domingo, 11 de novembro de 2012

SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO

Adelson Pereira de Sousa





Resumo: O presente artigo versa sobre as sociedades em conta de participação, um tipo societário que tem como premissa a união de duas ou mais pessoas com interesse comum na prática comercial, objetivando a obtenção de lucro, em que apenas uma ou algumas das partes irá responder pelas obrigações e administrar os interesses da sociedade – o chamado sócio ostensivo - enquanto os demais sócios – ocultos – não participam da administração e não respondem pela sociedade perante terceiros, pois fazem pacto apenas entre os membros da sociedade, ou segundo o contrato que a rege. Embora exista divergência doutrinária quanto ao entendimento deste tipo de sociedade, uma vez que alguns juristas vêem neste instituto apenas uma espécie de contrato, faz-se relevante seu estudo, haja vista que sua compreensão fornece subsídios relevantes para a solução de lides que envolvem direito do consumidor e associação entre pessoas físicas e empresas do ramo da construção civil, tendo a sociedade em conta de participação como pano de fundo para práticas indevidas.

Palavras-chave: sociedade, sócio oculto, sócio ostensivo, responsabilidade com terceiros, administração e obrigações.


Introdução
            Antes de nos debruçarmos sobre o estudo propriamente dito das chamadas Sociedades em Conta de Participação, é imprescindível fazermos algumas considerações acerca da não pacificação quanto à classificação deste instituto como, de fato, uma sociedade. Há divergência doutrinária neste sentido, posto que alguns doutrinadores defendem a tese de tratar-se as sociedades em conta de participação de meros contratos. Nesse sentido posicionam-se BERTOLDI e RIBEIRO, 2009...

Efetivamente de sociedade não se trata. A conta em participação não tem patrimônio próprio, não necessita ser constituída em documento escrito e registrada no Registro Público de Empresas Mercantis, razão pela qual não pode ser considerada pessoa jurídica e muito menos sociedade. Antes de ser uma sociedade, trata-se de um contrato de participação. (pág. 184)


Conforme se depreende das considerações acima, a sociedade em conta de participação é mero contrato, não tendo o status de sociedade. Contrariamente a esta posição, se pronuncia Fábio Ilhoa Coelho, para quem “A sociedade em conta de participação (...) possui características excepcionalmente próprias, no cenário das sociedades do direito brasileiro, seja por sua despersonalização, seja por seu caráter de sociedade secreta”. (COELHO, 2010. p. 149). Como se percebe, outra corrente entende a sociedade em conta de participação como uma sociedade com peculiaridades próprias, distintas, conferindo-lhe uma excepcionalidade, que, ao invés de anular sua legitimidade enquanto tipo de sociedade lhe confere identidade própria, porém, não una. Outros tipos de sociedade também compartilham de elementos próprios que as distinguem das demais, sendo constituídas por contrato entre os sócios, quais sejam: sociedade em nome coletivo (N;C) e sociedade em comandita simples (C;S).
É importante fazermos alusão a esse conflito doutrinário quanto ao entendimento da sociedade em conta de participação como sociedade ou contrato, o que nem de longe configura algum demérito a este tipo de sociedade, ao contrário, apenas torna mais interessante seu estudo.
Agora que oferecemos alguns elementos que nos permitem concluir tratar-se a sociedade em conta de participação de uma sociedade na qual os sócios estabelecem um contrato entre si, para que um ou alguns dos sócios, atue no mercado, ficando o outro, ou os demais sócios, ocultos, trataremos das demais características sobre esse tipo de sociedade, a começar pela conceituação
Forma-se a sociedade em conta de participação quando duas ou mais pessoas, com identidade de propósitos, e qualidade comum, sendo uma delas empresária, desenvolve uma ou mais atividades, cuja responsabilidade cabe ao sócio ostensivo. (MARTINS, 2009. p. 225).

            Ancorados nesta clara e objetiva conceituação de sociedade em conta de participação que tomamos por empréstimo do brilhante jurista Fran Martins, passaremos em revista a origem histórica da sociedade em conta de participação, como forma de subsidiarmos considerações futuras.

Origem Histórica ﱞﱞﱞﱞﱞ
Remonta da Idade Média a origem histórica das Sociedades em Conta de Participação, mais precisamente do período compreendido entre a Baixa Idade Média e o Início da Idade Moderna. Ressalte-se que não encontramos farto material bibliográfico acerca deste tipo de sociedade, ou de contrato, portanto, não é possível precisar com exatidão o período do surgimento deste instrumento. Por não ser um instituto amplamente utilizado nos dias atuais, poucos são os estudiosos do Direito ou doutrinadores que se aprofundam na abordagem do tema.
Contudo, podemos afirmar que a sociedade em conta de participação teve sua origem histórica durante a expansão marítimo-comercial européia, tendo início na Itália e proliferando-se pelos demais países europeus, sobretudo os que se destacaram nesta atividade mercantil.
Antes de detalharmos como se consolidou este tipo de sociedade durante o período das grandes navegações, imperioso se faz relembrarmos o contexto histórico da Europa Medieval. A sociedade, eminentemente agrária, vivia sob o modo de produção feudal, que consistia, grosso modo falando, em uma organização político-econômica e social descentralizada, não existindo a figura de um poder central, mas sim de um poder local. Cada feudo configurava uma unidade independente e autônoma, em que prevalecia a vontade e as determinações do Senhor Feudal.
_______________________________________________________ . A Sociedade em Conta de Participação, Ricardo Kuperman, Dissertação de Mestrado; Orientador Jason Albergaria Neto. Faculdade Milton Campos – Belo Horizonte, 2005.


Em troca de proteção, uma vez que a figura do bárbaro (saqueador) assombrava o homem comum da Europa medieval, o vassalo (camponês-agricultor) cedia sua força de trabalho. Embora uma leitura menos atenta ao contexto da época nos leve a ver nesse regime uma exploração unilateral do camponês pelo senhor feudal, que era o proprietário da terra e dos instrumentos necessários à produção, importante reconhecer que se tratava de uma troca de interesses, uma interdependência. Se o senhor feudal precisava do camponês para que este plantasse e colhesse, garantindo, assim, a produção do feudo, também o trabalhador precisava do senhor feudal, sobretudo de sua “proteção”, de sua segurança.
Viver fora dos muros e da proteção de um feudo era um duro exercício de sobrevivência, e poucos os que se arriscavam resistiam ao desafio. A vida do homem deste contexto dependia desta interpelação.
Em troca desta proteção, o trabalhador entregava ao proprietário do feudo a maior parte do resultado de seu labor, quer em produtos, quer em moeda. Muitos feudos cunhavam sua própria moeda que tinha valor apenas internamente. Outra parte era entregue a Igreja Católica, quer na forma de impostos, quer na forma de dízimo. E o que restava, mal dava para a subsistência (alimentação) da própria família. Também era alta a carga de tributos pagos por cada senhor feudal a Coroa. Embora ainda não houvesse surgido à figura do Estado, na concepção moderna, a monarquia se configura como instituição catalisadora de um poder, embora não absoluto, e estabelecia uma intensa guerra contra os feudos, na batalha pela posse das terras. Dentre as várias retaliações aos senhores feudais, a alta carga de impostos era uma constante.
Outro ponto que merece destaque é o papel da Igreja nesse ordenamento social. Como a maior proprietária de terras da Europa, a Igreja de São Pedro agia como tal, uma verdadeira senhora feudal. Não exercia um poder político-administrativo central, na concepção de poder estatal. Mas seu poderio econômico era de tal maneira perceptível que a igreja acabou por impor as diretrizes no campo econômico. Um dos pontos de maior confluência do poder e do ordenamento do vaticano para a consolidação das sociedades em conta de participação foi o combate à usura, que foi considerada crime.
Ora, a descoberta de novas rotas comerciais e de um novo mundo trouxe como conseqüência natural o intercâmbio comercial entre esses povos. Não obstante, todos procuravam uma forma de participar deste comércio internacional, por assim dizer. Com a proibição da prática de usura ou lucro pelo poder canônico, não restou outra opção aos comerciantes a não ser burlar a ordem papal. Assim, muitos comerciantes entregavam seus valores a terceiros para que estes praticassem o comércio além mar, retornando-lhes com a quantia inicial, acrescida de uma diferença. O sujeito que fornecia o capital ficava oculto no negócio, respondendo por todas as transações, riscos e eventuais perdas aquele que se apresentava como comerciante e possuidor dos valores. Esta foi à primeira forma de contrato em conta em participação.
Certamente tais fatos não se delinearam com tamanha simplicidade e objetividade aqui apresentadas. Trata-se de um processo histórico longo e complexo. Aqui, apenas apresentamos um breve esboço para que o leitor possa situar-se historicamente, no espaço e tempo, para uma melhor compreensão do surgimento deste instituto ora estudado.

A sociedade em conta de participação e as sociedades em comandita
                        Necessário se faz abordar, embora em breves pinceladas, esse tipo de sociedade para uma maior compreensão a respeito das sociedades em conta de participação, isto porque a origem desta se confunde com o desenvolvimento daquela. Não se pode afirmar que uma emana da outra, seria um equívoco. Entretanto, podemos concluir das pesquisas realizadas que estes dois tipos de contrato estão no bojo de uma mesma concepção de prática comercial experimentada no período das grandes navegações européias, como solução para diminuir a força mitigadora da igreja católica sobre a expansão comercial e a prática de negócios mercantis. Nascem da mesma necessidade de se criar instrumentos eficazes para resguardar o comércio entre mais de duas partes, sendo que algumas delas pactuam responsabilidades e a outra permanece alheia a certas obrigações. Se não são duas faces de uma mesma moeda, estão interligadas por sua origem e forma.

A Sociedade em Comandita é proveniente do antigo Contrato de Comenda, que significa guarda ou depósito. No período em que se inicia o comércio marítimo, os capitalistas (indivíduos que detinham o capital), davam em guarda ou depositavam, em confiança dos capitães de navio ou a terceiros de confiança dos capitalistas, os valores ou bens que poderiam ser comercializados. Para tanto, realizavam, entre os então “associados”, contratos que previam um patrimônio que não pertencia nem ao capitalista – sócio comanditário (commentator) – nem ao mercante – sócio comanditado (tractador), e sim a ambos. No intuito de proteger os terceiros contratantes e de evitar fraudes entre os mesmos, os contratos passaram a ser registrados no município ou nas corporações. Quando voltavam, esses contratantes aferiam e repartiam os lucros conforme o avençado. (KUPERMAN, 2005, p. 12)


Ocorre que, enquanto muitos desses contratantes selavam registro do contrato com seus respectivos nomes nas corporações, muitos outros preferiam não fazê-lo e realizar pacto apenas entre si, sem registro público. Tais sociedades eram conhecidas somente entre as partes. Muitos a entendiam como anônimas, contudo, com o passar do tempo elas foram definidas como ocultas, uma vez que não se tratava apenas de deixar no anonimato os nomes dos contratantes registrados, mas sim de não registrar, portanto, tratava-se de contrato específico onde não figura todas as partes. Surge, a partir de então, a transição da sociedade em comandita para a sociedade em conta de participação. Embora a primeira ainda subsista e, tratarem-se, ambas, de espécie do gênero sociedades contratuais menores, segundo Fábio Ilhoa.
Ainda segundo Ilhoa...

Sociedade em comandita simples é o tipo societário em que um ou alguns dos sócios, denominados “comanditados”, tem responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais, e outros, os sócios “comanditários”, respondem limitadamente por essas obrigações. Somente os sócios comanditados podem ser administradores, e o nome empresarial da sociedade só poderá valer-se de seus nomes civis, portanto. Ademais, devem se necessariamente pessoas físicas (ILHOA. 2010, p.148).


Por outro turno, Ilhoa classifica assim as sociedades em conta de participação...

Quando duas ou mais pessoas se associam para um empreendimento comum, poderão fazê-lo na forma de sociedade em conta de participação, ficando um ou mais sócios em posição ostensiva e outro ou outros em posição oculta (chamam-se estes sócios participantes). Por não ter personalidade jurídica a sociedade em conta de participação não assume em seu nome nenhum obrigação. É o sócio ou sócios ostensivos estes em conjunto ou separadamente – que assumem, como obrigação pessoal, as obrigações da sociedade... (Ibdem).


Após essas considerações iniciais – relevantes e necessárias – cumpre procedermos à abordagem sobre a sociedade em conta de participação, pormenorizado a reflexão sobre este instituto. Iniciamos por trazer a luz os conceitos do antigo Código Comercial de 1850 e do Novo Código Civil Brasileiro...

Art. 325 – Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual par ao fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo o gênero de provas admitidas nos contratos comerciais.

Importante destacar que atualmente a sociedade em conta de participação foi abrigada no Código Civil. Senão vejamos:

Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.
Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais.

Dadas as assertivas ao norte, podemos apresentar as principais características da sociedade em conta de participação, tomando, inicialmente, por empréstimo a sinopse de BERTOLDI e RIBEIRO:

Sociedade em conta de participação
(sem personalidade jurídica)

Sócio Ostensivo

Sócio Oculto
Responsabilidade ilimitada




Encarregado da administração da sociedade
Responsabilidade nos limites do contrato e somente diante dos demais sócios


Afastado da administração da sociedade


Características
FIÚZA (2004, p.193) de forma objetiva e contundente, elenca cinco aspectos que, somados, caracterizam a sociedade em conta de participação:

1.           Personalidade própria, que não se confunde com a de seus criadores;
2.           Patrimônio próprio que tampouco se confunde com o de seus criadores;
3.           Vida própria, que independe da vida de seus criadores;
4.           Pode exercer todos os atos que não sejam privativos das pessoas naturais;
5.           Pode ser sujeito ativo e passivo de delito.

Aspectos a serem considerados
Há três modalidades de sociedade em conta de participação, quais sejam:
1.    Momentâneas – ocorre quando há previsão no contrato social da empresa do tempo de vigência da sociedade, com estipulação do início e fim das atividades desenvolvidas.
2.    Acidentais – ocorre quando existe prática constantes de determinados atos em que, por um lado, os sócio ostensivo se obriga em nome de uma sociedade perante terceiros, e por outro lado um ou mais sócios participantes recebem lucros inerentes a atividade.
3.    Permanentes – pode ocorrer sociedade em conta de participação de forma permanente, sendo obrigatório sua constituição através de contrato social que não estipule prazo de vigência.

Embora alguns doutrinadores afirmem ser perda de tempo e energia discussões mais profundas sobre a sociedade em conta de participação e afirmam mesmo que este instituto não encontra sentido e fundamento para sua utilidade nos dias atuais, este tipo de sociedade ainda é muito utilizada no ramos da construção civil, hotelaria, incorporações imobiliárias etc. é comum, nos grandes centros urbanos o contrato de promessa de compra e venda futura, muito utilizado nos casos de compra de imóvel na planta. É também residual que os clientes acompanhem o processo de construção, sobretudo na fase final de acabamento, acessórios e mesmo de mobiliário. Muitas construtoras incorporam os serviços terceirizados de outros empreendedores, que acabam fazendo negócio e contrato entre si. Ocorre que na condição de contratantes primários, os compradores dos imóveis terminam por vincularem-se no negócio como sócios ocultos, pois o produto final se destina a estes. Cria-se uma sociedade em conta de participação na qual os futuros proprietários dos apartamentos ou apart-hotéis são os sócios ocultos.
O problema se dá quando na falta de adimplemento do sócio ostensivo – a construtora – a empresa contratada (incorporada) passa a exigir dos sócios ocultos ou futuros proprietários a responsabilidade sobre a dívida. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que não cabe aos sócios ocultos a responsabilidade pelo não cumprimento de acordo, avença ou contrato feito por sócios ostensivos.
No final do século XX e início do século XXI se tornou conhecido no mercado um tipo de contrato em que empresas se lançavam no mercado imobiliário com a oferta de participação societária para a construção de edifícios residenciais, sendo que o comprador passaria a vigorar como sócio do empreendimento. Como contrapartida da adesão ao negócio os administradores do empreendimento ofereciam a cada sócio comprador (de uma cota) uma unidade residencial. Ocorre que quando o negócio não prosperava era comum os administradores tentarem responsabilizar subsidiaria e solidariamente cada “sócio” adquirente de unidade no imóvel. O grande equívoco é que essas pessoas deveriam figurar como clientes consumidores e não como sócios empreendedores.
Ainda que se tratasse de sociedade em conta de participação consciente e voluntária – o que não era o caso, pois estamos nos referindo a casos de estelionato – a estes sócios ocultos não caberia a administração nem a responsabilidade sobre a inadimplência dos sócios ostensivos.
Por conta da multiplicação desse golpe país a fora o Ministério da Justiça viu-se obrigado a intervir e editar, através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, vinculado a Secretaria de Direito Econômico, o Ofício Circular Nº 2323/2003. Vejamos:

Aproveitando-se da informalidade permitida pela lei e sob a roupagem simulada da sociedade por conta de participação, nos dias atuais vem se disseminando a prática do fornecimento de um serviço por uma empresa que se enquadra na exata definição do caput do art. 3 a um consumidor, assim definido no art. 2 caput, ambos da Lei 8.078, de 1990 – CDC, mediante remuneração.

Em verdade, percebe-se que a relação jurídica em questão não tem efetiva natureza associativa, não se manifesta nem oferece a real possibilidade de obtenção de lucro por parte de um dos sócios, ou melhor definindo, do consumidor. Trata-se de um ardil, mediante oferta pública e difusa convidando consumidores para a aquisição da casa própria, notadamente um das maiores aspirações da população brasileira.

Essa estratagema tem por evidente objetivo transformar o consumidor em “sócio oculto” dessa sociedade, impondo-lhe a obrigação de pagar uma quantia supostamente a título de integralização do capital social, mas que de fato consiste no preço do imóvel. Com efeito, a dissimulação de uma situação jurídica em outra para escapar do rigor ou da proteção social de determinada norma não é novidade no Brasil, tal como amiúde já ocorre, por exemplo, com empregadores que travestem o vínculo empregatício em cooperativa de trabalho.

Ora, ordenamento jurídico brasileiro, basilado na função social do contrato e no princípio da fé, já alude com clareza que prevalece a vontade e o interesse das partes contratantes sobre o que rege solenemente gravado no contrato. É público e notório que em todos esses casos os consumidores foram levados a pactuar “sociedade” porque se tratava de contrato de adesão com imposição de cláusula leonina. Agiu corretamente o Ministério da Justiça na tarefa de proteção ao interesse coletivo ao normatizar esse tipo de atividade, dentre outras, através do Ofício ministerial supracitado.
Da mesma maneira se posicionou o Procurador de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo, Marco Antonio Zanellato,

A promessa de compra e venda de bens a varejo mediante oferta pública e com recebimento antecipado, parcial ou total, do respectivo preço, configura atividade abarcada pela norma do artigo 7, inciso II, da precitada Lei n. 5.761, de 1971. Cumpre observar que já há precedente de autuação (auto de infração lavrado em 01.02.2001) pelo Banco Central, de empresa que vinha exercendo atividade própria de administradora de consórcios, sem a sua prévia e indispensável autorização, sob o manto da sociedade em conta de participação. (Ibdem)


O Promotor de Justiça fundamentadamente, de forma inequívoca, conclui que se trata de consórcio, o que transfere a fiscalização da atividade ao Banco Central do Brasil, ainda que esteja sob a máscara de mero fato societário.


Conclusão
É sociedade a união de duas ou mais pessoas, que em comum acordo definem a administração e responsabilidade, como os demais direitos, para apenas uma ou alguma das partes, desobrigando seus sócios ocultos de responder perante terceiros. Embora não se caracterize com personalidade jurídica, este fato não lhe nega a outorga de sociedade.
Assim define o Código Civil nos supracitados artigos 991, 992 e 993. Não obstante, trata-se de sociedade com natureza jurídica de negócio regular e sem personificação.
No Brasil, país onde boa parte da população se sente motivada, por conta de errônea sensação de impunidade que paira sobre o senso comum, a ludibriar o ordenamento jurídico, na busca incessante de lucro fácil, houve a proliferação de uma espécie de negócio em que pessoas se associavam para a prática de estelionato, com o objetivo de atrair outras centenas de pessoas que, de boa-fé eram convencidas a participarem de sociedade em conta de participação com o único propósito de adquirir seu primeiro imóvel e realizar o sonho da casa própria.
No fim, acabam se deparando com perdas do “capital” investido – na verdade o valor referente ao imóvel - obrigações patrimoniais e outras responsabilidades. Os Tribunais em todo o pais, e também os Superiores, trataram de criar jurisprudências claras e objetivas no sentido de definir a real situação de constituição de sociedade em conta de participação, distinguindo-as de constituição de consórcio para compra de imóvel, consórcio financeiro e outros tipos de contrato que configuram a relação entre consumidor e empresa no mercado de compra e venda.
Portanto, resta claro que as sociedades em conta de participação não se confundem com contrato de compra e venda, constituição de consórcios etc.. Trata-se de espécie de sociedade do gênero sociedades contratuais menores, como já frisado anteriormente.




Referências bibliográficas

BERTOLLDI e RIBEIRO
               Curso Avançado de Direito Comercial: Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro – 5ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.


CÓDIGO CIVIL; CÓDIGO COMERCIAL; CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Obra coletiva da Editora Saraiva. Colaboração Antonio Luiz de Toledo Pinto; Maria Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. São Paulo. Saraiva, 2005.;   
COELHO, Fábio Ilhoa
                   Manual de direito comercial: direito de empresa / Fábio Ilhoa Coelho. – 22 ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.



FIUZA, Cesar
               Direito Civil: Curso Completo. 8 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004



MAMEDE, Gladston
                    Manual de Direito empresarial / Gladston Mamede. 5ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2012.



MARTINS, Fran
                    Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. Ed. rev. e Atual. – Rio de Janeiro, Forense, 2009.


REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL; Ministério da Justiça; Secretaria de Direito Econômico, Ofício Circular Nº 2323/2003.


REQUIÃO, Rubens
                     Curso de direito comercial, 1º volume / Rubens Requião – 31 ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião – São Paulo: Saraiva, 2012.



KUPERMAN, Ricardo.
  A Sociedade em Conta de Participação, Ricardo Kuperman, Dissertação de Mestrado; Orientador Jason Albergaria Neto. Faculdade Milton Campos – Belo Horizonte, 2005.

Um comentário:

  1. Caro Adelson,
    Parabéns pelo excelente artigo. Ficou muito interessante o cotejamento realizado entre a sociedade em conta de participação e a sociedade em comandita.

    Contudo, é preciso fazer algumas observações:

    A pesquisa histórica foi muito boa, mas você economizou nas citações. De repente algum leitor se interesse pela fonte dos dados apresentados.

    Você poderia ter abordado a nova classificação do instituto em tela, proposta no PL 1572/2011 (contrato de investimento conjunto). Com certeza, enriqueceria ainda mais a sua pesquisa.

    Em vários pontos do artigo - "ILHOA" (ULHOA).

    Último parágrafo da introdução - "brilhante jurista" (uma produção acadêmica dispensa esse tipo de tratamento - argumentum magister dixit). Os argumentos devem ser científicos.

    Há uma certa dúvida nos dois últimos parágrafos do desenvolvimento (procurador ou promotor?).

    Há alguns pequenos equívocos de digitação no texto.

    Abraço.

    Prof. Sergio Mateus

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