quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

PODER CONSTITUINTE


PODER CONSTITUINTE


Adelson Pereira de Sousa*
Jefferson Von Randow Rattes Leitão*
Michele Regina Viau*

1.            ABORDAGEM HISTÓRICA E AS TEORIAS SOBRE O PODER CONSTITUINTE

Remonta ao período anterior a Revolução Francesa o conceito de constitucionalismo. Embora a primeira Constituição formal, na acepção moderna do termo, tenha surgido nos Estados Unidos em 1787, acompanhada da Constituição Francesa de 1789, foi na iminência da Revolução Francesa, que Emmanuel Sieyès publicou o texto “Que é o Terceiro Estado?”, onde ele desenvolve a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos. Entretanto a realidade do poder constituinte precedeu historicamente essa sua elaboração técnica, já que é um correlato da existência de qualquer Estado, e um fenômeno inerente a este.

Nas palavras de Sieyès[1]: “A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, ela é a própria lei”. Isso quer dizer que esse “poder” superior do qual dimanam os demais é a própria nação.

 Georges Burdeaus, por sua vez, deixou importante contribuição para os que se arriscam a navegar nos estudos constitucionais. Segundo sua obra, a denominação de “poder” a essa verdadeira potência é incongruente com a definição que lhe é comumente oferecida. Para ele, se é poder, só poderia ser selvagem, que extravasa os limites do jurídico. O poder pressupõe, nos ensinamentos do renomado publicista, um quadro de competências, o delineamento da extensão de seu exercício e sua ligação com uma norma anterior, da qual vai retirar a validade de sua existência.

Ele ressalta que com o que se denomina “poder constituinte originário” não ocorre isso. Decorre de tal fato motivo suficiente para abandonar, do ponto de vista técnico, a referência a “poder”. Preferível seria designá-lo simplesmente força ou energia constituinte, que evidentemente só pode ser a originária e, mais do que isso, aquela que se manifesta como ruptura plena, revolucionária ou que se relacione à independência de um Estado.

Contudo, não se pretende reduzir o Direito, em seu fundamento último, a mero jogo de forças, paradoxo no qual acaba alcançando o positivismo kelseniano com sua norma hipotética fundamental vazia de conteúdo axiológico, permitindo todo e qualquer conteúdo constitucional.

Apenas se indica, com aqueles indicadores, que não se trata do poder juridicamente posto, mas sim algo que surge de um movimento social que é, ademais, reconhecidamente, a base de todo o Direito.

De outro giro, dada a tradição em se identificar essa ocorrência como “poder constituinte”, utilizar-se-á dela, entendida a palavra “poder” no sentido que lhe atribui F. Lassalle, ou seja, como algo que não é disciplinado juridicamente, mas que existe, incontestavelmente, em toda sociedade.

Há distinção, que se afigura essencial para este estudo, entre o que seria poder pleno, verdadeira força, e aquele que se realiza dentro de uma estrutura estatal (social, política e econômica) já existente que, em suas linhas gerais e essenciais, permanece, não obstante a mudança em parcelas da Lei Magna. A distinção entre esses dois poderes de mudança da Constituição é imperiosa: poder constituinte de um lado e competência de reforma constitucional de outro.

No entender de Meirelles Teixeira[2], poder constituinte é:

“a expressão mais alta do poder político, entendido este como vontade social dirigida a fins políticos. Portanto, é vontade criadora, vontade social consciente, plenamente livre em sua manifestação. Por outro lado, ensina Celso Ribeiro Bastos que poder constituinte é fundamentalmente uma função, a de elaborar as regras de uma Constituição, e, pois, também na reforma da Constituição existiria uma manifestação do poder constituinte.

Como visto, ao termo “função” não se pode deixar de aderir aos que defendem que igualmente na etapa de revisão ou reforma de uma Constituição estaremos diante de uma manifestação real de poder constituinte, ou seja, de um momento no qual age a energia constituinte. Como função, incontestavelmente, poder constituinte é aquele que participa da criação da lei básica de uma sociedade.

Nelson Saldanha direciona-se ao elemento teleológico. Para ele não se pode conceber como poder constituinte senão aquele referido à finalidade de elaborar uma Constituição (como unidade, vale dizer, compreendida em sua totalidade). Por isso, o saudoso mestre considera impróprias expressões como “poder constituinte derivado” ou “poder constituinte instituído”. Sublinha a importância teleológica do tema, sobretudo porque o poder constituinte se reconhece por seu resultado.

Além disso, a nota característica do poder constituinte é sua constância, o que não ocorrerá com o poder de reforma constitucional, já que se apoia sobre determinada regra jurídica, ainda que constitucional. Na verdade, o que permite a essa energia constituinte sua permanência eterna é o fato de tanto conceber-se como força dinâmica quanto como estática, em forma de potência, mas pronta para agir em todo o seu dinamismo quando assim impuserem as circunstâncias.

Por isso, há de se concordar que, ao responder sobre a essência dessa energia constituinte, do que se denomina geralmente “poder constituinte genuíno”, é necessário referir-se a sua finalidade, a seu resultado, ao produto final de sua atividade, àquilo que representa toda a sua capacidade: o surgimento de uma Constituição. Também sua atemporalidade, seu continuísmo eterno é traço exclusivo, que não se encontrará necessariamente nos demais poderes.

2.            TITULARIDADE E EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE

O titular do Poder Constituinte, segundo o abade Emnmanuel Sieyès, um dos precursores dessa doutrina, é a nação, pois a titularidade do poder relaciona-se à idéia de soberania do Estado, uma vez que mediante o exercício do poder constituinte originário se estabelecerá sua organização fundamental pela Constituição, que é sempre superior aos poderes constituídos, de maneira que toda manifestação dos poderes constituídos somente alcança plena validade se se sujeitar à Carta Magna.

Modernamente, é predominante que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, pois o Estado decorre da soberania popular, cujo conceito é mais abrangente do que o de nação. Assim, a vontade constituinte é a vontade do povo, expressa por meio de seus representantes. Celso de Mello, corroborando essa perspectiva, ensina que as Assembléias Constituintes "não titularizam o poder constituinte. São apenas órgãos aos quais se atribui, por delegação popular, o exercício dessa magna prerrogativa".

Salutar transcrevermos a observação de Manoel Gonçalves Ferreira filho, de que "o povo pode ser reconhecido como o titular do Poder Constituinte, mas não é jamais quem o exerce. É ele um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada por uma elite".

Assim, distingue-se a titularidade e o exercício do Poder Constituinte, sendo o titular e o exercente aquele que, em nome do povo, cria o Estado, editando a nova Constituição.

O titular do poder constituinte é sempre o povo e não a nação. Em uma constituição outorgada (sem participação popular) ainda sim é o povo o seu titular, porque se entende que há o consentimento do povo para a elaboração da constituição. Agora, a partir do momento que o povo não mais consentir haverá uma revolução.

A expressão “povo” possui significados diversos: Na concepção jurídica é aquele definido em uma norma. Não serve para definir o titular do poder constituinte. Na concepção política  diz-se conjunto de pessoas que podem votar; não é utilizado pelo Brasil. Na concepção de nacionalidade é o conjunto de nacionais. Na concepção plural ou plurissignificativa é o conjunto de indivíduos e entes dotados ou de personalidade jurídica que podem de alguma forma participar da elaboração de uma nova constituição.

No que atine ao seu exercício, o poder constituinte é dividido da seguinte forma: I – Outorgada onde não haverá participação popular na elaboração da constituição. II – Promulgada, procedimento democrático, com a participação popular. Podendo ocorrer de forma direta, quando o povo diretamente, sem qualquer intermediário elabora a própria constituição; ou indireta  quando os representantes do povo irão elaborar a constituição em seu nome, por meio de um órgão chamado Assembleia Nacional Constituinte. Ex.: Constituição brasileira de 1988.

3.            CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE

Conforme os ensinamentos de Sieyès, após a indicação dos representantes constituintes, “A comunidade não se despoja em nada do direito de querer. É sua propriedade inalienável. Ela não pode ir além de confiar seu exercício”. Encontra-se aqui o primeiro caráter do poder constituinte, o qual não pode ser afastado: a inalienabilidade por parte de seu titular. Daí que nele embutido está o caráter amplamente aceito de sua titularidade popular. 

É o que conclui Jorge Miranda, acentuando que:

Decerto, enquanto faculdade essencial de auto-organização do Estado, o poder constituinte perdura ao longo de sua história e pode ser exercido a todo o tempo; e, na medida em que prevaleça a soberania do povo como princípio jurídico-político, ao povo cabe decidir sobre a subsistência ou não da Constituição positiva, a sua alteração ou a sua substituição por outra”.

O problema surgirá quando, partindo-se da já solidificada titularidade do povo, perscruta-se sua viabilização prática, colocando-se em realce a legitimidade do produto (a Constituição), que só pode surgir de acordo com a ideia de Direito que, conscientemente, prevalecer no seio da sociedade.

Retoma-se aqui a noção de que é no âmago social que surge o Direito vigente, ao menos sob o aspecto de sua legitimidade. O poder constituinte é o poder político absoluto ou soberano (quer dizer, sem limites jurídicos) e concentrado (quer dizer, não repartido com outros sujeitos).

Meirelles Teixeira assevera como característica da manifestação constituinte: a anterioridade, por ser originário; a ausência de vinculação a qualquer regra jurídico-positiva; sua inalienabilidade, a permanência, corolário de sua inalienabilidade, e, por fim, sua superioridade, já que estabelece todos os demais poderes do Estado.

A seu modo, Genaro Carrió traça uma série de expressões ou feições em geral dirigidas ao poder constituinte por quem o descreve. Reproduz-se, doravante, o panorama jurídico esboçado por Carrió, que compreende o poder constituinte como: 1) inicial, autônomo e incondicionado; 2) por natureza insubordinado; 3) unitário, indivisível e absolutamente livre; 4) aquele que, sendo de forma vaga e imprecisa, forma todas as formas; 5) a autoridade suprema, livre de toda formalidade, que se funda sobre si mesma e em si mesma; 6) permanente e inalienável; 7) tendo sua força vital e sua energia inesgotáveis; 8) uma faculdade ilimitada e incontrolável.

Em compasso semelhante, Georges Burdeau aponta três caracteres essenciais: ser um poder inicial, porque nenhum outro pode existir acima dele; ser autônomo, porque somente a seu titular cabe decidir qual a ideia de Direito que se fará presente, e, finalmente, ser incondicionado, por não se subordinar a qualquer regra. Vale lembrar que o autor reconhece a qualidade de um ser jurídico a essa força.

4.            A VINCULAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE

Problema conexo com o reconhecimento da inicialidade (e supremacia) do poder constituinte encontra-se aquele relacionado a sua posição após o surgimento da Constituição. Em outras palavras, como ponderou J. de Maistre, como se pode dizer que a Constituição está acima de todos se alguém a elaborou?

A resposta a essa dificuldade, lembra Zagr ebelsky, encontra-se na “excepcionalidade e na irrepetibilidade do poder constituinte: uma vez posta a constituição, ele é destinado a desaparecer e a não mais ser invocado, deixando o lugar a poderes apenas constituídos”.

Assim, distintos são os titulares do poder constituinte e dos poderes constituídos. Aquele se exerce em um único ato jurídico, constante da promulgação e publicação da nova Constituição. Evita-se, pois, a continuidade do poder constituinte, que, por ser ilimitado, é arbitrário e gera insegurança.

De outra parte, ao poder constituinte é atribuída a função de elaborar o novo documento político máximo de um país, mas não se lhe reconhecer o poder legislativo ordinário, para elaborar leis comuns e regulamentos em geral.

Se de um ponto de vista lógico (extrajurídico, no caso) se pode admitir que o poder constituinte seja permanentemente exercitado e, nesse sentido, não submeter-se a nada, é condição exigida pelo pensamento constitucionalista admitir que apenas em momentos excepcionais isso ocorra. Não corresponde, pois, ao pensamento constitucionalista o ideal defendido por J. J. Rousseau de uma soberania popular ilimitada e atemporal, doutrina que se fez sentir especialmente na época da convenção revolucionária jacobina, que se atribuiu todos os poderes. Essa “ditadura” de uma assembleia popular soberana e permanentemente exercida corresponderia ao conceito de democracia direta pura, mas não encontra eco no constitucionalismo, porque não é capaz de realizar ou mesmo de reconhecer a força jurídica de uma Constituição.

5.            NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE

Celso Antônio Bandeira de Mello não reconhece o poder constituinte originário como fato jurídico, dadas algumas de suas características, como a de ser incondicionado e ilimitado.

O poder constituinte alcança sua plenitude máxima de legitimidade quando consegue corresponder aos anseios coletivos da sociedade que o institui. É de se frisar que essa plenitude, em sua maioria, não é alcançada pelas ingerências engendradas pela classe dominante, que impõe preferências particulares em detrimento ao coletivo.

Já Georges Burdeau entende completamente paradoxal recusar a qualidade de jurídico a um poder mediante o qual se cria e se impõe o Direito. Quando se aborda o tema referente aos atributos ou elementos caracterizadores do poder constituinte, inevitavelmente surge a seguinte polêmica: na linha juspositivista kelseniana, simplesmente se elide todo o problema ao considerar metajurídica a noção do constituinte em sua fase de atuação. E é nesse diapasão que para Luis Recaséns Siches o poder constituinte como tal não pode ser compreendido por meio de razões jurídico-positivas, só históricas, políticas etc.

Nesse ponto, não parece que assim seja. A ciência em geral, e não apenas a jurídica, sempre teve de conviver com o “problema das origens”. A questão fica assim posta: a Constituição é a origem de dado sistema jurídico, excepcionado o do common law. A Constituição é objeto de estudo do Direito. Mas também a origem da Constituição, que é a origem última do sistema jurídico, deve ser estudada pela ciência jurídica?

É em virtude dessa discussão doutrinária que, na lição de Carl Schmitt, poder constituinte seria a própria vontade política, e seria jurídico no sentido de que não há separação entre o jurídico e o político, doutrina que se situa em extremo oposto ao decisionismo de Kelsen.

Essa distinção, inclusive, nos ajude a compreender essa disparidades existente entre a vontade daquele que institui e a vontade manifesta no Texto Maior de um país, que não consegue conceber uma ideia voltada as reais necessidades.

Genaro Carrió bem observa que esse costume de definir o “poder” constituinte como supremo, absoluto, ilimitado, coincide com os conceitos que os manuais de religião oferecem para a ideia de Deus. É preciso aderir ao pensamento de Carrió para aceitar que evidentemente se trata de uma potência, mas que não pode ser levada às últimas consequências, quanto mais no atual nível de internacionalização dos Estados.

Como se verá, quando esse poder constituinte se manifesta, já vem imbuído da ideia de Direito que se imporá; é sua fonte mais legítima. Jorge Miranda vai mesmo declarar que “Nada é mais gerador de Direito do que uma revolução, nada há talvez de mais eminentemente jurídico do que o ato revolucionário”. Quer ele dizer que a revolução não se identifica com a violência, não sendo de forma alguma, por isso, antijurídica.

6.            OCORRÊNCIAS DE PODER CONSTITUINTE E SUAS LIMITAÇÕES

A doutrina segue em linha parecida e é quase por inteiro concorde em afirmar alguma sorte de limitação a essa força constituinte, que não se apresenta como função (ou potência) totalmente descompromissada.

Com isso é que se alude ao respeito à situação histórica da comunidade política, aos ideais de Justiça, ao Direito Internacional, a um Direito Natural, a grupos de pressão (presentes em toda Assembleia Constituinte), a crenças ou a uma realidade social subjacente limitadora (normalidade na teoria do jurista Hermann Heller), ou a princípios superiores de convivência humana. Poder-se-ia, na realidade, recorrer ao conceito de “Constituição material” de Zagrebelsky para deixar certo que a Constituição escrita decorre da Constituição já existente em qualquer sociedade organizada (Constituição material).

Adota-se, no particular, como pressuposto à análise dos limites ao poder constituinte, a classificação de Nelson Saldanha, ao distinguir um poder constituinte posterior, contraposto ao originário (historicamente). O poder constituinte posterior não pode atuar, atualmente falando, com inteira e absoluta independência de uma experiência constitucional, a não ser numa suposta independência de um novo Estado, ou numa revolução (no sentido empregado por Hauriou). É sob essa ótica que poderá ser entendido como um poder constituído, porque limitado (e aqui o emprego do termo “poder” estaria praticamente legitimado), e é Nelson Saldanha quem o afirma como tal, diferenciando-se ainda assim dos demais poderes por seu caráter de autoconstituído, que os outros não apresentam, e por ser constituidor em sentido material. Voltaremos ao tema no tópico seguinte.

Fruto de uma evolução jurídica, mas situada dentro de uma continuidade histórica, é a Constituição brasileira de 1988. Tal fato é facilmente comprovável em alguns pontos nos quais encontraremos alusão à Carta anterior. Mais do que isso, veja-se que, a título de exemplo, adquirido determinado direito sob a égide da anterior Constituição, mas dependente de termo futuro para ser usufruído, ainda que rechaçado e afastado no atual texto, uma vez alcançado o prazo, o cidadão poderá usufruir o direito.

Tudo isso seria impensável numa Constituição que fosse a última fase de um processo de ruptura integral com a ordem anterior. Nesse particular, os limites que esse poder constituinte encontrará são, mais tecnicamente falando, implicações circunstanciais impositivas. São as pressões e coações econômicas, sociais, de grupos particulares, tradições, precondicionamentos ou predeterminações, preconceitos e toda a sorte de fatores, que atuam direta ou indiretamente, de forma consciente ou não, na elaboração do estatuto supremo de convivência humana dentro de determinado território. Trataremos do assunto em tópico apartado, dada sua relevância e tendo em vista que tem recebido, nestes últimos tempos, especial atenção pela doutrina em geral.

É possível elencar alguns pontos que separam o atual poder constituinte daquele que seria o “originário” em sua acepção mais pura. E isso porque, se há uma ordem vigente, ela condiciona o Poder Constituinte, ainda que originário. Nunca é demais lembrar, sobretudo no caso brasileiro, que o Poder Constituinte não se confunde com o Poder Estatal. A nova Constituição não ensejará um novo Estado. O Brasil já existe, com esta ou com outras eventuais e futuras Constituições. Então, pelo menos por isso, a Constituinte tem limitações. Não poderá ela, por exemplo, incorporar o território brasileiro, ou parte dele, a outro Estado. Não lhe será permitido abrir mão da soberania nacional”. Daí o acerto de Vanossi, que, como se verá, destaca, dentro da teoria do poder constituinte, o movimento revolucionário, dando-lhe realce especial.

Portanto, é imperioso distinguir a força constituinte, ou poder constituinte propriamente originário, característico de momentos de ruptura forçada e inevitável, como revoluções e independência de Estados, que apenas respeita a si mesma, do poder constituinte historicamente situado, que, nesse sentido, seria muito mais limitado em seu atuar, por vezes instituído legalmente (e assim admitido) pela ordem jurídica anterior. Veja-se o caso brasileiro, em que se utilizou de emenda à Constituição para deflagrar o processo constituinte de 1987, convocando-se uma Assembleia Constituinte, o que de certa forma convalida a utilização tradicional do termo “poder” (como algo delimitado pelo Direito, afastando-se da noção de Lassale) para qualificar esse momento constituinte, ao mesmo tempo que não se pode deixar de reconhecer que se subverte a ideia de independência plena que acompanha tradicionalmente a força constituinte ou poder constituinte genuíno.

Referências bibiográficas:
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000.
BASTOS, Celso Ribeiro & TAVARES, André Ramos. As Tendências do Direito Público no Limiar de um Novo Milênio. São Paulo: Saraiva, 2000.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livr. Almedina, 1993.
CARRIÓ, Genaro. Sobre los Límites del Lenguaje Normativo. Buenos Aires: Ed. Astrea.
HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.
LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1995 (Coleção Estudos Políticos Constitucionais).
SALDANHA, Nelson. O Poder Constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
SAMPAIO, Nelson de Sousa. O Poder de Reforma Constitucional. Bahia: Livraria Progresso, 1954.
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. México: Nacional, 1966.
SICHES, Luis Recaséns. Tratado General de Filosofía del Derecho. México, 1959.
SIEYÈS, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers Etat?. Quadrige/Presses Universitaires
de France, 1982.
VANOSSI, Jorge Reinaldo. Uma Visão Atualizada do Poder Constituinte. Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 4.



[1] Emmanuel Sieyès, Qu’est-ce que le Tiers Etat? França: Quadrige; Presses Universitaires de France, 1982. P. 67.
* Acadêmico (a) do Curso de Direito da Universidade Estadual de Roraima – UERR.
[2] J. H. meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.

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