio ambiente é bem jurídico tutelado pelo art. 225 da CF/88,
sendo dever de toda a coletividade sua preservação. Toda cláusula que
possibilita a prática de ato que tenha potencialidade para ofender o meio
ambiente, é considerada abusiva pelo CDC. Não há necessidade da ofensa real ao
meio ambiente, bastando que a cláusula possibilite a ofensa ambiental, inciso
XIV.
De acordo com o inciso XV, também são consideradas abusivas todas as
cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. Por
isso, sempre que houver afronta contratual aos princípios consumeristas, há
abusividade.
Por fim o CDC proibiu expressamente a cláusula que estipula renúncia à
indenização por benfeitorias necessárias. No entanto, pode ser acordada a não
indenização das benfeitorias úteis e voluptuárias.
Contrato de empréstimo
Empréstimo é o contrato pelo qual
uma das partes entrega uma coisa à outra, para ser devolvida em espécie ou em
gênero. Duas são as espécies de
empréstimo: o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de coisa
não fungível, eminentemente gratuito, no qual o comodatário recebe a coisa
emprestada para uso, devendo devolver a mesma coisa, a termo do negócio, no
qual não nos interessa aprofundar para a explanação deste artigo.
Já o mútuo é o empréstimo de coisa
fungível, destinada ao consumo. De modo que o mutuário, ao receber a coisa,
torna-se seu proprietário, podendo destruir-lhe a substância, visto que não
precisa devolver o mesmo objeto, mas apenas coisa da mesma espécie, qualidade e
quantidade. Serão aprofundados os estudos neste assunto, como será visto a
seguir.
A circunstância de no mútuo o mutuário se
tornar proprietário da coisa emprestada, transfere-lhe os riscos por sua perda,
pois res perit domino, fato que não
ocorre no campo do comodato. Como nesse contrato o domínio da coisa emprestada
não se transfere ao comodatário, sua perda, por caso fortuito ou de força
maior, é sofrida pelo comodante, pois res
perit domino.
Conceito e Natureza Jurídica do
Mútuo:
O mútuo é espécie do gênero
empréstimo. O art. 1256 do CC o define:
“Art. 1256. O mútuo é o
empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o
que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade ou quantidade.”
De modo que esse contrato se distingue do
comodato, porque, enquanto aquele tem por objeto coisa não fungível, este
concerne às coisas fungíveis. Ora, como as coisas fungíveis são substituíveis
indiferentemente uma por outras, não é obrigação do mutuário devolver a mesma
coisa recebida, mas sim coisa da mesma espécie. Desse fato decorre que,
recebendo em empréstimo coisa fungível, o mutuário se torna seu proprietário,
passando os riscos, desde então, a correr por sua conta. Res perit domino.
Trata-se de um contrato real, unilateral, em
princípio gratuito e não solene. É contrato real, porque só se aperfeiçoa com a
entrega da coisa emprestada. A circunstância de o contrato apenas se
aperfeiçoar com a entrega da coisa explica o caráter unilateral do negócio.
O contrato de mútuo surge como ato para
socorrer um amigo. Daí presumir a lei seja gratuito. Permite ela, entretanto,
se convencione expressamente sua onerosidade. Na quase totalidade dos casos de
mútuo, fixam as partes um juro, que é a remuneração pelo uso do capital. Trata-se de contrato não solene, pois a lei
não determina se revista de forma obrigatória.
Um subitem do contrato de mútuo é
o mútuo feneratício ou oneroso no qual este artigo vai ser especifico em seu
tratamento, sendo permitido em nosso direito desde que, por cláusula expressa,
se fixem juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis, desde
que não ultrapassem a faixa de 12% ao ano. Os juros são os proveitos auferidos
do empréstimo de capital (vale ressaltar que este distingue dos juros de
natureza moratória que é o decorrente do atraso no cumprimento da obrigação). O
mútuo feneratício, destinados a fins econômicos, é tratado no art. 591. Ou
seja, o que antes era uma exceção, hoje com o capitalismo virou regra.
Outro ponto a ser ressaltado é que
o mútuo é contrato temporário, destinado a ter duração definida, havendo a
obrigação de restituir, com o advento do termo ad quem.
Em regra, o mútuo não é contrato
causal. Mas, em certos casos, pode ter causa específica como, por exemplo,
financiar determinado empreendimento. Caso tal finalidade não seja observada,
estar-se-á diante de infração contratual, caracterizada pelo desvio de
finalidade. O contrato em tela não exige forma espacial, não exigindo a forma
escrita. Embora não exigível, é aconselhável, principalmente para efeitos
probatórios.
Em relação às obrigações
assumidas, deve-se inicialmente estabelecer que a tradição da coisa não
constitui obrigação, integrando a própria constituição da avença. A
responsabilidade por vícios da coisa dada em empréstimo só ocorre, na
totalidade, quando se tratar de mútuo oneroso. Se o negócio for gratuito,
exige-se dolo por parte do mutuante, para que se enseje pedido de perdas e
danos.
Durante o transcorrer do prazo do
empréstimo, o mutuante deve abster-se de atos que prejudiquem a utilização dos
bens mutuados, só podendo exigir a restituição (em coisa do mesmo gênero,
espécie e quantidade) in oportuno tempore (os prazos do mútuos estão plasmados
no art. 592). Aliás, a restituição é a principal obrigação do mutuário
(obrigação de dar coisa incerta).
O mutuante pode exigir garantia de
restituição, caso o mutuário sofra notória mudança em sua situação econômica. A
regra, trazida pelo CC/2002 no art. 290, decorre do princípio rebus sic
stantibus.
O mútuo feito a pessoa menor
possui regramento próprio, nos arts. 588 e 589. Em regra, se o mútuo for feito
ao menor, sem assentimento expresso do responsável pela sua guarda, não pode
ser reavido nem do mutuário, nem dos fiadores. É a norma do art. 588. Todavia,
o art. 589 traz dispositivos que restringem o alcance do artigo antecedente,
evitando que os interesses do mutuante sejam prejudicados. Ou seja, o
ordenamento jurídico leva em consideração dois interesses legítimos: o do menor
e do mutuante (vale lembrar, segundo o lecionar de Francesco Carnelutti, citado
por Carreira Alvim, interesse é a posição favorável à satisfação de uma
necessidade, derivando etimologicamente de quod inter est, ou seja, aquele que
está entre, denotando sentido de posição em que se coloca o homem, entre uma
necessidade e um bem apto a satisfazê-la). Ainda sobre o dispositivo em tela,
Venosa afirma que sua origem remonta ao Direito Romano, em um estágio social em
que se pretendeu evitar a exploração de menores. Aliás, a proteção aos
interesses patrimoniais dos menores não é exclusividade do Direito Civil,
mostrando-se presente também no Código Penal, no art. 173, que trata do abuso
de incapazes.
O contrato de mútuo se extingue,
em regra, como seu cumprimento, consistente na restituição de coisa do mesmo
gênero, quantidade e qualidade da coisa dada em empréstimo. Pode haver as
ocorrências das hipóteses do art. 1264, resolução por inadimplemento das
obrigações contratuais, distrato, resilição unilateral por parte do devedor e a
efetivação de algum modo terminativo previsto no próprio contrato. Na falta de
previsão expressa no contrato, a extinção do contrato é regulada pelo art. 592.
O descumprimento do avençado
também pode ensejar a extinção do contrato. Oportuna a observação de Venosa, no
sentido de não se aplicar ao mútuo a regra que permite pedir restituição antes
do prazo, na hipótese de necessidade superveniente, imprevista e urgente. Tal
só é aplicável ao comodato.
Das clausulas abusivas nos contratos bancários
A expansão do consumo e do
capitalismo fez com que as instituições financeiras utilizassem de contratos de
adesão, sem que o mutuário tivesse possibilidade de questionar tais cláusulas
escritas. Com a finalidade de agilizar a prestação de serviço, tais
instituições retiraram a liberdade do consumidor de discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo, conquanto valendo-se da vulnerabilidade técnica,
fática e jurídica do consumidor, passaram a inserir em seus negócios jurídicos
cláusulas abusivas.
A contratação por adesão e a ampla
liberdade contratual conferida às instituições financeiras tornam o consumidor
a parte hipossuficiente na relação jurídica de consumo. De sorte que o
consumidor está exposto às práticas de cláusulas abusivas, inseridas nos
contratos de adesão bancários. A problemática não se encerra aqui. “Alguns
doutrinadores com o apoio da Confederação Brasileira dos Bancos defendem a
redução da aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, de crédito e
financiamento em geral, em face de uma interpretação restritiva do art. 3º do
mencionado diploma legal. Alguns renomados juristas, acolhendo tal tese,
argumental que o produto oferecido pelos bancos em suas operações (o dinheiro
ou o crédito) não poderia ser objeto de consumo, não penetrando, assim, no
âmbito tutelar do Código. O dinheiro, ou o crédito, destinam-se, pela própria
natureza, à circulação. Data vênia, parece mais coerente com o verdadeiro
espírito de nossa legislação a aplicabilidade do CDC às operações bancárias, de
crédito e financiamento. A jurisprudência não é uniforme, havendo decisões em
ambos os sentidos.”[2]
Assim, constatando-se nos
contratos, e principalmente nos financeiros, abusos frequentes na imposição de
obrigações e onde infelizmente, o consumidor se vê obrigado ao cumprimento da
condição, embora a total ausência de equilíbrio na dosagem entre a obrigação e
o direito.
Poucas são as pessoas que
questionam e discutem as cláusulas contratuais em tais contratações,
prevalecendo ainda, o suporte mais forte do contratante (fornecedor), inclusive
quando aponta a simples questão do foro, com permissão de acionar, em eventual
ação judicial, o contratante (consumidor) em diversas localidades e dependendo
de sua pura vontade e comodidade.
Ao consumidor não surge essa mesma
condição e, portanto, possível o reconhecimento de que tal cláusula resulta
abusiva, em prejuízo do aderente e portanto, sem validade, passando a
prevalecer, no tocante ao tema, a competência, a regra geral disposta no Código
de Processo Civil combinada com as regras básicas do CDC, permitindo-se a
inversão no sentido de que a lide seja instaurada perante o foro do consumidor.
Entende o STJ que é abusiva a
cláusula contratual que estabelece o desconto em folha de débito relativo a
empréstimo bancário, tendo em vista que o salário do devedor tem natureza
alimentar e, por isso mesmo, é impenhorável. Se o devedor cancelar a
autorização, os descontos deverão cessar imediatamente, sob pena de gerar
direito a indenização sobre o montante indevidamente descontado. Foi o que
decidiu, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao
analisar recurso do Banco Sudameris Brasil S/A, de Porto Alegre, contra o
servidor público estadual Delmar Brito.
Segundo o processo, o servidor
público ingressou com ação de revisão de contrato de empréstimo pessoal,
afirmando que tomou emprestado no Sudameris o valor de R$ 1.015,00, débito que
foi dividido em 36 parcelas de R$ 58,66, totalizando R$ 2.111,66, dos quais já
pagou quatro prestações. Alegando ser abusiva a taxa de juros de 3,80% ao mês,
bem como a capitalização anual dos juros, pedia também fosse considerada ilegal
a cláusula do contrato que o obrigou a assinar autorização para que as
prestações fossem descontadas em sua folha de pagamento.
Ao examinar o recurso do Banco
Sudameris Brasil S/A contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul que acolheu, em parte, o recurso do devedor, a Terceira Turma do STJ, com
base em voto do relator do processo, ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
rejeitou a inconformidade do mutuário contra a taxa de juros fixada no
contrato. Os ministros definiram que, nesse ponto, não é possível aplicar a pretendida
taxa de 12% ao ano, devendo prevalecer o percentual pactuado no contrato
assinado entre a instituição e o mutuário.
Para o ministro Carlos Alberto
Direito, não é possível considerar abusiva a taxa de juros pactuada só com o
argumento de que é incompatível com a relativa estabilidade econômica do país,
já que é preciso considerar todos os demais aspectos que compõem o sistema
financeiro e os diversos componentes que entram no custo final do dinheiro
emprestado, tais como o custo de captação, a taxa de risco, os custos
administrativos e tributários e, finalmente, o lucro do banco. Assim, a
limitação da taxa de juros em face de sua suposta abusividade somente teria
razão diante de uma demonstração cabal da excessividade do lucro da
intermediação financeira.
Mas, com relação ao desconto em
folha das prestações do contrato, é de considerar-se abusiva a exigência da
cláusula, de vez que os vencimentos do servidor têm natureza alimentar, não se
podendo permitir ao banco continuar a efetivar os descontos, quando cancelada a
autorização dada pelo devedor. Cancelada a autorização, o desconto deve cessar
automaticamente, tendo direito o devedor a receber, com juros e correção, os
valores indevidamente descontados de seus vencimentos.
Entende-se também o mesmo tribunal
que são abusivas as cláusulas nos contratos bancários no tocante ao
conhecimento de ofício das abusividades. Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) aprovou a súmula 381, que trata de contratos bancários. O projeto
foi apresentado pelo ministro Fernando Gonçalves e tem o seguinte texto: “Nos
contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade
das cláusulas”. Com ela, fica definido que um suposto abuso em contratos
bancários deve ser demonstrado cabalmente, não sendo possível que o julgador
reconheça a irregularidade por iniciativa própria.
A nova súmula teve referência os
artigos 543-C do Código de Processo Civil (CPC) e 51 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC). O primeiro trata dos processos repetitivos no STJ. Já o
artigo 51 do CDC define as cláusulas abusivas em contratos como aquelas que
liberam os fornecedores de responsabilidade em caso de defeito ou vício na
mercadoria ou serviço. Também é previsto que a cláusula é nula se houver
desrespeito a leis ou princípios básicos do Direito.
Entre as decisões do STJ usadas
para a redação da súmula, estão o Resp 541.135, relatado pelo ministro Cesar
Asfor Rocha, o Resp 1.061.530, relatado pela ministra Nancy Andrighi, e o Resp
1.042.903, do ministro Massami Uyeda. No julgado do ministro Cesar Rocha, ficou
destacado que as instituições financeiras não são limitadas pela Lei de Usura,
portanto a suposta abusividade ou desequilíbrio no contrato deve ser
demonstrada caso a caso.
No processo do ministro Massami,
determinou-se que a instância inferior teria feito um julgamento extra petita
(juiz concede algo que não foi pedido na ação), pois considerou, de ofício, que
algumas cláusulas do contrato contestado seriam abusivas. O ministro apontou
que os índices usados no contrato não contrariam a legislação vigente e as
determinações do Conselho Monetário Nacional. O ministro considerou que as
cláusulas não poderiam ter sido declaradas abusivas de ofício, e sim deveriam
ser analisadas no órgão julgador.
Logo, entende-se por estes dois
entendimentos do STJ não foi abonado integralmente a dívida do mutuário, os
índices usados no contrato não contrariam a legislação vigente e as
determinações do Conselho Monetário Nacional, devendo prevalecer o percentual
pactuado no contrato assinado entre a instituição e o mutuário.
Conclusão
O consumidor leigo no assunto desconhece o alcance
de seus direitos e com a ideia moral de honrar seus compromissos submete-se aos
abusos cometidos pelos bancos. Na verdade, as polêmicas banco-consumidor têm
fundas raízes no elemento cultural. Deste decorre a pouca habilidade da
sociedade brasileira para lidar com seus direitos na relação de consumo, razão
pela qual os bancos levam aos extremos suas práticas abusivas.
Não obstante os instrumentos de invalidação das
cláusulas abusivas presentes na relação banco-consumidor, o melhor controle a
ser efetuado será aquele realizado pelo próprio consumidor, conhecedor do
assunto para uma economia de mercado. Para se resolver tal complicação seria na
ausência de consumidores, sendo a maior pena a ser aplicada ao banco que se
utiliza de cláusulas abusivas. Outra solução seria, como na Alemanha,
adaptarem-se todos os contratos bancários por adesão aos patamares do
equilíbrio e da boa-fé instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor e Código
Civil. Essa solução é mais econômica, pois evita a preocupação em determinar se
o aderente é ou não consumidor e se baseia na realidade fática da superioridade
econômica e técnica que possuem os bancos em relação à maioria de seus
clientes.
Demonstramos que a boa fé e equidade contratual
tem por objetivo a proteção do ente bancário financeiro para evitar a nulidade,
pois como sendo considerada a parte mais forte e em condições de impor
cláusulas, ficaria limitado as disposições de transparências, isonomia e boa
fé. E a proteção do mutuário, no qual ao assinar um contrato de empréstimos não
estaria sendo prejudicado por sua falta do conhecimento no assunto, assim os
dois lados caminhariam para o mesmo lado justiça.
Referências Bibliográficas
BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Adesão e o controle de Cláusulas
Abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991.
NERY JÚNIOR, Nelson
et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor (comentado pelos autores do Anteprojeto). 6. ed. São Paulo: Forense,
1999.
PROCON (Brasil). Comissão de Estudos de Cláusulas Abusivas. Relatório Final
dos Trabalhos da Comissão de Estudos de Cláusulas Abusivas , São Paulo, 2000,
p. 115-127.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Vol. 3 ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
Sítio: www.jus.com.br/doutrina, acesso em 24/05/2012 às 23:00
Sítio: www.revistajuridica.com.br/art, acesso em 07/06/2012 às 10:00
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