OS
PODERES CONSTITUINTES
Thainá S. G. C. Farias
Kercya M. M. Cavalcante
Jean Daniel Santos
André Nentwig Silva[1]
O presente estudo
procura demonstrar a evolução do Poder Constituinte, abordando pontos básicos,
além de descrever sobre suas subdivisões, e o período histórico com o qual
aparecem os primeiros alicerces de uma reforma judiciária.
Na Antiguidade surge a primeira intenção de
organização de uma Nação, que aflorou a ideia de serem fundamentais normas que
auxiliam a estrutura de um Estado. Na Idade Média, temos na França feudal, a
implantação de dinastias merovíngia, carolíngia, que possuíam o poder e ditavam
regras, sobre todos os cidadãos da antiga França. Nesta época, tem-se a
importante reforma judiciária, que fortaleceu o poder real, dando início ao
Absolutismo em toda a Europa. Contudo, não havia ainda uma ideia pré-formulada
em relação ao Poder Constituinte, pois esta está associada à Constituição
escrita. Portanto, ocorreram muitas manifestações colocando as leis
fundamentais da estrutura de um Estado em campo superior, este ao lado das leis
ordinárias. No entanto, somente na Idade Moderna, formularam-se normas
superiores produzidas por um poder destinado a construir a sociedade politica,
até porque as normas antes formuladas eram apenas costumeiras ou oriundas do
Direito Natural. Assim, com os objetivos de limitar o poder absoluto dos reis,
as revoltas elaboradas por classes inferiores tornaram possível que o Poder
Constituinte tivesse força, na tentativa de criar um verdadeiro Estado
organizado politico e juridicamente, logo superando o antigo regime
Absolutista.
Com a Revolução
Francesa, no final do séc. XVIII surge uma doutrina acerca do Poder
Constituinte, elaborada por Joseph Sieyes, obra conhecida como “A Constituinte
Burguesa”. Obra desenvolvida para
legitimar a Nação, mudando os alicerces do campo politico e juridico. Embora
outros pontos históricos como a Revolução Americana, o Constitucionalismo
Inglês, que também colaboraram com o nascimento do novo Poder. Porém foi na
França que essa fase se concretizou.
Poder
Constituinte Originário
Diz-se poder
constituinte originário aquele que inaugura uma nova ordem jurídica,
estabelecendo um novo Estado, uma nova constituição, rompendo, assim, com todo
ordenamento jurídico anterior.
É um
poder essencialmente político, não se prende a limites formais, tem objetivo
único de criar um novo Estado, uma nova ordem jurídica, como podemos observar
na lição de Luiz Alberto David Araújo “o Poder Constituinte Originário é um
poder político que impõe um poder jurídico: a Constituição”.
A
doutrina nos traz uma subdivisão do poder constituinte originário em: Histórico
e Revolucionário. Histórico é aquele que inaugura a primeira
constituição, instalando pela primeira vez, o Estado. Revolucionário, são todos
aqueles que sucedem o histórico, é aquele que rompe por completo com a ordem
jurídica anterior, instaurando uma nova ordem jurídica, um novo Estado, uma
nova Constituição.
O Poder Constituinte Originário se
expressa de duas formas: por Outorga ou por Assembleia Nacional Constituinte ou
Convenção.
Vejamos na lição de Alexandre de Moraes:
“A outorga é o
estabelecimento da constituição por declaração unilateral do agente
revolucionário, que autolimita seu poder. (Exemplos: Constituições de 1824, 1937
e Ato Institucional nº 1, de 9-4-1964.)”
“A assembleia nacional
constituinte, também denominada convenção, nasce da deliberação da
representação popular, devidamente convocada pelo agente revolucionário, para
estabelecer o texto organizatório e limitativo de Poder. (Exemplo:
Constituições de 1891, 1934, 1946, 1967 e 1988.)” (MORAES, 2009, p. 28).
Passemos então para a
apresentação das características do poder constituinte originário, a doutrina
majoritária apresente as seguintes: inicial, autônomo, ilimitado juridicamente
e permanente.
I – inicial:
o poder constituinte originário inaugura um novo sistema jurídico, um novo
Estado, tem o poder de revogar a ordem anterior e todas normas contrárias a
nova ordem fundamental;
II – autônomo:
possui autonomia para estruturar a nova constituição, pois não está vinculado
ao sistema jurídico anterior;
III – ilimitado
juridicamente: não se condiciona formalmente ao ordenamento jurídico
anterior, não existe limitação jurídica ao seu exercício, ou seja, é um poder
de fato;
IV – incondicionado:
não se submete a nenhum processo predeterminado para sua elaboração.
Sintetizando,
Alexandre de Moraes, em sua obra, citando Canotilho diz:
“o
poder constituinte, na teoria de Sieyès, seria um poder inicial, autônomo (sic)
e omnipresente (sic). É inicial porque não existe, antes dele, nem de facto
(sic) nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência
a vontade do soberano (instância jurídico-política dotada de autoridade
suprema). É um poder autônomo: a ele e só a ele compete decidir se, como e
quando, deve ‘dar-se’ uma constituição à Nação. É um poder omnipresente (sic),
incondicionado: o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de
forma ou de fundo”. (MORAES, 2009, p.28)
Contudo,
o prof. Pedro Lenza ainda nos traz outras características quais sejam:
Permanente:
o poder originário, conforme Lenza, “não se esgota com a edição da nova
Constituição”, ela sobrevive “como forma e expressão da liberdade humana, em
verdadeira ideia de subsistência”. O referido professor traz a baila lição de
Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
“essa característica decorre de
fórmula clássica prevista no art. 28 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, editada como preâmbulo da Constituição francesa de 1793 e
“... no sentido de que o homem, embora tenha tomado uma decisão, pode rever,
pode mudar posteriormente essa decisão...”.4 Isso não significa que o poder
constituinte originário permanente e “adormecido” sairá desse estado de
“hibernação” e de “latência” a todo e qualquer o momento, até porque
instauraria indesejada insegurança jurídica. Para tanto, deve haver o “momento
constituinte”, uma situação tal que justifique e requeira a quebra abrupta da ordem jurídica”. (LENZA,
2011, p. 470)
Formal:
explica Lenza, que: “é o ato de criação propriamente dito e que atribui a
“roupagem” com status constitucional a um complexo normativo”.
Material: é o lado
substancial, que qualifica o direito constitucional formal como status de norma
constitucional. Na lição do professor temos que: “O material diz o que é
constitucional; o formal materializa e sedimenta como constituição”. (LENZA,
2011, p. 471)
Nesta senda, anota Jorge Miranda:
“o poder constituinte
formal confere “... estabilidade e garantia de permanência e de
supremacia hierárquica ou sistemática ao princípio normativo inerente
à Constituição material”. Confere estabilidade, visto que a certeza
do Direito exige o estatuto da regra. Confere garantia, visto que só a
Constituição formal coloca o poder constituinte material (ou o resultado da sua
acção) ao abrigo das vicissitudes da legislação e da prática quotidiana do
Estado e das forças políticas”. (MIRANDA, 2007, p. 91-92)
No entanto, existem correntes
doutrinárias que afirmam que o poder constituinte originário não é totalmente
autônomo e independente, os jusnaturalista
defendem que o Poder Constituinte Originário deve respeito às normas de direito
natural.
Afirmam que o que existe é
uma ausência de vinculação jurídico-positivo, pois, o poder originário não tem
seu exercício ligado por normas jurídicas dos sistemas anteriores, no entanto,
não podemos afirmar que este poder possa ser arbitrário, absoluto sem qualquer
limitação, conforme Lenza, citando J. H. Meirelles Teixeira, diz: “Ao
contrário, tanto quanto a soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima
e primeira, está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem
Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão”. (LENZA, 2011, p. 472)
Essa tese defende está
limitação, tendo em vista dar legitimidade ao poder constituinte originário,
pois não se pode num sistema em evolução, deixar-se retroceder aos tempos
remotos, principalmente, por defesa aos direitos humanos, por princípios de
direito internacional, a qual a ordem jurídica internacional confere esses
direitos a todo ser humano, não os limitando a uma determinada parcela da
sociedade, trata-se aqui, do princípio da vedação ao retrocesso, ou efeito “cliquet”.
Temos
ainda a visão positivista que defende que tal poder está limitado pela norma
hipotética fundamental, que a nosso ver trata-se da legitimidade do direito
positivo, ou seja, são os valores e princípios que uma sociedade confere ao
poder para elaborar sua norma jurídica fundamental, trata-se de uma afirmação
um tanto quanto naturalista, tendo em vista que a norma hipotética fundamental
não está positivado em nenhum ordenamento jurídico.
Logo, se o poder
constituinte originário defende a vontade política da nação, ele não pode se
afastar dos valores éticos, religiosos, culturais que a impulsionam, se o poder
constituinte se afasta dessas prerrogativas não terá reconhecimento
jurídico-político, tendo vista que o povo, detentor deste poder não o
reconhecerá. Assim, para que se efetive esse poder é preciso ter a anuência do
povo, ou seja, deve haver a ratificação por parte deste. Pois, é este que
confere poderes de validade no âmbito nacional e internacional.
Poder Constituinte
Constituído (Derivado)
Conforme o que nos
ensina o autor Constitucionalista Paulo Bonavides, em seu critério de
distinção entre o poder constituinte originário do poder constituinte
constituído ou derivado:
“Costuma-se distinguir o poder constituinte originário do
poder constituinte constituído ou derivado. O primeiro faz a Constituição e não
se prende a limites formais: é essencialmente político ou, se quiserem,
extrajurídico. O segundo se insere na Constituição, é órgão constitucional,
conhece limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente
jurídico, que tem por objeto a reforma do texto constitucional. Deriva da
necessidade de conciliar o sistema representativo com as manifestações diretas
de uma vontade soberana, competente para alterar os fundamentos institucionais
da ordem estabelecida”
Esse Poder também é denominado de poder
instituído, constituído, secundário ou poder de 2º grau. É constituído, pois,
sempre se desenvolve junto à sociedade. Desta forma, temos a Constituição não
como um sistema fechado. Este age de forma solene, conforme regras estabelecidas
pela própria constituição.
Ao Poder Constituinte é instituído três
características, que são: derivação, condicionalidade e subordinação. A
primeira origina-se da Constituição, na qual se funda. Sua força, como deixa
claro Ferreira Filho afirmando que "não provêm de si próprio, mas do poder
constituinte originário, sendo por ele criado. Tendo em vista ser um poder
derivado, sofre restrições, estando condicionado e subordinado ao seu
criador".
Tendo como
prerrogativas a necessidade de manter atualizada do ponto de vista do acompanhamento
das evoluções históricas, sociais, políticas e econômicas, o poder derivado ou
constituído não nasce como um sistema fechado, sendo dividido em três esferas
descritas abaixo:
O
poder constituinte derivado decorrente: aplicável a constituições
Estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios.
Não altera a constituição, estabelece a lei maior, como citados nos Arts. 25 e
29 da CF/88, e vide a Súmula 681 do STF. Como abaixo o art. 25 CF/88:
“Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e
leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Observa-se que os
Estados são autônimos uma vez que possuem capacidade de auto-organização, autogoverno,
auto-administração, mas não são soberanos, pois devem obedecer a Constituição. Desta
forma, o poder constituinte decorrente também encontra limitações.
Foi
criado pelo poder constituinte originário. É o poder de que foram investidos os
estados-membros para elaborar a sua própria constituição (capacidade de
auto-organização).
O
exercício do poder constituinte decorrente foi conferido às Assembléias
legislativas. “Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes,
elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contando da promulgação
da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta” (art. 11 dos ADCT)
(Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), sendo que:
Parágrafo
único.
Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de
seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e
votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
O
poder constituinte derivado revisor: possui limitação temporal disposto
no art. 3º do ADCT :
Art. 3º. A
revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação
da Constituição,
pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
unicameral.
No entanto é a constituição que dita
como este poder atua, sendo este limitado material e formalmente.
O
poder constituinte derivado reformador: acontece de maneira que
deve seguir um rito, possui limites, sendo estabelecida com o intuito de
adequar a Constituição à realidade que a sociedade apontasse como necessária.
Na maior parte dos
países o Poder Constituinte tem sido exercido por grupos autocráticos, ou seja,
sem a participação do povo. Pois existem duas formas de exercício deste poder:
a) Assembleia Nacional Constituinte,
forma esta que teve origem nos Estados Unidos, no ano de 1787.
b) O Referendo – Que o direito que
assiste a qualquer cidadão que se representa através do voto, sobre questões de
alta relevância, aprovando-as ou revogando-as.
Poder
constituinte difuso
É um poder político
que se manifesta com o objetivo de não ocorrer à petrificação do texto
constitucional, logo é responsável pela interpretação e mutação constitucional
de acordo com a realidade e as necessidades sociais vividas no momento.
Atua de maneira
informal, diferentemente do poder constituinte derivado reformador. Para Pedro Lenza: “a manifestação do Poder
Constituinte Reformador verifica-se através das emendas constitucionais (arts.
59, I e 60 da CF/88)”.
Já o poder difuso é
exercido pelas cortes constitucionais no caso do Brasil o Supremo Tribunal
Federal é responsável por interpretar e alterar informalmente a Constituição.
Segundo Manoel
Gonçalves Ferreira Filho “No plano constitucional não é difícil determinar a
função do Supremo Tribunal Federal, pois ele é o supremo aplicador da lei e,
portanto o mais alto servidor da justiça. Cabe-lhe assegurar rigorosamente a
supremacia da Constituição, como fundamento da ordem jurídica”.
Há atualmente
inúmeros questionamentos a cerca do poder “ilimitado” conferido a esse órgão e
da possibilidade de ele ser um “poder moderador” que tem determinado o que é ou
não constituição.
E por fim, o poder
constituinte Supranacional, que é o poder de fato. É como uma “Constituição”
universal que submete moralmente as demais constituições nacionais, e é
caracterizada pelos tratados e acordos internacionais que pressionam os poderes
originários aos seus conceitos universais.
“Poder Constituinte Supranacional é o poder que cria uma
Constituição, na qual cada Estado cede uma parcela de sua soberania para que
uma Constituição comunitária seja criada. O titular deste Poder não é o povo,
mas o cidadão universal.” (Daniella Yoshikawa)
Considerações
Finais
Ao
longo do trabalho observou-se as abordagens histórica, politica e social de uma sociedade
como sede de mudanças, até o surgimento
do Poder Constituinte e suas subdivisões. Além disso, mostrou-se que para a
elaboração de uma Constituição suprema, de onde emana o Poder, é fundamental a
inteiração desta com a sociedade, correlacionando a realidade e estabelecendo
determinadas regras e princípios. Logo, o conteúdo dessa suprema norma evolui
conforme o desenvolvimento de um nação, desde os primórdios.
[1] Acadêmicos de Direito da Universidade Estadual de Roraima
Referências
Bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal, de
05.10.88. Atualizada com as Emendas Constitucionais Promulgadas
BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito
Constitucional, 13ª ed., Malheiros
Curso de Direito Constitucional /Celso
Ribeiro Batos. – 13ª. ed. Reform. de acordo com a constituição de 1988 – São
Paulo : Saraiva, 1990.
Curso de Direito Constitucional / Luiz Alberto David
Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior. – 7ª. ed. Ver. E atual. – São Paulo :
Saraiva, 2003.
Direito Constitucional / Alexandre de
Moraes – 24ª. ed. – 2. Reimp. – São Paulo: Atlas, 2009.
Curso de Direito Constitucional / Paulo Bonavides – 26ª.
ed. Atual. São Paulo : Malheiros, 2011.
Curso de Direito Constitucional/ Manoel Gonçalves Ferreira Filho - 30ª ed. 2003. São Paulo. Editora Saraiva
Nenhum comentário:
Postar um comentário