segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Das regras ao princípios: a busca pela justiça

Adelson Pereira de Sousa
Jefferson Von Randow Rattes Leitão
Michele Regina Viau

Levar a cabo a tarefa de delinear as diferenças fundamentais entre regras e princípios no ordenamento jurídico brasileiro não é algo simples. Não obstante tratar-se de tema controverso, haja vista que a própria definição de princípio como norma jurídica não é pacífica.
Impossível se arriscar numa análise sobre este tema sem recorrer às obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy, representantes da tese da separação qualitativa entre regras e princípios.
Antes de iniciarmos nossa incursão sobre o tema propriamente dito, faz-se necessário, até mesmo por uma questão de didática, revermos a definição de norma, regras e princípios, então vejamos:

O que é uma norma jurídica?

Duas características fundamentais distinguem as normas jurídicas das demais regras sociais. A primeira delas é a aplicação da força coercitiva do poder social. As normas penais, as leis sobre impostos, salários, propriedade, família, etc., são obrigatórias não apenas no foro da consciência, mas por uma imposição que pode ir até o emprego da força para sua execução. A norma jurídica é dever, é imperativa, é vinculação. A segunda característica se refere ao seu conteúdo ou matéria. Fundamentalmente, o direito encontra seu conteúdo na noção de justo. É a justiça, ou a busca pela justiça, que dá sentido à norma jurídica.

E o que são regras jurídicas?

CANOTILHO diz que “as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida”. O jurista EROS GRAUS identificou que as regras devem ser aplicadas por completo ou não, não comportando exceções Isso é afirmado no seguinte sentido; se há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta.
Assim, uma regra vale ou não vale para um caso concreto. Ou ela traz em seu bojo o liame que separa a ilusão da realidade fática, a incerteza da convicção, ou ela não serve, devendo então recorrer-se a outra norma. É simples: para a solução de um caso concreto busca-se o mundo das regras. E, diante de duas regras aplicáveis ao fato concreto, faz-se a análise da que melhor se aplica a lide, excluíndo-se a que não tem utilidade. Uma regra tem validade, porque as outras deixam de ter.

E o que são princípios?

Os Princípios são definidos por SUNDFELD (1995, p.18) como as "idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se".
Ensina BERTONCINI que o caráter normativo dos Princípios passou por um lento processo de evolução na doutrina, vislumbrando-se três fases: a jusnaturalista, a juspositivista e a pós-positivista. Nas duas primeiras fases não se conferia aos princípios a natureza de norma de Direito:
A primeira fase é a jus-naturalista. Nesse momento ensina-se que os princípios funcionam como alicerce do Direito, como fonte de inspiração, como máximas fundamentais, possuindo, em face do sistema jurídico, importante dimensão "ético-valorativa". O segundo estágio da juridicidade dos princípios é o positivista ou jus-positivista. Os princípios passam a ser considerados "fonte normativa subsidiária", "válvula de segurança", que "garante o reinado absoluto da lei". Deriva da lei e tem por finalidade servir-lhe como fonte secundária e subsidiária, "para estender sua eficácia de modo a impedir o vazio normativo", colmatando lacunas. Nessa segunda etapa, embora já inserido no ordenamento Jurídico, o princípio não é reconhecido como verdadeira norma jurídica, não possuindo relevância jurídica”.
Somente na última fase pós-positivista, inverte-se o quadro, reconhecendo-se o caráter normativo dos princípios, como relata BERTONCINI (202, p.36):
A normatividade dos princípios [...] foi afirmada precursoramente em 1952 por Crisafulli. [...] Afirma Crisafulli a dupla eficácia dos princípios - imediata e mediata (programática) -, asseverando tratar-se de normas a certas condutas publicistas ou mesmo particulares. Reconhece que essa espécie normativa tanto pode ser expressa no ordenamento jurídico como pode ser implícita, desempenhando relevante papel na interpretação do Direito. É fonte axiológica da qual derivam normas particulares e, por um outro prisma, norma a que se pode chegar através de um processo inverso, de generalização. Portanto, da regra particular até chegar-se ao vetor principiológico. Crisafulli, sem dúvida desempenhou papel fundamental na elaboração da doutrina da normatividade dos princípios.”

Regras e princípios - "conflito" versus "colisão":
 
Já vimos que o Direito se expressa por meio de normas. Também vimos que as normas se exprimem por meio de regras ou princípios. Claro está que as regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale à lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc. Para ele, diferentemente das regras jurídicas que possuem apenas a dimensão da validade, os princípios possuem a dimensão do peso. Assim, quando há conflito ente princípios jurídicos, recorre-se a dimensão do peso. Isto significa que é necessário sopesar os princípios conflitantes e verificar qual melhor se aplica ao caso concreto. Aquele que trouxer uma melhor solução para o caso, que mais se aproxima do ideal de justiça perquirido deve ser contemplado. O outro princípio não é descartado, excluído do sistema normativo jurídico. Ele é apenas afastado, podendo a ele se recorrer em outro momento.
Também reconhecemos que Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são (Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles).
Para AMARAL JÚNIOR (1993, p. 27) a teoria geral do direito estabelece distinções entre regras e princípios nos seguintes termos:
“Princípios são pautas genéricas, não aplicáveis à maneira de “tudo ou nada”, que estabelecem verdadeiros programas de ação para o legislador e para o intérprete. Já as regras são prescrições específicas que estabelecem pressupostos e conseqüências determinadas. A regra é formulada para ser aplicada a uma situação especificada, o que significa em outras palavras, que ela é elaborada para um determinado número de atos ou fatos. O princípio é mais geral que a regra porque comporta uma série indeterminada de aplicações. Os princípios permitem avaliações flexíveis, não necessariamente excludentes, enquanto as regras embora admitindo exceções, quando contraditadas provocam a exclusão do dispositivo colidente”.
 
A título de conclusão

Sem a menor pretensão de darmos respostas fechadas a questionamentos históricos, este ensaio consiste muito mais na missão de reunir alguns pensamentos e indagações sobre o tema. Resta claro que tanto Dworkin quanto Alexy comungam do mesmo posicionamento a cerca da distinção entre regras e princípios. O que distingue, todavia, as posições de um e de outro, é muito mais o ponto de partida do que mesmo suas elaborações finais.
Dworkin parte de uma crítica contundente ao positivismo jurídico, que ao entender o direito como sistema fechado, composto exclusivamente de regras, acaba por tornar-se uma teoria limitada, uma vez que não tem a capacidade de fundamentar decisões de casos complexos, para os quais o juiz não vai encontrar uma regra que esgote a questão. Assim, o juiz tem que recorrer, inevitavelmente, a sua discricionariedade. Aí reside o calcanhar de Aquiles do positivismo. O Direito formal não absorve todo o mundo concreto.
Alexy parte de uma premissa muito próxima aos argumentos de Dworkin. Para aquele a distinção ente princípios e regras está muito mais em uma questão qualitativa do que de grau. Não uma superioridade hierárquica dos princípios sobre a s regras, mas sim, um viés qualitativo na medida em que os princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível. Os princípios devem ser otimizados quando da decisão de um  caso concreto e, assim, devem ser realizados na maior medida possível. Quando houver colisão entre princípios, deve ser preterido aquele que mais contribuir com sua essência para a realização da justiça.
Diferentemente da regra que sempre, em quaisquer circunstancias pressupõem e exigem a eliminação de uma em detrimento de outra. A validade de uma regra estabelece o fim das outras.

REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A Boa-fé e o Controle das Cláusulas Contratuais Abusivas nas Relações de Consumo. In: BENJAMIN, Antonio Herman de V. Revista de Direito do Consumidor, Vol. 6., São Paulo: RT, 1993.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
COELHO, Yuri Carneiro. Sistema e Princípios Constitucionais Tributários. Jus Navigandi, Teresina, Ano 4, Nº 36, nov 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1282/sistema-e-principios-constitucionais-tributarios>. Acesso em: 31 jan 2012.
CUSTÓDIO, Antonio Joaquim Ferreira. Constituição Federal Interpretada pelo STF. 2. ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.
GOMES, Luiz Flávio. Normas, Regras e Princípios: Conceitos e Distinções. Jus Navigandi, Teresina, Ano 9, Nº 851, 1 nov 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7527/normas-regras-e-principios >. Acesso em: 31 jan 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Direito Constitucional: Teoria, Jurisprudência e 1000 Questões. 16 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

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