Adelson
Pereira de Sousa
Resumo:
O presente artigo
versa sobre as sociedades em conta de participação, um tipo societário que tem
como premissa a união de duas ou mais pessoas com interesse comum na prática
comercial, objetivando a obtenção de lucro, em que apenas uma ou algumas das
partes irá responder pelas obrigações e administrar os interesses da sociedade
– o chamado sócio ostensivo - enquanto os demais sócios – ocultos – não
participam da administração e não respondem pela sociedade perante terceiros,
pois fazem pacto apenas entre os membros da sociedade, ou segundo o contrato
que a rege. Embora exista divergência doutrinária quanto ao entendimento deste
tipo de sociedade, uma vez que alguns juristas vêem neste instituto apenas uma
espécie de contrato, faz-se relevante seu estudo, haja vista que sua
compreensão fornece subsídios relevantes para a solução de lides que envolvem
direito do consumidor e associação entre pessoas físicas e empresas do ramo da
construção civil, tendo a sociedade em conta de participação como pano de fundo
para práticas indevidas.
Palavras-chave:
sociedade, sócio
oculto, sócio ostensivo, responsabilidade com terceiros, administração e
obrigações.
Introdução
Antes
de nos debruçarmos sobre o estudo propriamente dito das chamadas Sociedades em
Conta de Participação, é imprescindível fazermos algumas considerações acerca da
não pacificação quanto à classificação deste instituto como, de fato, uma
sociedade. Há divergência doutrinária neste sentido, posto que alguns
doutrinadores defendem a tese de tratar-se as sociedades em conta de
participação de meros contratos. Nesse sentido posicionam-se BERTOLDI e
RIBEIRO, 2009...
Efetivamente de
sociedade não se trata. A conta em participação não tem patrimônio próprio, não
necessita ser constituída em documento escrito e registrada no Registro Público
de Empresas Mercantis, razão pela qual não pode ser considerada pessoa jurídica
e muito menos sociedade. Antes de ser uma sociedade, trata-se de um contrato de
participação. (pág. 184)
Conforme se depreende das
considerações acima, a sociedade em conta de participação é mero contrato, não
tendo o status de sociedade. Contrariamente a esta posição, se pronuncia Fábio
Ilhoa Coelho, para quem “A sociedade em
conta de participação (...) possui características excepcionalmente próprias,
no cenário das sociedades do direito brasileiro, seja por sua
despersonalização, seja por seu caráter de sociedade secreta”. (COELHO, 2010. p. 149). Como se percebe,
outra corrente entende a sociedade em conta de participação como uma sociedade
com peculiaridades próprias, distintas, conferindo-lhe uma excepcionalidade,
que, ao invés de anular sua legitimidade enquanto tipo de sociedade lhe confere
identidade própria, porém, não una. Outros tipos de sociedade também
compartilham de elementos próprios que as distinguem das demais, sendo
constituídas por contrato entre os sócios, quais sejam: sociedade em nome
coletivo (N;C) e sociedade em comandita simples (C;S).
É importante fazermos
alusão a esse conflito doutrinário quanto ao entendimento da sociedade em conta
de participação como sociedade ou contrato, o que nem de longe configura algum
demérito a este tipo de sociedade, ao contrário, apenas torna mais interessante
seu estudo.
Agora que oferecemos
alguns elementos que nos permitem concluir tratar-se a sociedade em conta de
participação de uma sociedade na qual os sócios estabelecem um contrato entre
si, para que um ou alguns dos sócios, atue no mercado, ficando o outro, ou os
demais sócios, ocultos, trataremos das demais características sobre esse tipo
de sociedade, a começar pela conceituação
Forma-se a sociedade
em conta de participação quando duas ou mais pessoas, com identidade de
propósitos, e qualidade comum, sendo uma delas empresária, desenvolve uma ou
mais atividades, cuja responsabilidade cabe ao sócio ostensivo. (MARTINS, 2009.
p. 225).
Ancorados
nesta clara e objetiva conceituação de sociedade em conta de participação que
tomamos por empréstimo do brilhante jurista Fran Martins, passaremos em revista
a origem histórica da sociedade em conta de participação, como forma de
subsidiarmos considerações futuras.
Remonta da Idade Média a
origem histórica das Sociedades em Conta de Participação, mais precisamente do
período compreendido entre a Baixa Idade Média e o Início da Idade Moderna.
Ressalte-se que não encontramos farto material bibliográfico acerca deste tipo
de sociedade, ou de contrato, portanto, não é possível precisar com exatidão o
período do surgimento deste instrumento. Por não ser um instituto amplamente
utilizado nos dias atuais, poucos são os estudiosos do Direito ou doutrinadores
que se aprofundam na abordagem do tema.
Contudo, podemos afirmar
que a sociedade em conta de participação teve sua origem histórica durante a
expansão marítimo-comercial européia, tendo início na Itália e proliferando-se
pelos demais países europeus, sobretudo os que se destacaram nesta atividade
mercantil.
Antes de detalharmos como
se consolidou este tipo de sociedade durante o período das grandes navegações,
imperioso se faz relembrarmos o contexto histórico da Europa Medieval. A
sociedade, eminentemente agrária, vivia sob o modo de produção feudal, que
consistia, grosso modo falando, em uma organização político-econômica e social
descentralizada, não existindo a figura de um poder central, mas sim de um
poder local. Cada feudo configurava uma unidade independente e autônoma, em que
prevalecia a vontade e as determinações do Senhor Feudal.
_______________________________________________________
ﱞ. A
Sociedade em Conta de Participação, Ricardo Kuperman, Dissertação de Mestrado;
Orientador Jason Albergaria Neto. Faculdade Milton Campos – Belo Horizonte,
2005.
Em troca de proteção, uma
vez que a figura do bárbaro (saqueador) assombrava o homem comum da Europa
medieval, o vassalo (camponês-agricultor) cedia sua força de trabalho. Embora uma
leitura menos atenta ao contexto da época nos leve a ver nesse regime uma
exploração unilateral do camponês pelo senhor feudal, que era o proprietário da
terra e dos instrumentos necessários à produção, importante reconhecer que se
tratava de uma troca de interesses, uma interdependência. Se o senhor feudal
precisava do camponês para que este plantasse e colhesse, garantindo, assim, a
produção do feudo, também o trabalhador precisava do senhor feudal, sobretudo
de sua “proteção”, de sua segurança.
Viver fora dos muros e da proteção
de um feudo era um duro exercício de sobrevivência, e poucos os que se
arriscavam resistiam ao desafio. A vida do homem deste contexto dependia desta
interpelação.
Em troca desta proteção, o
trabalhador entregava ao proprietário do feudo a maior parte do resultado de
seu labor, quer em produtos, quer em moeda. Muitos feudos cunhavam sua própria
moeda que tinha valor apenas internamente. Outra parte era entregue a Igreja
Católica, quer na forma de impostos, quer na forma de dízimo. E o que restava,
mal dava para a subsistência (alimentação) da própria família. Também era alta
a carga de tributos pagos por cada senhor feudal a Coroa. Embora ainda não
houvesse surgido à figura do Estado, na concepção moderna, a monarquia se
configura como instituição catalisadora de um poder, embora não absoluto, e estabelecia
uma intensa guerra contra os feudos, na batalha pela posse das terras. Dentre
as várias retaliações aos senhores feudais, a alta carga de impostos era uma
constante.
Outro ponto que merece
destaque é o papel da Igreja nesse ordenamento social. Como a maior
proprietária de terras da Europa, a Igreja de São Pedro agia como tal, uma
verdadeira senhora feudal. Não exercia um poder político-administrativo
central, na concepção de poder estatal. Mas seu poderio econômico era de tal
maneira perceptível que a igreja acabou por impor as diretrizes no campo
econômico. Um dos pontos de maior confluência do poder e do ordenamento do
vaticano para a consolidação das sociedades em conta de participação foi o
combate à usura, que foi considerada crime.
Ora, a descoberta de novas
rotas comerciais e de um novo mundo trouxe como conseqüência natural o intercâmbio
comercial entre esses povos. Não obstante, todos procuravam uma forma de
participar deste comércio internacional, por assim dizer. Com a proibição da
prática de usura ou lucro pelo poder canônico, não restou outra opção aos
comerciantes a não ser burlar a ordem papal. Assim, muitos comerciantes
entregavam seus valores a terceiros para que estes praticassem o comércio além
mar, retornando-lhes com a quantia inicial, acrescida de uma diferença. O sujeito
que fornecia o capital ficava oculto no negócio, respondendo por todas as
transações, riscos e eventuais perdas aquele que se apresentava como
comerciante e possuidor dos valores. Esta foi à primeira forma de contrato em conta
em participação.
Certamente tais fatos não
se delinearam com tamanha simplicidade e objetividade aqui apresentadas.
Trata-se de um processo histórico longo e complexo. Aqui, apenas apresentamos
um breve esboço para que o leitor possa situar-se historicamente, no espaço e
tempo, para uma melhor compreensão do surgimento deste instituto ora estudado.
A
sociedade em conta de participação e as sociedades em comandita
Necessário
se faz abordar, embora em breves pinceladas, esse tipo de sociedade para uma
maior compreensão a respeito das sociedades em conta de participação, isto porque
a origem desta se confunde com o desenvolvimento daquela. Não se pode afirmar
que uma emana da outra, seria um equívoco. Entretanto, podemos concluir das
pesquisas realizadas que estes dois tipos de contrato estão no bojo de uma
mesma concepção de prática comercial experimentada no período das grandes
navegações européias, como solução para diminuir a força mitigadora da igreja
católica sobre a expansão comercial e a prática de negócios mercantis. Nascem
da mesma necessidade de se criar instrumentos eficazes para resguardar o
comércio entre mais de duas partes, sendo que algumas delas pactuam
responsabilidades e a outra permanece alheia a certas obrigações. Se não são
duas faces de uma mesma moeda, estão interligadas por sua origem e forma.
A Sociedade em
Comandita é proveniente do antigo Contrato de Comenda, que significa guarda ou
depósito. No período em que se inicia o comércio marítimo, os capitalistas
(indivíduos que detinham o capital), davam em guarda ou depositavam, em
confiança dos capitães de navio ou a terceiros de confiança dos capitalistas,
os valores ou bens que poderiam ser comercializados. Para tanto, realizavam,
entre os então “associados”, contratos que previam um patrimônio que não
pertencia nem ao capitalista – sócio comanditário (commentator) – nem ao
mercante – sócio comanditado (tractador), e sim a ambos. No intuito de proteger
os terceiros contratantes e de evitar fraudes entre os mesmos, os contratos
passaram a ser registrados no município ou nas corporações. Quando voltavam,
esses contratantes aferiam e repartiam os lucros conforme o avençado.
(KUPERMAN, 2005, p. 12)
Ocorre que, enquanto
muitos desses contratantes selavam registro do contrato com seus respectivos
nomes nas corporações, muitos outros preferiam não fazê-lo e realizar pacto
apenas entre si, sem registro público. Tais sociedades eram conhecidas somente
entre as partes. Muitos a entendiam como anônimas, contudo, com o passar do
tempo elas foram definidas como ocultas, uma vez que não se tratava apenas de
deixar no anonimato os nomes dos contratantes registrados, mas sim de não
registrar, portanto, tratava-se de contrato específico onde não figura todas as
partes. Surge, a partir de então, a transição da sociedade em comandita para a
sociedade em conta de participação. Embora a primeira ainda subsista e, tratarem-se,
ambas, de espécie do gênero sociedades contratuais menores, segundo Fábio
Ilhoa.
Ainda segundo Ilhoa...
Sociedade em
comandita simples é o tipo societário em que um ou alguns dos sócios,
denominados “comanditados”, tem responsabilidade ilimitada pelas obrigações
sociais, e outros, os sócios “comanditários”, respondem limitadamente por essas
obrigações. Somente os sócios comanditados podem ser administradores, e o nome
empresarial da sociedade só poderá valer-se de seus nomes civis, portanto.
Ademais, devem se necessariamente pessoas físicas (ILHOA. 2010, p.148).
Por outro turno, Ilhoa classifica
assim as sociedades em conta de participação...
Quando duas ou mais
pessoas se associam para um empreendimento comum, poderão fazê-lo na forma de
sociedade em conta de participação, ficando um ou mais sócios em posição
ostensiva e outro ou outros em posição oculta (chamam-se estes sócios
participantes). Por não ter personalidade jurídica a sociedade em conta de participação
não assume em seu nome nenhum obrigação. É o sócio ou sócios ostensivos estes
em conjunto ou separadamente – que assumem, como obrigação pessoal, as
obrigações da sociedade... (Ibdem).
Após essas considerações
iniciais – relevantes e necessárias – cumpre procedermos à abordagem sobre a
sociedade em conta de participação, pormenorizado a reflexão sobre este
instituto. Iniciamos por trazer a luz os conceitos do antigo Código Comercial
de 1850 e do Novo Código Civil Brasileiro...
Art. 325 – Quando
duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma
social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas,
trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual par ao fim social, a
associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental,
momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades
prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo o
gênero de provas admitidas nos contratos comerciais.
Importante destacar que
atualmente a sociedade em conta de participação foi abrigada no Código Civil.
Senão vejamos:
Art. 991. Na sociedade em conta de
participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente
pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva
responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Art. 992. A constituição da sociedade em
conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por
todos os meios de direito.
Art. 993. O contrato social produz efeito
somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer
registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o
sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos
demais.
Dadas as assertivas ao norte, podemos
apresentar as principais características da sociedade em conta de participação,
tomando, inicialmente, por empréstimo a sinopse de BERTOLDI e RIBEIRO:
Sociedade
em conta de participação
(sem
personalidade jurídica)
Sócio Ostensivo
|
Sócio Oculto
|
Responsabilidade
ilimitada
Encarregado
da administração da sociedade
|
Responsabilidade
nos limites do contrato e somente diante dos demais sócios
Afastado
da administração da sociedade
|
Características
FIÚZA (2004, p.193) de forma objetiva
e contundente, elenca cinco aspectos que, somados, caracterizam a sociedade em
conta de participação:
1.
Personalidade própria, que não se confunde
com a de seus criadores;
2.
Patrimônio próprio que tampouco se confunde
com o de seus criadores;
3.
Vida própria, que independe da vida de seus
criadores;
4.
Pode exercer todos os atos que não sejam
privativos das pessoas naturais;
5.
Pode ser sujeito ativo e passivo de delito.
Aspectos
a serem considerados
Há três modalidades de
sociedade em conta de participação, quais sejam:
1.
Momentâneas
– ocorre quando há previsão no contrato social da empresa do tempo de vigência
da sociedade, com estipulação do início e fim das atividades desenvolvidas.
2.
Acidentais
– ocorre quando existe prática constantes de determinados atos em que, por um
lado, os sócio ostensivo se obriga em nome de uma sociedade perante terceiros,
e por outro lado um ou mais sócios participantes recebem lucros inerentes a
atividade.
3.
Permanentes
– pode ocorrer sociedade em conta de participação de forma permanente, sendo
obrigatório sua constituição através de contrato social que não estipule prazo
de vigência.
Embora alguns
doutrinadores afirmem ser perda de tempo e energia discussões mais profundas
sobre a sociedade em conta de participação e afirmam mesmo que este instituto
não encontra sentido e fundamento para sua utilidade nos dias atuais, este tipo
de sociedade ainda é muito utilizada no ramos da construção civil, hotelaria,
incorporações imobiliárias etc. é comum, nos grandes centros urbanos o contrato
de promessa de compra e venda futura, muito utilizado nos casos de compra de
imóvel na planta. É também residual que os clientes acompanhem o processo de
construção, sobretudo na fase final de acabamento, acessórios e mesmo de
mobiliário. Muitas construtoras incorporam os serviços terceirizados de outros
empreendedores, que acabam fazendo negócio e contrato entre si. Ocorre que na
condição de contratantes primários, os compradores dos imóveis terminam por
vincularem-se no negócio como sócios ocultos, pois o produto final se destina a
estes. Cria-se uma sociedade em conta de participação na qual os futuros
proprietários dos apartamentos ou apart-hotéis são os sócios ocultos.
O problema se dá quando na
falta de adimplemento do sócio ostensivo – a construtora – a empresa contratada
(incorporada) passa a exigir dos sócios ocultos ou futuros proprietários a
responsabilidade sobre a dívida. O Superior Tribunal de Justiça já se
posicionou no sentido de que não cabe aos sócios ocultos a responsabilidade
pelo não cumprimento de acordo, avença ou contrato feito por sócios ostensivos.
No final do século XX e
início do século XXI se tornou conhecido no mercado um tipo de contrato em que
empresas se lançavam no mercado imobiliário com a oferta de participação
societária para a construção de edifícios residenciais, sendo que o comprador
passaria a vigorar como sócio do empreendimento. Como contrapartida da adesão
ao negócio os administradores do empreendimento ofereciam a cada sócio
comprador (de uma cota) uma unidade residencial. Ocorre que quando o negócio
não prosperava era comum os administradores tentarem responsabilizar
subsidiaria e solidariamente cada “sócio” adquirente de unidade no imóvel. O
grande equívoco é que essas pessoas deveriam figurar como clientes consumidores
e não como sócios empreendedores.
Ainda que se tratasse de
sociedade em conta de participação consciente e voluntária – o que não era o
caso, pois estamos nos referindo a casos de estelionato – a estes sócios
ocultos não caberia a administração nem a responsabilidade sobre a
inadimplência dos sócios ostensivos.
Por conta da multiplicação
desse golpe país a fora o Ministério da Justiça viu-se obrigado a intervir e
editar, através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, vinculado a
Secretaria de Direito Econômico, o Ofício Circular Nº 2323/2003. Vejamos:
Aproveitando-se da
informalidade permitida pela lei e sob a roupagem simulada da sociedade por
conta de participação, nos dias atuais vem se disseminando a prática do
fornecimento de um serviço por uma empresa que se enquadra na exata definição
do caput do art. 3 a um consumidor, assim definido no art. 2 caput, ambos da Lei
8.078, de 1990 – CDC, mediante remuneração.
Em verdade,
percebe-se que a relação jurídica em questão não tem efetiva natureza
associativa, não se manifesta nem oferece a real possibilidade de obtenção de
lucro por parte de um dos sócios, ou melhor definindo, do consumidor. Trata-se
de um ardil, mediante oferta pública e difusa convidando consumidores para a
aquisição da casa própria, notadamente um das maiores aspirações da população
brasileira.
Essa estratagema tem
por evidente objetivo transformar o consumidor em “sócio oculto” dessa
sociedade, impondo-lhe a obrigação de pagar uma quantia supostamente a título
de integralização do capital social, mas que de fato consiste no preço do
imóvel. Com efeito, a dissimulação de uma situação jurídica em outra para
escapar do rigor ou da proteção social de determinada norma não é novidade no
Brasil, tal como amiúde já ocorre, por exemplo, com empregadores que travestem
o vínculo empregatício em cooperativa de trabalho.
Ora, ordenamento jurídico
brasileiro, basilado na função social do contrato e no princípio da fé, já
alude com clareza que prevalece a vontade e o interesse das partes contratantes
sobre o que rege solenemente gravado no contrato. É público e notório que em
todos esses casos os consumidores foram levados a pactuar “sociedade” porque se
tratava de contrato de adesão com imposição de cláusula leonina. Agiu
corretamente o Ministério da Justiça na tarefa de proteção ao interesse
coletivo ao normatizar esse tipo de atividade, dentre outras, através do Ofício
ministerial supracitado.
Da mesma maneira se posicionou
o Procurador de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Justiça do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo,
Marco Antonio Zanellato,
A
promessa de compra e venda de bens a varejo mediante oferta pública e com
recebimento antecipado, parcial ou total, do respectivo preço, configura
atividade abarcada pela norma do artigo 7, inciso II, da precitada Lei n.
5.761, de 1971. Cumpre observar que já há precedente de autuação (auto de
infração lavrado em 01.02.2001) pelo Banco Central, de empresa que vinha
exercendo atividade própria de administradora de consórcios, sem a sua prévia e
indispensável autorização, sob o manto da sociedade em conta de participação.
(Ibdem)
O Promotor de Justiça
fundamentadamente, de forma inequívoca, conclui que se trata de consórcio, o
que transfere a fiscalização da atividade ao Banco Central do Brasil, ainda que
esteja sob a máscara de mero fato societário.
Conclusão
É sociedade a união de
duas ou mais pessoas, que em comum acordo definem a administração e
responsabilidade, como os demais direitos, para apenas uma ou alguma das partes,
desobrigando seus sócios ocultos de responder perante terceiros. Embora não se
caracterize com personalidade jurídica, este fato não lhe nega a outorga de
sociedade.
Assim define o Código
Civil nos supracitados artigos 991, 992 e 993. Não obstante, trata-se de
sociedade com natureza jurídica de negócio regular e sem personificação.
No Brasil, país onde boa
parte da população se sente motivada, por conta de errônea sensação de
impunidade que paira sobre o senso comum, a ludibriar o ordenamento jurídico,
na busca incessante de lucro fácil, houve a proliferação de uma espécie de
negócio em que pessoas se associavam para a prática de estelionato, com o
objetivo de atrair outras centenas de pessoas que, de boa-fé eram convencidas a
participarem de sociedade em conta de participação com o único propósito de
adquirir seu primeiro imóvel e realizar o sonho da casa própria.
No fim, acabam se
deparando com perdas do “capital” investido – na verdade o valor referente ao
imóvel - obrigações patrimoniais e outras responsabilidades. Os Tribunais em
todo o pais, e também os Superiores, trataram de criar jurisprudências claras e
objetivas no sentido de definir a real situação de constituição de sociedade em
conta de participação, distinguindo-as de constituição de consórcio para compra
de imóvel, consórcio financeiro e outros tipos de contrato que configuram a
relação entre consumidor e empresa no mercado de compra e venda.
Portanto, resta claro que
as sociedades em conta de participação não se confundem com contrato de compra
e venda, constituição de consórcios etc.. Trata-se de espécie de sociedade do
gênero sociedades contratuais menores, como já frisado anteriormente.
Referências
bibliográficas
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empresa / Fábio Ilhoa Coelho. – 22 ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.
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Direito Civil: Curso Completo. 8 ed. Belo
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REQUIÃO,
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Curso de direito comercial, 1º volume
/ Rubens Requião – 31 ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião – São Paulo:
Saraiva, 2012.
KUPERMAN,
Ricardo.
A Sociedade em Conta de Participação, Ricardo
Kuperman, Dissertação de Mestrado; Orientador Jason Albergaria Neto. Faculdade
Milton Campos – Belo Horizonte, 2005.
Caro Adelson,
ResponderExcluirParabéns pelo excelente artigo. Ficou muito interessante o cotejamento realizado entre a sociedade em conta de participação e a sociedade em comandita.
Contudo, é preciso fazer algumas observações:
A pesquisa histórica foi muito boa, mas você economizou nas citações. De repente algum leitor se interesse pela fonte dos dados apresentados.
Você poderia ter abordado a nova classificação do instituto em tela, proposta no PL 1572/2011 (contrato de investimento conjunto). Com certeza, enriqueceria ainda mais a sua pesquisa.
Em vários pontos do artigo - "ILHOA" (ULHOA).
Último parágrafo da introdução - "brilhante jurista" (uma produção acadêmica dispensa esse tipo de tratamento - argumentum magister dixit). Os argumentos devem ser científicos.
Há uma certa dúvida nos dois últimos parágrafos do desenvolvimento (procurador ou promotor?).
Há alguns pequenos equívocos de digitação no texto.
Abraço.
Prof. Sergio Mateus