Adelson Pereira de
Sousa
Jefferson Von Randow
Rattes Leitão
Michele Regina Viau
Levar a cabo a tarefa de delinear as
diferenças fundamentais entre regras e princípios no ordenamento jurídico brasileiro
não é algo simples. Não obstante tratar-se de tema controverso, haja vista que
a própria definição de princípio como norma jurídica não é pacífica.
Impossível se arriscar numa análise
sobre este tema sem recorrer às obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy,
representantes da tese da separação qualitativa entre regras e princípios.
Antes de iniciarmos nossa incursão
sobre o tema propriamente dito, faz-se necessário, até mesmo por uma questão de
didática, revermos a definição de norma, regras e princípios, então vejamos:
O
que é uma norma jurídica?
Duas características fundamentais
distinguem as normas jurídicas das demais regras sociais. A primeira delas é a
aplicação da força coercitiva do poder social. As normas penais, as leis sobre
impostos, salários, propriedade, família, etc., são obrigatórias não apenas no
foro da consciência, mas por uma imposição que pode ir até o emprego da força
para sua execução. A norma jurídica é dever, é imperativa, é vinculação. A
segunda característica se refere ao seu conteúdo ou matéria. Fundamentalmente,
o direito encontra seu conteúdo na noção de justo. É a justiça, ou a busca pela
justiça, que dá sentido à norma jurídica.
E
o que são regras jurídicas?
CANOTILHO diz que “as regras são normas que prescrevem imperativamente
uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida”. O
jurista EROS GRAUS identificou que as regras devem ser aplicadas por completo
ou não, não comportando exceções Isso é afirmado no seguinte sentido; se há
circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que
todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta.
Assim, uma regra vale ou não vale
para um caso concreto. Ou ela traz em seu bojo o liame que separa a ilusão da
realidade fática, a incerteza da convicção, ou ela não serve, devendo então
recorrer-se a outra norma. É simples: para a solução de um caso concreto
busca-se o mundo das regras. E, diante de duas regras aplicáveis ao fato
concreto, faz-se a análise da que melhor se aplica a lide, excluíndo-se a que
não tem utilidade. Uma regra tem validade, porque as outras deixam de ter.
E
o que são princípios?
Os Princípios são definidos por
SUNDFELD (1995, p.18) como as "idéias
centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional,
permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se".
Ensina BERTONCINI que o caráter
normativo dos Princípios passou por um lento processo de evolução na doutrina,
vislumbrando-se três fases: a jusnaturalista, a juspositivista e a pós-positivista.
Nas duas primeiras fases não se conferia aos princípios a natureza de norma de
Direito:
A primeira fase é a jus-naturalista.
Nesse momento ensina-se que os princípios funcionam como alicerce do Direito,
como fonte de inspiração, como máximas fundamentais, possuindo, em face do
sistema jurídico, importante dimensão "ético-valorativa". O segundo
estágio da juridicidade dos princípios é o positivista ou jus-positivista. Os
princípios passam a ser considerados "fonte normativa subsidiária",
"válvula de segurança", que "garante o reinado absoluto da
lei". Deriva da lei e tem por finalidade servir-lhe como fonte secundária
e subsidiária, "para estender sua eficácia de modo a impedir o vazio
normativo", colmatando lacunas. Nessa segunda etapa, embora já inserido no
ordenamento Jurídico, o princípio não é reconhecido como verdadeira norma
jurídica, não possuindo relevância jurídica”.
Somente na última fase
pós-positivista, inverte-se o quadro, reconhecendo-se o caráter normativo dos
princípios, como relata BERTONCINI (202, p.36):
“A normatividade dos princípios [...] foi afirmada
precursoramente em 1952 por Crisafulli. [...] Afirma Crisafulli a dupla
eficácia dos princípios - imediata e mediata (programática) -, asseverando
tratar-se de normas a certas condutas publicistas ou mesmo particulares.
Reconhece que essa espécie normativa tanto pode ser expressa no ordenamento
jurídico como pode ser implícita, desempenhando relevante papel na
interpretação do Direito. É fonte axiológica da qual derivam normas
particulares e, por um outro prisma, norma a que se pode chegar através de um
processo inverso, de generalização. Portanto, da regra particular até chegar-se
ao vetor principiológico. Crisafulli, sem dúvida desempenhou papel fundamental
na elaboração da doutrina da normatividade dos princípios.”
Regras
e princípios - "conflito" versus "colisão":
Já vimos que o Direito se expressa
por meio de normas. Também vimos que as normas se exprimem por meio de regras
ou princípios. Claro está que as regras disciplinam uma determinada
situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não
ocorre, não tem incidência. Para as regras vale à lógica do tudo ou nada
(Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso
concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito
entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei
especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc. Para ele,
diferentemente das regras jurídicas que possuem apenas a dimensão da validade,
os princípios possuem a dimensão do peso. Assim, quando há conflito ente
princípios jurídicos, recorre-se a dimensão do peso. Isto significa que é
necessário sopesar os princípios conflitantes e verificar qual melhor se aplica
ao caso concreto. Aquele que trouxer uma melhor solução para o caso, que mais
se aproxima do ideal de justiça perquirido deve ser contemplado. O outro
princípio não é descartado, excluído do sistema normativo jurídico. Ele é
apenas afastado, podendo a ele se recorrer em outro momento.
Também reconhecemos que Princípios são as diretrizes gerais de um
ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito
mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não
conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de
otimização" que são (Alexy), sempre podem ter incidência em casos
concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles).
Para AMARAL JÚNIOR (1993, p. 27) a
teoria geral do direito estabelece distinções entre regras e princípios nos
seguintes termos:
“Princípios
são pautas genéricas, não aplicáveis à maneira de “tudo ou nada”, que
estabelecem verdadeiros programas de ação para o legislador e para o
intérprete. Já as regras são prescrições específicas que estabelecem
pressupostos e conseqüências determinadas. A regra é formulada para ser
aplicada a uma situação especificada, o que significa em outras palavras, que
ela é elaborada para um determinado número de atos ou fatos. O princípio é mais
geral que a regra porque comporta uma série indeterminada de aplicações. Os
princípios permitem avaliações flexíveis, não necessariamente excludentes,
enquanto as regras embora admitindo exceções, quando contraditadas provocam a
exclusão do dispositivo colidente”.
A
título de conclusão
Sem a menor pretensão de darmos
respostas fechadas a questionamentos históricos, este ensaio consiste muito
mais na missão de reunir alguns pensamentos e indagações sobre o tema. Resta
claro que tanto Dworkin quanto Alexy comungam do mesmo posicionamento a cerca
da distinção entre regras e princípios. O que distingue, todavia, as posições
de um e de outro, é muito mais o ponto de partida do que mesmo suas elaborações
finais.
Dworkin parte de uma crítica
contundente ao positivismo jurídico, que ao entender o direito como sistema
fechado, composto exclusivamente de regras, acaba por tornar-se uma teoria
limitada, uma vez que não tem a capacidade de fundamentar decisões de casos
complexos, para os quais o juiz não vai encontrar uma regra que esgote a
questão. Assim, o juiz tem que recorrer, inevitavelmente, a sua
discricionariedade. Aí reside o calcanhar de Aquiles do positivismo. O Direito
formal não absorve todo o mundo concreto.
Alexy parte de uma premissa muito
próxima aos argumentos de Dworkin. Para aquele a distinção ente princípios e
regras está muito mais em uma questão qualitativa do que de grau. Não uma
superioridade hierárquica dos princípios sobre a s regras, mas sim, um viés
qualitativo na medida em que os princípios são normas que estabelecem que algo
deve ser realizado na maior medida possível. Os princípios devem ser otimizados
quando da decisão de um caso concreto e, assim, devem ser realizados na
maior medida possível. Quando houver colisão entre princípios, deve ser preterido
aquele que mais contribuir com sua essência para a realização da justiça.
Diferentemente da regra que sempre,
em quaisquer circunstancias pressupõem e exigem a eliminação de uma em
detrimento de outra. A validade de uma regra estabelece o fim das outras.
REFRÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL
JÚNIOR, Alberto do. A Boa-fé e o Controle das Cláusulas Contratuais Abusivas
nas Relações de Consumo. In: BENJAMIN, Antonio Herman de V. Revista de Direito
do Consumidor, Vol. 6., São Paulo: RT, 1993.
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Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
1990.
BERTONCINI,
Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro.
1. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
COELHO,
Yuri Carneiro. Sistema e Princípios Constitucionais Tributários. Jus Navigandi,
Teresina, Ano 4, Nº 36, nov 1999. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/1282/sistema-e-principios-constitucionais-tributarios>.
Acesso em: 31 jan 2012.
CUSTÓDIO,
Antonio Joaquim Ferreira. Constituição Federal Interpretada pelo STF. 2. ed.
São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.
GOMES,
Luiz Flávio. Normas, Regras e Princípios: Conceitos e Distinções. Jus
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<http://jus.com.br/revista/texto/7527/normas-regras-e-principios >.
Acesso em: 31 jan 2012.
MORAES,
Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MOTTA
FILHO, Sylvio Clemente da; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Direito
Constitucional: Teoria, Jurisprudência e 1000 Questões. 16 ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005.
SUNDFELD,
Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1995.
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