domingo, 11 de novembro de 2012

A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

              Considerável doutrina surgida na França é a denominada teoria da perda de uma chance, que leva em conta a possibilidade de o profissional da saúde garantir ao seu paciente a chance de recuperação, seja por meio de uma intervenção responsável ou por um diagnóstico tempestivo (STOCCO, 2004, p. 37).

               Segundo Daniella Parra Pedroso a relação entre médico e paciente é contratual em regra. Salvo cirurgias plásticas embelezadoras, caracteriza-se como obrigação de meio, na qual é imprescindível, para a responsabilização do médico, a demonstração de culpa e nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, uma vez que se trata de responsabilidade subjetiva.

              Segundo Rodrigues (2003), a chamada teoria da perda da chance, adotada em tema de responsabilidade civil, aplica-se quando ao dano real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável.

              Ressalte-se que, o exercício do consentimento informado somente se efetivará com informações precisas e claras, assim de nada adianta o profissional usar termos técnicos se o paciente não puder se orientar de acordo com elas, pois a principal importância da informação é munir o paciente de elementos básicos à sua decisão (STOCCO, 2004, p. 531).

              Sérgio Cavalieri Filho (2003, p. 30) esclarece que a aplicação da teoria da perda de uma chance depende da comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e a impossibilidade de nova oportunidade para o paciente. Indo além, descreve que a doutrina será aplicada nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego, deixar de ganhar uma causa por falha do médico.

              Esta teoria propende que o juiz aplique a responsabilidade civil avaliando a perda de uma oportunidade que a pessoa sofreu; consequentemente, trata-se de uma expectativa de vantagem presumível que poderia ser auferida, caso não ocorresse determinada hipótese capaz de retirar aquela conveniência. (CAVALIERI FILHO, 2003, p. 30-31)

              Importante ressaltar que a perda de uma chance não equivale ao lucro cessante, pois este representa que a vítima deixa de conseguir em decorrência do dano; versa sobre um prejuízo de ordem meramente patrimonial. A perda de uma chance, por outro lado, retrata a expectativa de uma vantagem presumível que poderia ser auferida, seja material ou imaterial. Logo, a análise desta teoria não se dá em razão da vantagem não obtida, mas da perda de uma oportunidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo (CAHALI, 2000, p. 58).

              Em alguns casos, a verificação da presença dos pressupostos da responsabilidade civil é dificultada, impossibilitando o dever expresso de indenizar. Nessas situações, não se pode visualizar um dano certo, mas análise do caso concreto deve demonstrar que a vítima sofreu a perda de uma oportunidade em decorrência de uma atuação ilícita. Por exemplo, o paciente que perde a oportunidade de se recuperar em razão do diagnóstico impreciso de um quadro clínico. Pois o juiz sentenciante deve-se pautar por um juízo de probabilidade para auferir o montante da oportunidade perdida (SAMPAIO, 2003, p. 212).

              Relacionando este raciocínio com a vontade da lei ao imputar ao agente causador de dano a obrigação de indenizar, não há que se questionar se a perda de uma chance é dano indenizável ou dano em potencial. Uma vez presentes os requisitos para a configuração da perda de uma chance, os danos daí decorrentes devem ser satisfatoriamente reparados (SAMPAIO, 2003, p. 214).

              A reparação deve proporcionar à vítima ou aos seus sucessores a satisfação de um direito, qual seja o direito à indenização em consequência de ato ilícito, muito embora, em se tratando de dano imaterial, impossível o ressarcimento pleno, tendo lugar, meramente, uma compensação econômica.

              A questão da responsabilidade civil médica é avaliada sob o enfoque da responsabilidade subjetiva, mesmo em casos de cirurgia plástica embelezadora, que enseja, por sua vez, uma qualificação na exigência do consentimento informado. (FRANÇA, 2007, p. 98)

              O consentimento informado válido é um direito do paciente e reflete a sua capacidade de autodeterminação, sendo esta uma garantia decorrente da sua dignidade humana. Ressalta-se, contudo, que o consentimento informado válido não isenta o médico de atuar de forma diligente, servindo apenas como legitimação à intervenção médica (KFOURI NETO, 2007, p. 125).

              A falta injustificada de informação ocasiona quebra de dever jurídico, evidenciando a negligência e, como consequência, o médico ou a entidade passa a responder pelos riscos da cirurgia não informados ao paciente. A necessidade do consentimento informado só poderá ser afastada em hipótese denominada pela doutrina como privilégio terapêutico (STANCIOLI, 2004, p. 65).

              Visando à melhor aplicação do instituto da responsabilidade civil, a teoria da perda de uma chance tem sido empregada gradualmente pelos tribunais, uma vez que esta teoria implica necessariamente na evolução sob ponto de vista da teoria do dano, pois não analisa a existência de um dano certo, mas a perda de uma expectativa presumível, reforçando a ideia de que há o dever expresso de indenizar àquele que sofre dano decorrente da atuação ilícita.


REFERÊNCIAS

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 9ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007.

KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil. Volume IV, 20ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: Responsabilidade civil. 3ª edição, São Paulo: Editora Atlas S.A, 2003.

STANCIOLI, Brunello de Souza. Relação Jurídica Médico-Paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

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