PODER CONSTITUINTE
Adelson
Pereira de Sousa*
Jefferson Von
Randow Rattes Leitão*
Michele
Regina Viau*
1.
ABORDAGEM HISTÓRICA E AS TEORIAS SOBRE O
PODER CONSTITUINTE
Remonta ao período anterior
a Revolução Francesa o conceito de constitucionalismo. Embora a primeira
Constituição formal, na acepção moderna do termo, tenha surgido nos Estados
Unidos em 1787, acompanhada da Constituição Francesa de 1789, foi na iminência da
Revolução Francesa, que Emmanuel Sieyès publicou o texto “Que é o Terceiro
Estado?”, onde ele desenvolve a distinção entre poder constituinte e poderes
constituídos. Entretanto a realidade do poder constituinte precedeu
historicamente essa sua elaboração técnica, já que é um correlato da existência
de qualquer Estado, e um fenômeno inerente a este.
Nas palavras de Sieyès[1]:
“A nação existe antes de tudo, ela é a
origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, ela é a própria lei”. Isso quer
dizer que esse “poder” superior do qual dimanam os demais é a própria nação.
Georges Burdeaus, por sua vez, deixou importante contribuição para
os que se arriscam a navegar nos estudos constitucionais. Segundo sua obra,
a denominação de “poder” a essa verdadeira potência é incongruente com a
definição que lhe é comumente oferecida. Para ele, se é poder, só poderia ser
selvagem, que extravasa os limites do jurídico. O poder pressupõe, nos
ensinamentos do renomado publicista, um quadro de competências, o
delineamento da extensão de seu exercício e sua ligação com uma norma anterior,
da qual vai retirar a validade de sua existência.
Ele ressalta que com o
que se denomina “poder constituinte originário” não ocorre isso. Decorre de tal
fato motivo suficiente para abandonar, do ponto de vista técnico, a referência
a “poder”. Preferível seria designá-lo simplesmente força ou energia
constituinte, que evidentemente só pode ser a originária e, mais do que isso,
aquela que se manifesta como ruptura plena, revolucionária ou que se relacione
à independência de um Estado.
Contudo, não se
pretende reduzir o Direito, em seu fundamento último, a mero jogo de forças,
paradoxo no qual acaba alcançando o positivismo kelseniano com sua norma hipotética
fundamental vazia de conteúdo axiológico, permitindo todo e qualquer conteúdo
constitucional.
Apenas se indica, com
aqueles indicadores, que não se trata do poder juridicamente posto, mas sim
algo que surge de um movimento social que é, ademais, reconhecidamente, a base
de todo o Direito.
De outro giro, dada a
tradição em se identificar essa ocorrência como “poder constituinte”,
utilizar-se-á dela, entendida a palavra “poder” no sentido que lhe atribui F.
Lassalle, ou seja, como algo que não é disciplinado juridicamente, mas que
existe, incontestavelmente, em toda sociedade.
Há distinção, que se afigura
essencial para este estudo, entre o que seria poder pleno, verdadeira força, e
aquele que se realiza dentro de uma estrutura estatal (social, política e
econômica) já existente que, em suas linhas gerais e essenciais, permanece, não
obstante a mudança em parcelas da Lei Magna. A distinção entre esses dois
poderes de mudança da Constituição é imperiosa: poder constituinte de um lado e
competência de reforma constitucional de outro.
No entender de Meirelles
Teixeira[2],
poder constituinte é:
“a
expressão mais alta do poder político, entendido este como vontade social
dirigida a fins políticos. Portanto, é vontade criadora, vontade social
consciente, plenamente livre em sua manifestação. Por outro lado, ensina Celso
Ribeiro Bastos que poder constituinte é fundamentalmente uma função, a de elaborar
as regras de uma Constituição, e, pois, também na reforma da Constituição
existiria uma manifestação do poder constituinte.
Como visto, ao termo “função” não
se pode deixar de aderir aos que defendem que igualmente na etapa de revisão ou
reforma de uma Constituição estaremos diante de uma manifestação real de poder
constituinte, ou seja, de um momento no qual age a energia constituinte. Como
função, incontestavelmente, poder constituinte é aquele que participa da
criação da lei básica de uma sociedade.
Nelson Saldanha direciona-se ao
elemento teleológico. Para ele não se pode conceber como poder constituinte
senão aquele referido à finalidade de elaborar uma Constituição (como unidade,
vale dizer, compreendida em sua totalidade). Por isso, o saudoso mestre considera
impróprias expressões como “poder constituinte derivado” ou “poder constituinte
instituído”. Sublinha a importância teleológica do tema, sobretudo porque o
poder constituinte se reconhece por seu resultado.
Além disso, a nota
característica do poder constituinte é sua constância, o que não ocorrerá com o
poder de reforma constitucional, já que se apoia sobre determinada regra
jurídica, ainda que constitucional. Na verdade, o que permite a essa energia
constituinte sua permanência eterna é o fato de tanto conceber-se como força
dinâmica quanto como estática, em forma de potência, mas pronta para agir em
todo o seu dinamismo quando assim impuserem as circunstâncias.
Por isso, há de se concordar
que, ao responder sobre a essência dessa energia constituinte, do que se
denomina geralmente “poder constituinte genuíno”, é necessário referir-se a sua
finalidade, a seu resultado, ao produto final de sua atividade, àquilo que
representa toda a sua capacidade: o surgimento de uma Constituição. Também sua
atemporalidade, seu continuísmo eterno é traço exclusivo, que não se encontrará
necessariamente nos demais poderes.
2.
TITULARIDADE E EXERCÍCIO DO PODER
CONSTITUINTE
O titular do Poder
Constituinte, segundo o abade Emnmanuel Sieyès, um dos precursores dessa doutrina,
é a nação, pois a titularidade do poder relaciona-se à idéia de soberania do
Estado, uma vez que mediante o exercício do poder constituinte originário se
estabelecerá sua organização fundamental pela Constituição, que é sempre
superior aos poderes constituídos, de maneira que toda manifestação dos poderes
constituídos somente alcança plena validade se se sujeitar à Carta Magna.
Modernamente, é predominante
que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, pois o Estado
decorre da soberania popular, cujo conceito é mais abrangente do que o de
nação. Assim, a vontade constituinte é a vontade do povo, expressa por meio de
seus representantes. Celso de Mello, corroborando essa perspectiva, ensina que
as Assembléias Constituintes "não titularizam o poder constituinte. São
apenas órgãos aos quais se atribui, por delegação popular, o exercício dessa
magna prerrogativa".
Salutar transcrevermos a
observação de Manoel Gonçalves
Ferreira filho, de que "o povo pode ser reconhecido como o titular do
Poder Constituinte, mas não é jamais quem o exerce. É ele um titular passivo,
ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada por uma
elite".
Assim, distingue-se a
titularidade e o exercício do Poder Constituinte, sendo o titular e o exercente
aquele que, em nome do povo, cria o Estado, editando a nova Constituição.
O titular do poder
constituinte é sempre o povo e não a nação. Em uma constituição outorgada (sem
participação popular) ainda sim é o povo o seu titular, porque se entende que
há o consentimento do povo para a elaboração da constituição. Agora, a partir
do momento que o povo não mais consentir haverá uma revolução.
A expressão “povo” possui
significados diversos: Na concepção jurídica é
aquele definido em uma norma. Não serve para definir o titular do poder
constituinte. Na concepção política
diz-se conjunto de pessoas que podem votar; não é utilizado pelo Brasil. Na
concepção de nacionalidade é o conjunto de
nacionais. Na concepção plural ou plurissignificativa é o conjunto de indivíduos e entes
dotados ou de personalidade jurídica que podem de alguma forma participar da
elaboração de uma nova constituição.
No que atine ao seu
exercício, o poder constituinte é dividido da seguinte forma: I – Outorgada onde não haverá
participação popular na elaboração da constituição. II – Promulgada, procedimento
democrático, com a participação popular. Podendo ocorrer de forma direta,
quando o povo diretamente, sem qualquer intermediário elabora a própria
constituição; ou indireta quando os representantes do povo irão elaborar a
constituição em seu nome, por meio de um órgão chamado Assembleia Nacional
Constituinte. Ex.: Constituição brasileira de 1988.
3.
CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE
Conforme os ensinamentos de
Sieyès, após a indicação dos representantes constituintes, “A comunidade não se
despoja em nada do direito de querer. É sua propriedade inalienável. Ela não
pode ir além de confiar seu exercício”. Encontra-se aqui o primeiro caráter do
poder constituinte, o qual não pode ser afastado: a inalienabilidade por parte
de seu titular. Daí que nele embutido está o caráter amplamente aceito de sua
titularidade popular.
É o que conclui Jorge Miranda, acentuando que:
É o que conclui Jorge Miranda, acentuando que:
“Decerto, enquanto faculdade
essencial de auto-organização do Estado, o poder constituinte perdura ao longo
de sua história e pode ser exercido a todo o tempo; e, na medida em que
prevaleça a soberania do povo como princípio jurídico-político, ao povo cabe
decidir sobre a subsistência ou não da Constituição positiva, a sua alteração
ou a sua substituição por outra”.
O problema surgirá quando, partindo-se da já solidificada
titularidade do povo, perscruta-se sua viabilização prática, colocando-se em
realce a legitimidade do produto (a Constituição), que só pode surgir de acordo
com a ideia de Direito que, conscientemente, prevalecer no seio da sociedade.
Retoma-se aqui a noção de que é no âmago social que surge
o Direito vigente, ao menos sob o aspecto de sua legitimidade. O poder
constituinte é o poder político absoluto ou soberano (quer dizer, sem limites
jurídicos) e concentrado (quer dizer, não repartido com outros sujeitos).
Meirelles Teixeira assevera como característica da
manifestação constituinte: a anterioridade, por ser originário; a ausência de
vinculação a qualquer regra jurídico-positiva; sua inalienabilidade, a permanência, corolário de sua
inalienabilidade, e, por fim, sua superioridade, já que estabelece todos os
demais poderes do Estado.
A seu modo, Genaro Carrió traça uma série de expressões ou
feições em geral dirigidas ao poder constituinte por quem o descreve.
Reproduz-se, doravante, o panorama jurídico esboçado por Carrió, que compreende
o poder constituinte como: 1) inicial, autônomo e incondicionado; 2) por natureza
insubordinado; 3) unitário, indivisível e absolutamente livre; 4) aquele que, sendo de forma vaga e imprecisa, forma todas as
formas; 5) a autoridade suprema, livre de toda formalidade, que se
funda sobre si mesma e em si mesma; 6) permanente e inalienável; 7) tendo sua força vital e sua energia inesgotáveis;
8) uma faculdade ilimitada e incontrolável.
Em compasso semelhante, Georges Burdeau aponta três caracteres essenciais: ser um
poder inicial, porque nenhum outro pode existir acima dele; ser autônomo,
porque somente a seu titular cabe decidir qual a ideia de Direito que se fará
presente, e, finalmente, ser incondicionado, por não se subordinar a qualquer
regra. Vale lembrar que o autor reconhece a qualidade de um ser jurídico a essa
força.
4.
A VINCULAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE
Problema conexo com o
reconhecimento da inicialidade (e supremacia) do poder constituinte encontra-se
aquele relacionado a sua posição após o surgimento da Constituição. Em outras
palavras, como ponderou J. de Maistre, como se pode dizer que a Constituição
está acima de todos se alguém a elaborou?
A resposta a essa
dificuldade, lembra Zagr ebelsky, encontra-se na “excepcionalidade e na
irrepetibilidade do poder constituinte: uma vez posta a constituição, ele é
destinado a desaparecer e a não mais ser invocado, deixando o lugar a poderes
apenas constituídos”.
Assim, distintos são os
titulares do poder constituinte e dos poderes constituídos. Aquele se exerce em
um único ato jurídico, constante da promulgação e publicação da nova
Constituição. Evita-se, pois, a continuidade do poder constituinte, que, por
ser ilimitado, é arbitrário e gera insegurança.
De outra parte, ao poder
constituinte é atribuída a função de elaborar o novo documento político máximo
de um país, mas não se lhe reconhecer o poder legislativo ordinário, para
elaborar leis comuns e regulamentos em geral.
Se de um ponto de vista
lógico (extrajurídico, no caso) se pode admitir que o poder constituinte seja
permanentemente exercitado e, nesse sentido, não submeter-se a nada, é condição
exigida pelo pensamento constitucionalista admitir que apenas em momentos
excepcionais isso ocorra. Não corresponde, pois, ao pensamento
constitucionalista o ideal defendido por J. J. Rousseau de uma soberania
popular ilimitada e atemporal, doutrina que se fez sentir especialmente na
época da convenção revolucionária jacobina, que se atribuiu todos os poderes.
Essa “ditadura” de uma assembleia popular soberana e permanentemente exercida
corresponderia ao conceito de democracia direta pura, mas não encontra eco no
constitucionalismo, porque não é capaz de realizar ou mesmo de reconhecer a
força jurídica de uma Constituição.
5.
NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE
Celso Antônio Bandeira de
Mello não reconhece o poder constituinte originário como fato jurídico, dadas
algumas de suas características, como a de ser incondicionado e ilimitado.
O poder constituinte alcança sua plenitude máxima de legitimidade quando consegue corresponder aos anseios coletivos da sociedade que o institui. É de se frisar que essa plenitude, em sua maioria, não é alcançada pelas ingerências engendradas pela classe dominante, que impõe preferências particulares em detrimento ao coletivo.
O poder constituinte alcança sua plenitude máxima de legitimidade quando consegue corresponder aos anseios coletivos da sociedade que o institui. É de se frisar que essa plenitude, em sua maioria, não é alcançada pelas ingerências engendradas pela classe dominante, que impõe preferências particulares em detrimento ao coletivo.
Já Georges Burdeau entende
completamente paradoxal recusar a qualidade de jurídico a um poder mediante o
qual se cria e se impõe o Direito. Quando se aborda o tema referente aos
atributos ou elementos caracterizadores do poder constituinte, inevitavelmente
surge a seguinte polêmica: na linha juspositivista kelseniana, simplesmente se
elide todo o problema ao considerar metajurídica a noção do constituinte em sua
fase de atuação. E é nesse diapasão que para Luis Recaséns Siches o poder
constituinte como tal não pode ser compreendido por meio de razões
jurídico-positivas, só históricas, políticas etc.
Nesse ponto, não parece que
assim seja. A ciência em geral, e não apenas a jurídica, sempre teve de
conviver com o “problema das origens”. A questão fica assim posta: a
Constituição é a origem de dado sistema jurídico, excepcionado o do common law. A Constituição é objeto de
estudo do Direito. Mas também a origem da Constituição, que é a origem última do
sistema jurídico, deve ser estudada pela ciência jurídica?
É em virtude dessa discussão
doutrinária que, na lição de Carl Schmitt, poder constituinte seria a própria
vontade política, e seria jurídico no sentido de que não há separação entre o
jurídico e o político, doutrina que se situa em extremo oposto ao decisionismo
de Kelsen.
Essa distinção, inclusive, nos ajude a compreender essa disparidades existente entre a vontade daquele que institui e a vontade manifesta no Texto Maior de um país, que não consegue conceber uma ideia voltada as reais necessidades.
Essa distinção, inclusive, nos ajude a compreender essa disparidades existente entre a vontade daquele que institui e a vontade manifesta no Texto Maior de um país, que não consegue conceber uma ideia voltada as reais necessidades.
Genaro Carrió bem observa
que esse costume de definir o “poder” constituinte como supremo, absoluto,
ilimitado, coincide com os conceitos que os manuais de religião oferecem para a
ideia de Deus. É preciso aderir ao pensamento de Carrió para aceitar que
evidentemente se trata de uma potência, mas que não pode ser levada às últimas consequências,
quanto mais no atual nível de internacionalização dos Estados.
Como se verá, quando esse
poder constituinte se manifesta, já vem imbuído da ideia de Direito que se imporá;
é sua fonte mais legítima. Jorge Miranda vai mesmo declarar que “Nada é mais
gerador de Direito do que uma revolução, nada há talvez de mais eminentemente
jurídico do que o ato revolucionário”. Quer ele dizer que a revolução não se
identifica com a violência, não sendo de forma alguma, por isso, antijurídica.
6.
OCORRÊNCIAS DE PODER CONSTITUINTE E SUAS
LIMITAÇÕES
A doutrina segue em linha parecida e é quase por inteiro concorde em afirmar alguma sorte de limitação a essa força
constituinte, que não se apresenta como função (ou potência) totalmente
descompromissada.
Com isso é que se alude
ao respeito à situação histórica da comunidade política, aos ideais de Justiça,
ao Direito Internacional, a um Direito Natural, a grupos de pressão (presentes em toda Assembleia
Constituinte ), a crenças ou a uma realidade social subjacente
limitadora (normalidade na teoria do jurista Hermann Heller), ou a princípios
superiores de convivência humana. Poder-se-ia, na realidade, recorrer ao
conceito de “Constituição material” de Zagrebelsky para deixar certo que a
Constituição escrita decorre da Constituição já existente em qualquer sociedade
organizada (Constituição material).
Adota-se, no particular,
como pressuposto à análise dos limites ao poder constituinte, a classificação
de Nelson Saldanha, ao distinguir um poder constituinte posterior, contraposto
ao originário (historicamente). O poder constituinte posterior não pode atuar,
atualmente falando, com inteira e absoluta independência de uma experiência
constitucional, a não ser numa suposta independência de um novo Estado, ou numa
revolução (no sentido empregado por Hauriou). É sob essa ótica que poderá ser
entendido como um poder constituído, porque limitado (e aqui o emprego do termo
“poder” estaria praticamente legitimado), e é Nelson Saldanha quem o afirma
como tal, diferenciando-se ainda assim dos demais poderes por seu caráter de
autoconstituído, que os outros não apresentam, e por ser constituidor em
sentido material. Voltaremos ao tema no tópico seguinte.
Fruto de uma evolução
jurídica, mas situada dentro de uma continuidade histórica, é a Constituição
brasileira de 1988. Tal fato é facilmente comprovável em alguns pontos nos
quais encontraremos alusão à Carta anterior. Mais do que isso, veja-se que, a
título de exemplo, adquirido determinado direito sob a égide da anterior
Constituição, mas dependente de termo futuro para ser usufruído, ainda que
rechaçado e afastado no atual texto, uma vez alcançado o prazo, o cidadão
poderá usufruir o direito.
Tudo isso seria impensável
numa Constituição que fosse a última fase de um processo de ruptura integral
com a ordem anterior. Nesse particular, os limites que esse poder constituinte
encontrará são, mais tecnicamente falando, implicações circunstanciais
impositivas. São as pressões e coações econômicas, sociais, de grupos
particulares, tradições, precondicionamentos ou predeterminações, preconceitos
e toda a sorte de fatores, que atuam direta ou indiretamente, de forma
consciente ou não, na elaboração do estatuto supremo de convivência humana
dentro de determinado território. Trataremos do assunto em tópico apartado, dada
sua relevância e tendo em vista que tem recebido, nestes últimos tempos,
especial atenção pela doutrina em geral.
É possível elencar alguns
pontos que separam o atual poder constituinte daquele que seria o “originário”
em sua acepção mais pura. E isso porque, se há uma ordem vigente, ela
condiciona o Poder Constituinte, ainda que originário. Nunca é demais lembrar,
sobretudo no caso brasileiro, que o Poder Constituinte não se confunde com o
Poder Estatal. A nova Constituição não ensejará um novo Estado. O Brasil já
existe, com esta ou com outras eventuais e futuras Constituições. Então, pelo
menos por isso, a Constituinte tem limitações. Não poderá ela, por exemplo,
incorporar o território brasileiro, ou parte dele, a outro Estado. Não lhe será
permitido abrir mão da soberania nacional”. Daí o acerto de Vanossi, que, como
se verá, destaca, dentro da teoria do poder constituinte, o movimento
revolucionário, dando-lhe realce especial.
Portanto, é imperioso
distinguir a força constituinte, ou poder constituinte propriamente originário,
característico de momentos de ruptura forçada e inevitável, como revoluções e
independência de Estados, que apenas respeita a si mesma, do poder constituinte
historicamente situado, que, nesse sentido, seria muito mais limitado em seu
atuar, por vezes instituído legalmente (e assim admitido) pela ordem jurídica
anterior. Veja-se o caso brasileiro, em que se utilizou de emenda à
Constituição para deflagrar o processo constituinte de 1987, convocando-se uma
Assembleia Constituinte, o que de certa forma convalida a utilização
tradicional do termo “poder” (como algo delimitado pelo Direito, afastando-se
da noção de Lassale) para qualificar esse momento constituinte, ao mesmo tempo
que não se pode deixar de reconhecer que se subverte a ideia de independência plena
que acompanha tradicionalmente a força constituinte ou poder constituinte genuíno.
Referências
bibiográficas:
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Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000.
BASTOS, Celso Ribeiro & TAVARES, André
Ramos. As Tendências do Direito Público no Limiar de um Novo Milênio. São
Paulo: Saraiva, 2000.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
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Lenguaje Normativo. Buenos Aires: Ed. Astrea.
HESSE, Konrad. Escritos de Derecho
Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.
LASSALE, Ferdinand. A Essência da
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Constitucionais).
SALDANHA, Nelson. O Poder Constituinte. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
SAMPAIO, Nelson de Sousa. O Poder de Reforma
Constitucional. Bahia: Livraria Progresso, 1954.
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. México :
Nacional, 1966.
SICHES, Luis Recaséns. Tratado General de
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SIEYÈS, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers
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de France, 1982.
VANOSSI, Jorge Reinaldo. Uma Visão Atualizada
do Poder Constituinte. Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, v.
4.
[1] Emmanuel
Sieyès, Qu’est-ce que le Tiers Etat? França: Quadrige; Presses Universitaires
de France, 1982. P. 67.
* Acadêmico (a) do Curso de Direito da
Universidade Estadual de Roraima – UERR.
[2] J. H.
meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991.
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