quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A COERÇÃO NO SISTEMA PENAL


[1]GLEICIANE FERRAZ DE SOUSA LEVINO

[2]NICOLY RAFAELLA SANTOS DA COSTA MUNIZ

RESUMO: O presente artigo visa apresentar a análise do comportamento e sua influencia no direito, no que concerne a elaboração de leis e medidas de controle da violência, no sistema jurídico penal brasileiro. O objetivo é explorar dois aspectos: primeiro o desconhecimento dos princípios comportamentais descritos pela ciência do comportamento e segundo a ineficácia de um sistema baseado apenas na coerção como forma de controle comportamental.


Palavras chaves: direito, comportamento, coerção. 


1 Introdução

Em nossa sociedade, a violência tem aumentado de maneira significava e as leis conseqüentemente ficam cada vez mais rígidas. Mas quais teorias se baseiam os fundamentos dessas leis? Quem são os seus mentores e seu conhecimento acerca do comportamento humano? Porque o sistema penitenciário não tem conseguido alcançar seu objetivo? São essas indagações que procuraremos analisar.

O que parece, com base nas incoerências apresentadas nas leis que tentam combater a violência, é que formadas com base em opiniões, costumes e observações, sem levar em conta o conhecimento produzido pela ciência. Essa falta de conhecimento e aplicação torna as medidas tomadas pouco eficazes em sua proposta.

 O Direito possui por objetivo a criação de normas que visam instruir os indivíduos de uma dada sociedade a reger suas práticas cotidianas levando em consideração o que é aceitável por esta sociedade, de acordo com o bem geral de toda a comunidade. Ao violar normas jurídicas, o sujeito sofrerá pelo Estado, que possui o jus puniendi, uma sanção, que pode acontecer de várias formas.

Logo, o Direito lida diretamente com o comportamento humano, avaliando-o e julgando-o. Nesse sentido, nosso objetivo é apresentar a análise do comportamento que dever ser aproveitado dentro da área do Direito.


2 O Estudo do Comportamento

O americano John B. Watson foi quem iniciou os estudos sobre a análise do comportamento, que ficou conhecida de Behaviorismo, pois behavior significa comportamento. O comportamento é entendido como interação entre indivíduo e ambiente.

B. F. Skinner (1904-1990) foi um dos mais importantes behavioristas que estudou a Ciência do comportamento, sua linha de pensamento ficou conhecida como Behaviorismo Radical e a base de sua corrente está na formulação do comportamento operante, que explicaremos mais adiante (BOCK, 2008). 

O comportamento, como qualquer objeto de estudo científico, é ordenado, pode ser explicado, pode ser previsto desde que se tenham os dados necessários, e pode ser controlado. Chama-se a isso determinismo, a noção de que o comportamento é determinado pela hereditariedade e pelo ambiente.  

Skinner (1990) propõe então, que o comportamento seja estudado através do modelo causal de seleção por conseqüências. Segundo esse modelo, o comportamento humano seria resultado de três processos de variação e seleção:

1. A seleção natural responsável pela evolução e pelas características físicas da espécie, e por comportamentos comuns a todos os seus membros;

2. O condicionamento operante: variações no comportamento do indivíduo são selecionadas por aspectos do ambiente que não são estáveis o suficiente para terem um papel na evolução;

3. A cultura: os indivíduos aprendem a se comportar através dos comportamentos já adquiridos por outros membros da espécie.

A análise do comportamento representa uma instância do comportamento. Ele deve ser entendido como a inter-relação entre o organismo e o ambiente.  Sendo que, o ambiente não é somente o que é externo ao organismo, e sim o que se relaciona ao comportamento. Nesse sentido, alterações neuroquímicas e fisiológicas, normas sociais, grupos, são todos ambientes para o comportamento. 

Quanto à classificação, os comportamentos podem ser classificados em dois grandes grupos:

1. Comportamentos Respondentes: é o que chamamos de “não voluntário” e inclui as respostas que são produzidas por estímulos antecedentes do ambiente, ou seja, nos comportamentos respondentes um evento ambiental antecedente produz uma resposta todas as vezes em que é apresentado. Respostas emocionais geradas pela punição como choro, medo, ansiedade e raiva podem ser condicionadas e aparecerem em outras situações não punitivas.  

2. Comportamentos Operantes: nos comportamentos operantes um evento ambiental antecedente sinaliza a probabilidade de que o organismo, ao apresentar uma determinada resposta, produza uma determinada conseqüência. Por exemplo, uma criança ao parar de mexer no rádio porque recebeu um tapa do pai, aumenta a probabilidade do pai de usar o tapa em outras situações em que ele queira cessar um comportamento da criança (Skinner, 1999). 

Esse comportamento operante pode ser representado da seguinte maneira:

R (resposta)           S (estímulo)

Os comportamentos operantes, são os comportamentos que abrangem a maior parte das atividades do comportamento humano, por isso caracteriza a maioria de nossas interações com o ambiente. Portanto a principal unidade de análise utilizada pela análise do comportamento é o comportamento R-S.
                                                                                                               
A resposta é o movimento ou a mudança observada em um organismo individual, enquanto os estímulos são todos os eventos ambientais que não as respostas a serem analisadas, e que afetam a probabilidade de emissão de respostas similares no futuro. Importante salientar que a resposta não é o comportamento é apenas uma instância deste.

Fazendo uma distinção entre os eventos antecedentes e eventos conseqüentes, vemos que a conseqüência de uma resposta é um evento produzido por esta resposta e que pode aumentar ou diminuir a freqüência de respostas similares àquela que a produziu. Eventos conseqüentes que aumentam a freqüência das respostas que os produziram são chamados de reforçadores e eventos que diminuem a freqüência das respostas que os produziram são chamados de punidores.

Reforçadores e punidores também alteram a probabilidade de ocorrência de respostas similares futuras na presença dos antecedentes similares àqueles presentes quando uma resposta foi conseqüenciada. Ou seja, os estímulos antecedentes sinalizam que se determinada resposta for emitida ocorrerá o evento conseqüente. Os estímulos antecedentes, por sua vez, podem ter ao menos uma de duas funções:

1. aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrência de certas respostas, devido a uma história de pareamento com a produção de conseqüências por respostas similares nessas situações;

2. estabelecer a efetividade das conseqüências (Skinner, 2002). Ex. Uma criança num supermercado deseja um chocolate, mas a mãe diz que não vai dá. A criança começa a fazer birra e a mãe acaba dando o chocolate. A mãe reforça o comportamento de birra do filho, aumentando a probabilidade de que em situações similares (outros supermercados, lanchonetes, lojas, etc) a criança emita comportamento de birra quando não atendida em um pedido. Perceba que o comportamento da mãe de dar o item frente a birra da criança também é reforçado pela retirada do estímulo aversivo (a birra).

Reforçadores e punidores são também subdivididos em positivos e negativos. Um reforçador positivo significa que ao apresentar um estímulo a taxa do comportamento aumentou, e o reforçador negativo significa que ao retirar um estímulo a taxa do comportamento aumentou.

Punição positiva é a queda na taxa do comportamento com a apresentação de um estímulo, e punição negativa é a queda da taxa do comportamento com a retirada de um estímulo. Perceba que positivo e negativo não significam um juízo de valor, mas somente dizem respeito, respectivamente, a apresentação e retirada de um estímulo.

No exemplo acima da birra da criança, dizemos que a birra foi reforçada positivamente (a criança recebe o chocolate, ou seja, um estímulo é apresentado), e o comportamento da mãe de dar o chocolate foi reforçado negativamente (ao dar o chocolate a criança para de fazer birra, ou seja, um estímulo é retirado).
3 O efeito da coerção

O controle social sobre que a sociedade utiliza para controlar o comportamento é a coerção, que é o uso da punição e do reforçamento negativo para conseguir que os outros ajam como gostaríamos e a prática de recompensar pessoas deixando-as escapar de nossas punições e ameaças (Sidman, 1995). Implantamos a educação através do medo seja nas relações interpessoais, nas instituições educacionais, governamentais, legais ou religiosas. Até a motivação para os estudos está no medo de sermos reprovados pela escola, humilhados por professores ou agredidos pelos pais, obedecemos às leis para não irmos para a cadeia ou sermos multados.

Essa realidade tem que ser transformada, estudos da Análise do Comportamento vem demonstrando que a longo prazo, a coerção gera violência, depressão, ansiedade dentre outros.

É difícil não fazer uso da coerção, pois ela cessa de imediato o comportamento do outro, e isso acaba fazendo com que esse mecanismo de controle pareça eficaz. Entretanto, os efeitos negativos a longo prazo da coerção não são percebidos como produtos de seu uso. Ou seja, quem geralmente utiliza essa forma de controle é imediatamente recompensado, e somente os resultados retardados são censuráveis.

Skinner (1971) e Sidman (1995) apontam que quanto maior o grau de aversividade no ambiente, maior é a probabilidade de emissão de comportamentos agressivos. Algumas evidências obtidas em estudos experimentais com animais embasam tal hipótese.

Nesse sentido, uma pessoa condenada pelo sistema judicial à cadeia, e submetida há anos a um sistema penitenciário violento, bruto, coercitivo, tende a desenvolver comportamentos criminosos mais elaborados, além de aumentar os comportamentos violentos.


4 A função da pena

A coerção se reflete nas nossas leis e legislação no Código Penal, verificamos que a pena possui o caráter retribuitivo e preventivo, bastando a pena em si mesma. Para Kant, como assinala Santoro Filho (2000), a pena não pode ser afastada em hipótese alguma, por ser uma retribuição ao mal praticado, pois caso não seja aplicada, a sociedade seria repleta do delito.

O que queremos chamar a atenção é que a função retribuitiva preocupa-se em punir o ato criminoso de forma que não passe em branco o delito cometido.  O problema é que a preocupação em apenas ter que punir o sujeito, desvia nossa percepção de aspectos mais relevantes como elaborar penas que evite a reincidência do ato. Um sistema que consiste em apenas punir o sujeito, sem promover o aprendizado de novos comportamentos, achando que isso é suficiente para a não reincidência está condenado ao fracasso. O uso exclusivo da coerção como forma de controle não é suficiente para eliminar comportamentos indesejados.

O caráter preventivo especial é obtido pela coação psicológica, consistente na cominação da pena para a conduta desvalorada socialmente e na sua aplicação e execução para aquele que incorre na ação criminosa. A pena passa a possuir como maior função incutir nos membros da sociedade o medo do castigo, a partir não somente da previsão legal da sanção para os tipos de crimes, como também pelo exemplo conferido com a aplicação e execução desta sanção aos que praticam tais condutas.

A prevenção geral também é passível de severas críticas, pois para alcançar o fim desejado intimida-se certos comportamentos dos indivíduos, pode-se criar um Estado do Terror, autoritário, que se utiliza da norma penal como ameaça, incutindo medo aos membros da sociedade. Além disso, como também já vimos, esse tipo de medida desenvolve comportamentos de subterfúgio.

O artigo 10 da Lei de Execuções Penais incide no momento da execução, tem por fim evitar que o criminoso pratique novos crimes, seja recuperando-o e readaptando-o à vida social ajustada, de acordo com as normas jurídicas. Novamente caímos no problema de usar o medo como forma de controle. Por mais que mude as medidas, ou os nomes dados às práticas, a coerção, o medo e a agressão são uma constante na busca do controle do comportamento criminoso. Há uma evidente dificuldade de se pensar formas de controle do comportamento que não sejam pelo medo. Outro aspecto relevante da prevenção especial é sobre o segregamento.

No Brasil não é fácil ressocializar, pois nosso sistema prisional, além de oferecer aos presos um tratamento cruel e desumano, sem nenhum planejamento ou condição de ressocialização, possui suas diretrizes completamente baseadas em medidas coercitivas que não produzem os resultados a que se destinam.
   

5 Considerações finais

Devemos focar nossas avaliações nas relações do sujeito com seu meio cultural, econômico e social. Skinner (1971) defende tal posição quando diz que aumentando o sentido das responsabilidades pessoais não resolveremos problemas como o crime. O ambiente é o responsável pelo comportamento, e é ele que deve sofrer alterações, não qualquer atributo do indivíduo. 

Medidas adequadas na resolução da criminalidade e na ressocialização, dependem desde mudanças socioeconômicas tomadas pelo Estado até à reestruturação de todo nosso conhecimento sobre o comportamento humano. Skinner (1971) chama a atenção que a física e a biologia, por exemplo, possuem um grau considerável de desenvolvimento do conhecimento que não se observa na área da ciência do comportamento humano.

Profissionais que lidam diretamente com o comportamento humano, e principalmente, aqueles que o julgam e escrevem diretrizes de como as pessoas devem se comportar, não podem descartar todo um arcabouço teórico e científico produzido por uma área de conhecimento.

Ao que tudo indica, nossa legislação e diretrizes penais no Direito, foram construídas e são mantidas com base na tradição, status, poder ou autoridade das agências controladoras, independentemente das alterações no ambiente (resultados) que elas acarretam. Uma cultura que construa suas diretrizes com base em conhecimentos tecnológicos aumenta o âmbito de ação e a eficácia do comportamento que altera o ambiente na direção de garantir sobrevivência e a satisfação do indivíduo e da sociedade.  

Nesse sentido, defendemos uma maior interação entre o Direito e áreas em que haja uma construção científica do conhecimento, descartando a tradição e a autoridade como critérios de validade. O que deve selecionar se um conhecimento é válido ou não, é a possibilidade de ação que ele permite, e os resultados derivados de sua prática.


Referências Bibliográficas:

BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia.  14º edição. São Paulo: Saraiva, 2008.


QUEIROZ, P. Direito penal: parte geral. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


SANTORO FILHO, A. C. Bases criticas do direito criminal. São Paulo: LED - Editora de Direito, 2000.


SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Tradução: M. A. Andery e T. M. Sério. Campinas: Editorial PSY, 1995.


SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. Tradução: M. P. Villalobos. São Paulo: Cultrix. 1999.









[1] Acadêmica do 7º semestre do curso de direito da Universidade Estadual de Roraima.
[2] Acadêmica do 7º semestre do curso de direito da Universidade Estadual de Roraima.

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