Neucy da Silva Ciricio
Acadêmica de
direito da Universidade Estadual de Roraima, 6º semestre. Graduada em Pedagogia
pela Universidade Federal de Roraima. Licenciatura em Educação Cristã –
Seminário Bíblico Palavra da Vida/SP. E-mail neucyciricio@hotmail.com
RESUMO
Através de uma
breve análise da evolução da teoria contratual ao longo da história podemos
compreender a relação direta entre as mudanças econômicas e o conceito de
contrato. A nova tipologia contratual possibilita a adaptação da circulação de
riquezas em conformidade com a realidade social. A análise do contrato
relacional e sua importância na seara jurídica atual será com base no relatório
esclarecedor da juíza do STJ, ao dar parecer contrário ao Tribunal a quo. A distinção entre contratos
descontínuos e contratos relacionais se mostra de vital importância numa
sociedade de consumo, onde os contratos de massa predominam. Uma vez que nos
contratos relacionais não é possível o estabelecimento de todos os termos de antemão,
se faz necessário entender como a renegociação, com base na solidariedade,
cooperação, confiança e boa-fé, pode produzir um relacionamento equilibrado
entre as partes.
Palavras
Chaves: Contrato relacional. Contrato descontínuo. Cooperação. Solidariedade.
Confiança. Boa - fé.
1 INTRODUÇÃO
A mudança de paradigmas no direito contratual tem sido uma constante ao longo
dos séculos. A concepção clássica de contrato, de equilíbrio contratual decorrente
puramente da liberdade e do consenso, sofreu profunda mudança em decorrência da
dinamicidade das relações econômicas presente na sociedade contemporânea. As
mudanças têm sido de tal envergadura que alguns sustentam que ocorreu a crise e
a morte do direito contratual.
A compreensão dos contratos relacionais, suas características,
princípios e como ele opera, revela. Eles estão presentes na sociedade como
mola propulsora das relações jurídicas negociais e que o contrato continua
sendo um instrumento eficaz de circulação de riquezas.seus novos conceitos e
como eles, já existem na sociedade e vêm alterando a sistemática da doutrina
contratual.
Para tanto, abordarei, de forma sucinta, o caminho percorrido pela
doutrina contratual no decorrer da história, enfocando suas principais épocas
como Idade Média, Revolução francesa, etc. Na sequência, farei uma abordagem
objetiva dos aspectos determinantes dos contratos cativos de longa duração
(contratos relacionais), destacando suas diferenças com os contratos descontínuos.
Por fim, citarei um recurso especial como exemplo da relevância da compreensão
desses contratos para a solução dos litígios na esfera contratual.
2 EVOLUÇÃO
HISTÓRICA DO CONTRATO
O contrato é instrumento de conciliação social e ao mesmo tempo poderoso
instrumento de circulação das riquezas. Estudando o desenvolvimento da
sociedade, das suas formas de relacionamento, social, cultural e econômico,
depreende-se sua extrema importância.
Historicamente não se pode precisar o seu exato surgimento. Para a maioria dos
doutrinadores seu surgimento, como negócio jurídico, se dá no Direito Romano,
do que discorda veementemente Pablo Stolze Gagliano:
O fato de o
Direito Romano ter sido a principal fonte histórica dos sistemas jurídicos
ocidentais não significa que todos os institutos hodiernamente conhecidos
tenham sido forjados, pela primeira vez na história da humanidade, em seus
cadinhos de normas. (Gagliano, 2009, p.3).
Pode não haver consenso quanto a origem do contrato, mas o Direito Romano é a
mais importante fonte histórica do Direito nos países ocidentais, assim como
grande parte de institutos e princípios do Direito Civil. Os romanos
determinaram a base para a formação dos princípios fundamentais do Direito Contratual.
O termo contrato, no mais antigo Direito Romano, era entendido como o ato pelo
qual o credor submetia o devedor a seu poder, em virtude do inadimplemento de
uma obrigação. O contrato exigia fórmulas rígidas e ritos formais para
sua validade. Para a formação da obrigação contratual, não bastava o acordo de
vontade das partes sobre um determinado objeto, sendo imprescindível a
observância da forma consagrada.
Na Idade Média, sob forte e determinante domínio da igreja a manifestação da vontade
imprime obrigatoriedade ao contrato. Declarar a vontade e de forma consensual
assumir obrigações assumia a força de um juramento perante Deus. Quebrar um
contrato não ofendia apenas a outra parte, mas a Deus. “A fé jurada era o
respeito à palavra dada, que imprimia princípios basilares da Teoria Contratual
Clássica, tais com como o da força obrigatória dos contratos, do
consensualismo, da autonomia da vontade.” (Cesarino, 2007, p.15).
É no séc. XVIII, com o advento da Revolução Francesa, e com o rompimento do
antigo regime monárquico, que os homens se sentem livres para negociar. Deus
não é mais o centro do universo, mas o homem. A sua vontade imprime
direcionamento ao curso da sociedade, fazendo surgir uma nova ordem econômica e
social, denominada liberalismo que propõe a livre movimentação das riquezas na
sociedade. Uma vez que o contrato é o instrumento colocado à disposição pelo
direito para que esta movimentação aconteça, defende-se a necessidade da
liberdade contratual.
Nesse novo Estado Liberal são os três elementos básicos que o caracterizam: o
individualismo, calcado na visão antropocêntrica; a propriedade, direito
fundamental, incondicionado, ilimitado e irrestrito, “direito sagrado”; e a
liberdade, conquista da luta social e política com o fim de alcançar a
liberdade econômica,.
Essa nova realidade socioeconômica deixa o homem livre para firmar contratos,
escolher com quem contratar e o que contratar. A liberdade de contratar baseado
na vontade livre, ampla e irrestrita, dá aos contratos a força obrigatória
do “pacta sunt servanda”. O pacto firmado, baseado na livre negociação, só
interessava as partes que se comprometiam em cumprir suas obrigações, não
importando se o resultado seria justo para ambos.
O Estado deveria intervir o mínimo possível, agindo apenas quando a execução da
obrigação, porventura, não fosse cumprida. A função das leis era tão somente
proteger a vontade criadora e assegurar a realização dos efeitos pretendidos
pelos contratantes.
A liberdade plena e absoluta dos indivíduos acaba gerando “ ...desequilíbrios
sociais, somente contornados pelo dirigismo contratual do séc. XX,
reflexo dos movimentos sociais desencadeados na Europa Ocidental e que
recolocariam o homem na sociedade...” (Stolzer, 2009, p.4).
Diante dos desajustes sociais criado pela liberdade contratual, o Estado se viu
obrigado a repensar seu papel de atuação nas relações econômicas, deixando para
trás o estigma de ser um mal necessário e intervindo em socorro dos bons
costumes e da ordem econômica, seja aplicando leis que estabeleçam restrições
ao princípio da vontade em benefício do interesse coletivo, seja com a adoção
de uma intervenção judicial na economia do contrato. O resultado é a política
conhecida como dirigismo contratual ou intervencionismo estatal.
O liberalismo e o individualismo presentes no Estado Liberal mostrou-se
prejudicial as relações econômicas. A abstenção do Estado produziu uma
sociedade injusta. O interesse social ficou a mercê dos interesses privados.
“Se o Estado
se abstiver, como recomenda o laissez-faire, nenhum poder existirá para conter
o excesso dos indivíduos em relação ao grupo e a outros indivíduos, e dos
grupos em relação a outros grupos e em relação aos indivíduos”. (Fiúza,
Coutinho, 2009, p.5)
]
As mudanças sociais, políticas e econômicas provocadas pela Revolução
Industrial revelaram a profunda desigualdade nas relações contratuais. Os
interesses particulares de uma classe, economicamente dominante se sobressaem
em relação ao interesse geral da sociedade. O direito, baseado no sistema
Liberal, já não possuía um conjunto de leis apropriadas para cuidar dos novos
problemas, como a exploração do trabalho humano de forma ampla e brutal, o que
acabou causando desastrosas conseqüências.
A nova classe operária contratada em massa pelas indústrias, submetia-se a
condições desumanas de vida e de trabalho, gerando profunda desigualdade
social. Os homens puderam, então, constatar que as liberdades ainda desacompanhadas
da seguridade social, dos direitos laborais e econômicos, como o direito ao
trabalho e ao salário justo, e direitos de ordem cultural, como a educação,
trouxeram várias injustiças às pessoas.
O Estado Social surge então para resguardar os direitos coletivos ante o
direito individual da autonomia da vontade. “O Estado Social é aquele que, além
dos direitos individuais, assegura os direitos sociais, sendo obrigado a
ações positivas para realizar o desenvolvimento e a justiça social.” (Weida
Zancaner, aput , Cesarino, 2007, p.27).
O Estado intervém na sociedade para garantir os direitos sociais, econômicos e
culturais da coletividade. Os direitos sociais passam a nortear os direitos
individuais. O Estado Social se consolida nas constituições democráticas
garantidoras de direitos. Ao cidadão deve ser outorgado o mínimo de liberdade
de escolha e igualdade de oportunidades para que possa viver de forma digna. O
mais forte economicamente impulsionado pela livre iniciativa e concorrência
desenfreada, não pode ver a sociedade apenas como ambiente de captação de mão
de obra e mercado de consumo. Ao Estado cabe intervir nas relações de
forma positiva a fim de defender as condições de vida e trabalho da
população explorada, oferecer proteção jurídica especial as parcelas da
sociedade que, ao longo da história, figuram em situação de desvantagem.
Essas mudanças sociais e políticas refletiram diretamente nas práticas
contratuais, já que os contratos representam um poderoso instrumento de
circulação de riqueza e pacificação social.
“...o
contrato sofreu sensível transformação ao longo do séc. XX, havendo
experimentado um inegável processo de solidarização social, adaptando-se à sociedade
de massa que se formava. Com isso,
temos, que especialmente nos últimos cinquenta anos, com o incremento da
atividade industrial, o avanço tecnológico e o aquecimento dos mercados de
consumo, o princípio da igualdade formal entra as partes contratantes –
baluarte da teoria clássica contratual e que sempre serviu de lastro à
regra (até então absoluta) do pacta sunt servanda – começou a enfraquecer,
descortinando falhas no sistema social, e, sobretudo, afigurando-se em muitos
casos, como uma regra flagrantemente injusta. (Gagliano, 2009, p.6)
O princípio da igualdade passou a ser considerado como uma igualdade
substancial, real, e não mais se satisfazia com uma simples igualdade formal
entre as partes. As pessoas passam a ser iguais perante a lei na medida das
suas desigualdades.
A liberdade contratual apoiada no princípio
da autonomia da vontade e no cumprimento irrestrito daquilo que foi acordado,
cede espaço para a ideia de reciprocidade e equilíbrio no sentido de que não significa
mais apenas a contraprestação formal, mas sim, uma certa equivalência substancial
entre a prestação e a contraprestação das partes contratantes.
Hoje temos a sociedade de massa, caracterizada pela
produção em massa, consumo em massa e o crédito circulando no mercado, sendo
oferecido o tempo todo. Obviamente que
essa produção e esse consumo em massa se deram muito em função das sucessivas
revoluções industriais e do avanço tecnológico.
A massificação das relações contratuais, resultado da concentração industrial,
da massificação das comunicações e da globalização. Exigiu do Estado a adoção
de uma nova política, conhecida como dirigismo contratual, aplicando leis
de ordem pública, que estabelecessem restrições ao princípio
da vontade em benefício do interesse coletivo, e adotando intervenção
judicial,alterando o contrato e contendo seus efeitos, com
o fim de liberar o contratante lesado.
Esses fenômenos de massificação das cidades, das
fábricas, com a produção em série, das relações de trabalho e de consumo,
exigiram a comercialização, também em massa, dos produtos. Deste modo, a
contratação perde o caráter de livre negociação para ganhar caráter geral e
impessoal (são dirigidos a todos indistintamente). As empresas se vêem
obrigadas a racionalizar custos e acelerar os negócios: daí as cláusulas
contratuais gerais e os contratos de adesão.
“...modalidade
contratual forjada no início do século XX, e cuja especial característica
consistiria exatamente no fato de apenas uma das partes ditar o conteúdo,
redigindo as suas cláusulas, impondo-se a outra, portanto, aceitar ou não a
proposta que lhe fora apresentada”. (Gagliano, 2009, p. 6).
O
contrato de adesão é uma modalidade dos contratos de massa, com cláusulas
pré-estabelecidas por uma das partes e nos quais resta às outras partes,
quaisquer que sejam, apenas aderir para que haja uma rapidez nas relações comerciais
e econômicas.
“As
características dos contratos de adesão são a uniformidade, ou seja, são
cláusulas de caráter geral para um número indeterminado de pessoas,
e é o mesmo contrato para todos os seus usuários; há uma pré-determinação, pois
uma das partes estabelece previamente o conteúdo do contrato; a rigidez se faz
presente tendo em vista a dificuldade quanto à alteração do contrato, não
havendo discussão, negociação, nem alteração, salvo se o fornecedor desejar; e
ocorre a simples aceitação, mera adesão do cliente, caso queira”. (Cesarino,
2007, p.39).
Os contratos paritários, em que um contratante conhecia o outro, negociavam as
cláusulas até chegarem ao consenso baseado no acordo de vontades, cede espaço,
ou quase desaparece, frente a predominância do contrário de adesão onde o
aderente se vê obrigado a aceitar as condições impostas pelo estipulante.
Apesar de os contratos de adesão servirem aos interesses daqueles que detêm o
poder econômico sua função é de extrema importância na vida de inúmeras
pessoas, pois, traz agilidade e segurança as negociações.
“...o
contrato de adesão, desde que concebido segundo o superior princípio da função
social, e pactuado em atenção ao mandamento constitucional de respeito à
dignidade da pessoa humana, é um instrumento de contratação socialmente
necessário e economicamente útil,...”(Gagliano, 2009, p.7).
As críticas a esse tipo de contrato estão direcionadas à maneira abusiva com
que tem sido usada nas relações contratuais de forma a beneficiar os
estipulantes, deixando os aderentes a mercê das cláusulas abusivas, geralmente
implícitas nos contratos.
O contrato de adesão tem correspondido aos anseios da sociedade
consumista e imediatista. A notória desigualdade material entre aqueles que
contratam tem revelado a necessidade de se apresentar caminhos que favoreçam a
manifestação de forma livre e consciente. Retomar a visão de equilíbrio
contratual diante da dinamicidade das relações econômicas presente na sociedade
contemporânea tem sido um grande desafio para a teoria geral dos contratos.
Os contratos como instrumentos de ordenação dos
mercados precisam constantemente de adaptação a realidade econômica para que
continue cumprindo seu papel de manter o equilíbrio desejado e necessário à
eficiente circulação de riquezas inerente à ideia de contrato, sendo, para
isso, necessários instrumentos para sua imposição ou manutenção.
A resposta, no campo jurídico, a essas mudanças econômicas geradas pela
globalização, o desenvolvimento tecnológico, a flexibilização das relações
econômicas, são os contratos ditos relacionais.
3 CONTRATOS RELACIONAIS
A
substituição da sociedade de consumo de bens por uma sociedade de serviços foi
uma das mais importantes repercussões geradas pelas transformações no mercado
de consumo, ou seja, cada vez mais o mercado de consumo é um mercado de
serviços.
Os contratos de consumo começam a tomar proporções cada vez mais amplas. Tal fenômeno,
por sua vez, conduz a modificações visíveis na prática contratual num mundo
globalizado.
No sistema
contratual, o maior vestígio dessas modificações é o surgimento dos contratos
ditos relacionais, ou de longa duração. A doutrina também chamando esta forma
de contratação de contratos cativos de longa duração.
“Nas últimas
décadas, porém, pode-se dizer que novas formas de contratação em massa,
surgiram, tendo como objeto contratual, o acesso a bens imateriais e,
principalmente, a serviços da mais variada
ordem, correspondendo este objeto a valores como segurança, lazer, status,
saúde, educação, moradia e crédito, que são considerados não só úteis, mas
essenciais para seus destinatários que são instados a aderir a estes pactos por
meio de fortes campanhas de publicidade, ficando a partir daí, vinculados
àquele contrato por longos anos”. (Rodrigues, 2010.p.30)
A atual sociedade vive uma relação de consumo de massa cada vez mais voltada
para o fornecimento de serviços. Uma das marcas desta nova sociedade de
serviços é certamente a ampliação da natureza dos contratos de consumo em
relação aos contratos descontínuos.
Os contratos relacionais são de longa duração, pois regulam relações contínuas
e duradouras, onde os termos da troca são cada vez mais abertos, e cativos
porque prendem seus clientes através de fortes campanhas de propaganda.
Luiz Felipe Ribeiro citando Cláudia Lima Marques (2010), lembra que a
catividade, elemento essencial deste modelo, deve “ser entendida no contexto do
mundo atual, de indução ao consumo de bens materiais ou imateriais, de
publicidade massiva e métodos agressivos de “marketing”, de graves e renovados
riscos na vida em sociedade e de grande insegurança quanto ao seu futuro”.
(Ribeiro; Marques 2002, apud Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2010)
Dois elementos essenciais compõem esta nova forma de contrato, o tempo e a
catividade, sendo este o diferencial, já que contratos de longa duração, como o
de seguro, já existem na relação contratual.
3.1 ESTRUTURA
a) Fornecimento de serviço - O objeto dos contratos de massa são os serviços colocados à
disposição da sociedade tanto pela iniciativa privada como pelo poder público.
Sendo este tanto fornecedor, como consumidor. Notadamente, é a prestação de um
serviço, cuja execução será protraída no decurso de tempo, havendo pagamento de
contraprestações periódicas pelo consumidor que se torna o consumidor
dependente de tais serviços.
b) Longa duração – tempo. Os
contratos de longa duração são comuns na sistemática contratual. O tempo
integra os contratos de execução continuada e de execução periódica, sendo nos
dois a prestação realizada de forma prolongada no tempo. Essa forma de
contratar faz com que se prolongue no tempo a relação jurídica entre as partes.
Em face desta característica, alguns aspectos são extremamente relevantes:
irretroatividade dos efeitos já produzidos; as obrigações das partes são
renovadas sucessivamente sem que seja modificado seu conteúdo, porquanto seja a
longa duração contratual interessante para ambos. O tempo é extremamente
importante para esses contratos, pois permite que o fornecedor faça captação de
recursos suficientes e o consumidor goze dos serviços prestados a seu favor por
um período seguro de tempo, gerando um longo processo de convivência entre os
contratantes.
“Este
aspecto, contudo, traz à tona os problemas que o transcurso do tempo pode
causar, refletindo na duração útil e justa do vínculo contratual. Não há
dúvidas que qualquer contrato se forma e se desenvolve para ser equilibrado,
buscando-se, sempre, na medida do possível uma equivalência entre as prestações
ajustadas, seja na gênese do pacto ou no momento de sua execução. Ocorre que,
pactos de longa duração estão sujeitos a eventuais mudanças das circunstâncias
o que acaba por se exigir um constante dever de readaptação e renegociação
pelas partes para se manter o equilíbrio e até a subsistência do
contrato.(Rodrigues, 2010, p.35)
Cabe então aos contratantes encontrar um modelo que propicie as constantes
renegociações necessárias em uma relação de consumo. As soluções para a
manutenção do contrato devem se basear, sempre na cooperação, lealdade e
solidariedade que vão integrar a relação em toda a sua duração.
c) Catividade - dependência. Nesse tipo de contrato a relação de dependência é
do consumidor frente ao fornecedor. A catividade surge inicialmente antes da
formação do contrato, quando através das técnicas de marketing o fornecedor
tenta de forma incisiva convencer o consumidor da necessidade de adquirir o
produto, de contratar. Posteriormente, o momento de execução dessas práticas é
cuidadosamente escolhido, visando chegar ao consumidor quando este se encontra
despreparado para resistir às tentações típicas da atual sociedade de consumo.
A catividade, portanto, tem este caráter de dependência, porque atinge a
vontade do consumidor, oferecendo serviços de fundamental importância
que fazem
parte da vida cotidiana contemporânea. Vendem a idéia de que um futuro seguro é
ter acesso a esses serviços através dos contratos de seguro e planos de saúde,
de assistência médica hospitalar, de previdência privada, de cartão de crédito,
de serviços de telefone, televisão a cabo, internet, além de serviços públicos
básicos como de fornecimento de água, luz e telefone.
Este caráter de essencialidade é suscitado em
decisões jurisprudenciais que reconhecem a impossibilidade de rompimento do
vínculo contratual, em razão da situação de dependência do consumidor, como no
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMENTA:DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADOININTERRUPTAMENTE
POR DIVERSOS ANOS. CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS PELASEGURADORA, MEDIANTE A
ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO ATUARIAL.NOTIFICAÇÃO, DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA
INTENÇÃO DA SEGURADORA DENÃO RENOVAR O CONTRATO, OFERECENDO-SE A ELE DIVERSAS
OPÇÕES DE NOVOSSEGUROS, TODAS MAIS ONEROSAS. CONTRATOS RELACIONAIS. DIREITOS
EDEVERES ANEXOS. LEALDADE, COOPERAÇÃO, PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA FÉOBJETIVA.
MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO NOS TERMOS ORIGINALMENTEPREVISTOS. RESSALVA DA
POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO,PELA SEGURADORA, MEDIANTE A
APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSOCRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS SÃO APRESENTADOS
DE MANEIRA SUAVE EESCALONADA.
IV - Solução da controvérsia: contratos relacionais
O Tribunal
de origem entendeu ser possível a rescisão do contrato sub
judice , considerando não haver qualquer abusividade na
cláusula que a prevê mediante prévia notificação. Para chegar a esse
resultado, os julgadores estabeleceram os seguintes pressupostos:
Considerando
que o contrato de seguro, como o que aqui se discute, é oneroso e
sinalagmático e, portanto, gera direitos e obrigações para ambas as
partes. Considerando, ainda, a documentação que instrui o presente,
constituindo-se fato incontroverso que o autor/apelante fora notificado de
que a seguradora, em razão do termo final de vigência da apólice
em 30/09/2006 (fls. 31), levando-se em conta os estudos
efetivados através do denominado "programa de readequação da carteira
de seguros de pessoas", e a conclusão de que a proposta
de substituição do seu seguro atual por uma das opções sugeridas pela
seguradora, ocorre em função do atual contexto econômico e legal, que é
avesso à manutenção de produtos sem atualização monetária ou cláusula de
reenquadramento do prêmio de acordo com a faixa etária do segurado -
alteração dos riscos pode motivar a recusa do segurador (art. 769 CC). E,
considerando que não houve aceitação das novas propostas pelo segurado,
não se pode, em princípio, impor a uma das partes, que se mantenham
os termos primitivos do contrato.
Todo esse
raciocínio, em que pese ser coerente tendo em vista os pressupostos de que
parte, acaba por desconsiderar um dado fundamental desta controvérsia. O
contrato sub judice não pode, em hipótese alguma,
ser analisado isoladamente, como um acordo de vontades voltado ao
estabelecimento de obrigações recíprocas por um período fixo, com
faculdade de não renovação. Essa ideia, identificada com o que Ronaldo
Porto Macedo Jr. chamou de "contratos descontínuos",
põe de lado a percepção fundamental de que qualquer contrato de seguro
oferecido ao consumidor, notadamente por um longo período ininterrupto de
tempo, integra o rol de contratos que a doutrina mais autorizada
convencionou chamar de contratos relacionais (MACEDO JR,
Ronaldo Porto,Contratos Relacionais e defesa do consumidor, 2ª
ed., São Paulo: Editora RT, 2007), ou contratos cativos de longa
duração (MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de
Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 5ª
ed., São Paulo: Ed. RT, 2005).
Nesses
contratos, para além das cláusulas e disposições expressamente
convencionadas pelas partes e introduzidas no instrumento contratual,
também é fundamental reconhecer a existência de deveres anexos , que
não se encontram expressamente previstos mas que igualmente vinculam as
partes e devem ser observados. Trata-se da necessidade de observância
dos postulados da cooperação, solidariedade, boa-fé objetiva e proteção
da confiança , que deve estar presente, não apenas durante
período de desenvolvimento da relação contratual, mas também na fase
pré-contratual e após a rescisão da avença. A proteção especial que deve
ser conferida aos contratos relacionais nasce da percepção de que eles
"vinculam o consumidor de tal forma que, ao longo dos anos de duração
da relação contratual complexa, torna-se este cliente cativo daquele
fornecedor ou cadeia de fornecedores, tornando-se dependente mesmo da
manutenção daquela relação contratual ou tendo frustradas todas as suas
expectativas. Em outras palavras, para manter o vínculo com o fornecedor
aceitará facilmente qualquer nova imposição por este desejada" (fls.
102/3).
Não é
difícil enxergar que um contrato de seguro de vida que vem sendo renovado
por trinta anos, inicialmente na modalidade individual, e depois como
seguro em grupo, não pode ser interpretado como se meramente derivasse de
contratos isolados, todos com duração de um ano. Os diversos contratos
renovados não são estanques, não estão compartimentalizados. Trata-se, na
verdade, de uma única relação jurídica, desenvolvida mediante a celebração
de diversos contratos, cada um deles como a extensão do outro. Essa
constatação prejudica de maneira incontornável o raciocínio desenvolvido pelo
Tribunal a quo , de que a mera notificação com trinta
dias de antecedência para o termo do contrato anual é suficiente para justificar
sua não renovação. Se analisarmos todos os contratos conjuntamente,
notaremos que a notificação referida, na verdade, não transmite a intenção
de não renovação de um vínculo anual, mas sim a intenção de rescindir o
vínculo continuado, que ininterruptamente vinha se mantendo até então.
Essa mudança de enfoque do problema é fundamental porque onde se via,
antes, uma mera negativa de renovação, enxerga-se, agora, uma efetiva
rescisão.
Essa
rescisão da avença deve observar, como dito, os princípios da colaboração,
da boa fé e da confiança. Um jovem que vem
contratando ininterruptamente o seguro de vida oferecido pela recorrida
não pode ser simplesmente abandonado quando se torna um idoso. O cidadão
que depositou sua confiança na companhia seguradora por
anos, ininterruptamente, deve ter essa confiança protegida. O abandono
do consumidor, nessa situação, não pode ser tomado como medida de boa fé.
Há,
naturalmente, a contrapartida. Não se pode exigir, indistintamente, que a
seguradora permaneça amargando prejuízos para a manutenção do vínculo
contratual. A colaboração que deve orientar a relação entre o consumidor e
a seguradora deve produzir seus efeitos para ambos, de modo que o consumidor
também deve colaborar com a seguradora.
Porém, é
fundamental que se note que não é razoável imaginar que, de um ano para o
outro, a seguradora teve uma "súbita" constatação de que
amargava prejuízos em sua carteira de seguros de vida, justificando
a completa modificação do sistema anterior de forma abrupta. Há responsabilidade
da seguradora por não ter notado o desequilíbrio de sua carteira em tempo
hábil, comunicando prontamente o consumidor e planejando, de forma
escalonada, a correção das distorções.
Assim, o que
se evidencia pela análise do processo é a completa falta de segurança
quanto às informações que necessariamente deveriam ter sido prestadas ao
consumidor. Não se sabe o que ele recebeu, quando
ele recebeu, ou como ele recebeu. Os documentos apresentados pela
seguradora não trazem absolutamente nenhuma luz ao processo quanto este
aspecto.
Não obstante
isso, tão ou mais importante que antecedência da comunicação do consumidor
acerca das novas regras para o contrato de seguro de vida, seria o procedimento
a ser adotado para que as modificações fossem promovidas . No
momento em que a Sulamérica constatou os prejuízos que amargava com a
carteira de seguros, competir-lhe-ia agir com lealdade, com boa-fé, com
solidariedade perante o consumidor que vinha sendo seu parceiro de tantos
anos.
Os
indispensáveis aumentos no prêmio do seguro, ou as fundamentais reduções
de cobertura, além de ser informados ao consumidor com grande
antecedência, deveriam ser promovidos num processo escalonado e lento,
ano a ano, seguindo um extenso cronograma prévio, a respeito do qual o
consumidor tem de estar plenamente ciente . Com isso,
a seguradora colaboraria com o consumidor, que poderia se planejar,
se preparar para as mudanças que, ao longo do tempo, seu
contrato experimentaria, e o consumidor, por sua vez, também colaboraria
com a seguradora, cobrindo, na medida das suas possibilidades, os
prejuízos que ela constatou existirem. Nada há, no acórdão recorrido ou
nas correspondências transmitidas ao consumidor, que indique que essas
medidas foram tomadas.
Não há uma
só palavra, na sentença ou no acórdão recorrido, que dê conta do
oferecimento de um plano escalonado ao consumidor. Na inicial
nada é dito. Na apelação, igualmente. O mesmo silêncio se verifica
nas contra-razões, tanto ao recurso de apelação, como ao recurso especial.
Somente no momento do julgamento deste processo, na Segunda Seção,
em esclarecimento prestado oralmente pelo advogado, já após proferido o
voto da relatora, é que a Seguradora chamou a atenção para o fato.
Compulsando
os autos, verifica-se que há apenas uma menção ao tal escalonamento de
reajustes, na página 20 da contestação (fl. 116), em nota de rodapé . Para além
disso, há apenas algumas menções genéricas, contidas nas transcrições dos
pareceres de juristas acostados aos autos. Mas não há documentos acompanhando a
contestação que mencionem, de forma detalhada, como tal escalonamento
ocorreria, tampouco a comprovação de entrega desses
esclarecimentos ao consumidor. Há apenas as propostas de adesão às
novas apólices, a fls. 218 a 224, nas quais sucintamente valores progressivos
de prêmio de seguro são incluídos, em letra miúda, ao final, sem nenhuma
explicação adicional ou destaque. E não há provas nem mesmo de que
essas propostas foram entregues ao segurado . Não há um
comprovante sequer no processo, nenhuma assinatura, nada.
Nesta sede,
o Superior Tribunal de Justiça colhe os fatos da causa conforme apreciados
pelo Tribunal a quo . O acórdão recorrido não
faz menção à colaboração da seguradora com o segurado, na decisão de
reajustar o seguro de vida. A questão foi analisada pelo Tribunal sob
um enfoque particular, com as vistas voltadas apenas para o contrato que estava
por se extinguir, e o novo contrato apresentado. Conforme disse
expressamente o relator em seu voto, "o que se discute nos autos, é a
validade ou não da rescisão praticada pela seguradora ao término da
vigência do contrato de seguro de vida com a apelada" para,
depois, complementar:
Considerando-se
que a seguradora observou o prazo de vigência da apólice (30.09.2006), e
comunicou expressamente ao autor, com antecedência superior à prevista no
contrato (julho de2006 - fls. 03) não há se falar em abusividade, nem mesmo
na obrigação da seguradora em manter o contrato da forma inicialmente
avençada. Afinal, conforme já dito, a seguradora possuía o direito de se
desinteressar pela renovação do contrato, dentro das condições nele
estipuladas
Forte nessas
razões, conheço e dou provimento ao recuso especial, para o fim de afastar
o direito da seguradora à não renovação da apólice coletiva nº 00636,
especificamente no que diz respeito ao ora recorrente. Tal apólice,
portanto, deverá ser imediatamente restabelecida, mediante o pagamento,
pelo consumidor, dos prêmios nela previstos, com as correções
contratualmente estabelecidas. Faculta-se à seguradora, para a mitigação
dos prejuízos que constatou experimentar com tal apólice, elaborar plano
de readequação, que escalone aumentos de maneira suave e ao longo de um
período amplo de tempo, sempre com prévia informação ao consumidor e disponibilizando
a ele amplo canal de contato, para esclarecimento e negociação.
Na hipótese
de o plano preparado pela seguradora já contemplar todas essas
circunstâncias, como ela alegou oralmente na Tribuna durante o julgamento,
fica-lhe facultado oferecer, novamente, o mesmo plano, para apreciação do
consumidor. Se este entender que o escalonamento não contempla seus interesses,
fica-lhe facultado discutir novamente a matéria em juízo, em ação na qual
se discutirá, especificamente, não o direito à descontinuação do contrato
de seguros, mas a adequação do plano apresentado, de acordo com os
princípios que regem os contratos relacionais, expostos neste voto.
De forma sucinta e clara, o voto explanou os principais princípios que norteiam
os contratos relacionais, transferindo o enfoque equivocado nos contratos
descontínuos, dado pelo Tribunal a quo,
para a análise correta à luz das características e princípios pertinentes aos
contratos cativos de longa duração, como os contratos de seguros, nos quais as
cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres
das partes.
Para Macedo, citado pela relatora, contratos descontínuos são impessoais,
presentificadores, e pautado numa relação essencialmente, egoísta,
individualista e instrumental.
Impessoal porque as transações se dão pela simples troca de mercadorias, não
dando nenhuma importância à qualidade das partes contratantes. Não se afere
classe ou situação social, nível de escolaridade, status, situação familiar,
bastando que a parte seja capaz de exercer direitos e contrair obrigações na
órbita jurídica.
Presentificador, na medida que todos os elementos essenciais e termos
constitutivos são determinados no presente, sem considerar qualquer alteração
futura proveniente de mudanças na vida dos contratantes, consagrando o
princípio do “pacta sunt servanda”.
As negociações são desenvolvidas numa relação de barganha onde as partes
concorrem pelo resultado que lhe seja mais favorável, deixando de lado qualquer
comportamento solidário ou cooperativo.
As principais diferenças entre os contratos relacionais e os contratos
descontínuos podem ser resumidas da seguinte maneira:
“Em primeiro
lugar, é impossível especificar completamente o contrato relacional de longa
duração em termos de preço, quantidade, qualidade e entrega, dada a sua
mutabilidade constante. Isto porquanto ele envolve elementos não facilmente
mensuráveis e visa regular situações que demandam alto grau de flexibilidade.
Em segundo lugar, dadas as contínuas mudanças no produto ou características do
serviço prestado, é impossível prever todas as contingências do futuro e
especificar os termos dos ajustes nos contratos relacionais. O contrato assume,
numa dimensão maior do que a teoria neoclássica é capaz de admitir e
incorporar, uma dimensão processual, que adquire a forma de um jogo
reflexionante que produz “in fieri” a medida de sua razoabilidade e justiça
contratual. Em substituição às cláusulas de reajuste, os contratos relacionais
incluem termos estabelecendo processos institucionais pelos quais os termos de troca e ajuste serão
especificados no curso da performance ou cumprimento contratual. Deste modo, os
contratos relacionais fazem mais do que regular a troca de mercadorias e seu
ajuste. Eles estabelecem o processo para cooperação inter organizacional no
produto ou serviço, na produção e na estruturação da forma de gerenciamento. (
Macedo,1997, p.7).
Os contratos relacionais englobam relações difíceis entre diversas partes, onde
os vínculos pessoais de solidariedade, confiança e cooperação são
determinantes. Intitulados de deveres anexos, pela relatora, eles não são
expressamente convencionadas pelas partes, mas igualmente as vincula, e
devem ser observados na fase, pré-contratual, no período de desenvolvimento e
após a rescisão do contrato.
Cooperação aqui pode ser definida como a associação com outra para benefício
mútuo ou para a divisão mútua de ônus. Cooperar é um dever de conduta de
conduta imposto às partes, para que ajam com lealdade e colaborem para que o
outro possa cumprir com suas obrigações e alcançar a satisfação contratual. É
não criar barreiras contratuais como se constata no relatório do STJ: “O
acórdão recorrido não faz menção à colaboração da seguradora com o segurado, na
decisão de reajustar o seguro de vida”. A seguradora não demonstra nenhum
interesse em manter o contrato, forçando a rescisão. Também não demonstra
solidariedade, oportunizando acesso a contratos mas condizentes com a situação
econômica do segurado: “Não há uma só palavra, na sentença ou no acórdão
recorrido, que dê conta do oferecimento de um plano escalonado ao consumidor”.
“Assim, há
dever de cooperação tanto do credor quanto do devedor para o fim comum, através
de prestações positivas, no sentido de agirem os participantes de modo
solidário para a consecução do fim obrigacional, bem como prestações negativas,
de abstenção de atos que dificultem ou impeçam esse fim. Nos contratos
relacionais, a cooperação não é efeito secundário dos deveres acessórios, mas
ela própria dever geral de conduta que transcende à prestação devida para
determinar a obrigação como um todo”. (Cesarino, 2001, p.78)
Um dever de cooperação por parte do credor, por exemplo, consiste em evitar que a
prestação se torne desnecessariamente mais onerosa para o obrigado, e
proporcionar-lhe medidas de que ele razoavelmente necessite para realizar a
prestação devida.
O conceito de solidariedade traz a noção de que existe uma justiça social
implícita nos contratos relacionais, havendo possibilidades de socialização dos
prejuízos porventura ocorridos. Ela pode ser entendida no aspecto moral
referindo-se às preocupações de umas pessoas com as outras com base em valores
ou pode estar baseada numa relação cooperativa onde as partes estão
unidas por interesses comuns.
A percepção da solidariedade numa relação contratual pressupõe a existência de
contribuições, e não oposições, no que diz respeito aos interesses envolvidos,
que devem buscar um fim comum. Descarta-se qualquer concepção individual e
egoísta dos sujeitos contratantes.
O princípio da confiança foi abalado quando a seguradora desconsiderou a relação
de 30 anos estabelecida entre as partes: “Um jovem que vem
contratando ininterruptamente o seguro de vida oferecido pela recorrida
não pode ser simplesmente abandonado quando se torna um idoso. O cidadão
que depositou sua confiança na companhia seguradora por
anos, ininterruptamente, deve ter essa confiança protegida”. A relação contratual desenvolvida por longo período de tempo tornou-o
cativo, dependente da seguradora. A rescisão do contrato representaria, na
atual circunstância a frustração de expectativas alimentadas por vários anos. O
tratamento dado ao segurado é totalmente impessoal, próprio dos contratos
descontínuos, onde nenhuma importância é conferida às parte.
A postura da seguradora demonstra também falta de transparência na condução dos
reajustes dos valores aplicados na duração do contrato: “Porém, é fundamental que se note que não é razoável imaginar que,
de um ano para o outro, a seguradora teve uma "súbita" constatação
de que amargava prejuízos em sua carteira de seguros de vida, justificando
a completa modificação do sistema anterior de forma abrupta. Há
responsabilidade da seguradora por não ter notado o desequilíbrio de
sua carteira em tempo hábil, comunicando prontamente o consumidor
e planejando, de forma escalonada, a correção das distorções”. O aumento abusivo proposto vem como consequência da falta de
planejamento da empresa que no mínimo deixou de ser transparente, informando de
forma clara e correta sobre a real situação econômica que os vincula .Como bem
mencionou a relatora os ajustes poderiam ter sido informados anualmente. A
seguradora colaboraria com o segura, ajudano a se planejar e o mesmo
colaboraria coma seguradora cobrindo os seus gastos. Faltou seriedade e
veracidade para com o segurado.
Aspecto
preocupante acerca desse planejamento flexível é visto nos contratos
relacionais de consumo, uma vez que toda essa maleabilidade pode trazer para o
consumidor uma vulnerabilidade, bem como uma posição de dominado pelo
fornecedor. Ocorre que também existe o outro lado, no qual a flexibilidade pode
ser favorável ao consumidor, desde que ele tenha um certo poder na relação.
(Cesarino , 2007 p.83)
O ajuste abrupto oferecido pela seguradora fere o
princípio da equidade, pois provoca o desequilíbrio entre as partes,
tornando-se excessivamente oneroso para o consumidor. Princípio da Equidade Contratual, do equilíbrio de
direitos e deveres nos contratos, para alcançar o equilíbrio contratual,
instituindo normas imperativas que proíbem a inserção de qualquer cláusula
abusiva, que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de
bens e serviços, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade.
As várias citações do princípio de boa-fé, pela relatora, revelam a importância
que este conceito vem ganhando na análise do comportamento adequado dos agentes
contratuais de diferentes contextos. Para Macedo este princípio tem sido a
principal norma de ligação dos princípios de cooperação, confiança e
solidariedade no direito contratual moderno.
Para a relatora a seguradora faltou com a boa-fé quando deixou de comunicar ao
segurado os prejuízos que vinha amargando: “No momento em que a Sulamérica
constatou os prejuízos que amargava com a carteira de seguros,
competir-lhe-ia agir com lealdade, com boa-fé, com solidariedade perante o
consumidor que vinha sendo seu parceiro de tantos anos.” Se no
contrato havia a previsão de reajustes, porque não fazer uso do diálogo
permanente para solucionar questões financeiras imprevisíveis, próprias dos
contratos incompletos.
A boa-fé está basicamente envolvida em dois aspectos da participação nos
contratos. Em primeiro lugar, ela permite a fusão do interesse individual
egoísta e do interesse pelo outro, o que facilita a existência de relações de
longo prazo. Em segundo lugar, ela serve como mecanismo de proteção do direito
de participação de maneira análoga aos direitos civis do cidadão. (Macedo,1997,
p.11)
“Essa rescisão da avença deve observar, como dito,
os princípios da colaboração, da boa fé e da confiança”.-- “O abandono do consumidor, nessa
situação, não pode ser tomado como medida de boa fé. Rescindir o
contrato é abandonar o consumidor, o que não é justo, moral, mostra que o
contrato se presta apenas para finalidades econômicas e individuais. Se
houvesse boa-fé por parte da seguradora ela se empenharia em manter a
continuidade das relações contratuais
“Os
elementos que evidenciam a importância da boa fé dentro da perspectiva
relacional podem ser assim sintetizados. Em primeiro lugar, a boa-fé lembra a
incompletude dos contratos, os limites da capacidade de previsão humana, os
custos e ameaças à solidariedade e as barreiras insuperáveis para a comunicação
perfeita e sem ruídos entre as partes. Em segundo lugar, ela enfatiza, valoriza
e torna juridicamente protegido o elemento de confiança, sem o qual nenhum
contrato pode operar. Em terceiro lugar, ela evidencia a natureza
participatória do contrato, que envolve comunidades de significados e práticas
sociais, linguagem, normas sociais e elementos de vinculação não promissórios”.
(Macedo, 1997, p. 10)
4 CONCLUSÃO
Os dois elementos básicos do contrato cativo de longa duração, tempo e
catividade, se impõem pela própria natureza do serviço prestado. O consumidor
quando pensa na sua saúde vislumbra uma proteção ampla, sem restrições de
tempo, até porque é com o decorrer do tempo que ele poderá vir a precisar mais
de atendimento. Então ele contrata com uma empresa do ramo na expectativa de
ter sua saúde amparada. Agora como estabelecer os critérios do contrato se com
o passar do tempo as circunstâncias que o envolvem sofrerão mudança?
Com o tempo a sociedade muda suas relações sociais, econômicas que refletirão
na relação contratual. A relatora reconhece essa necessidade de reajuste da
seguradora, apenas não admite que a solução encontrada seja a mais adequada
para ambas as partes, baseada na cooperação, confiança, solidariedade e boa-fé.
Justamente por ser uma relação complexa o melhor caminho não é o da imposição
abusiva ou da rescisão, mas o estabelecimento de regras para a solução dos
conflitos e reformulação do planejamento.
5 REFERÊNCIAS
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2008/0150187-7. Relator(a) Ministra Nancy Andrighi, DJe 29/04/2011. Disponível em:
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Acesso em 17 jun. 2012.
CESARINO, Paula Oliveira. Contratos Relacionais. Disponível em:
˂http://www.mcampos.br/posgraduacao/Mestrado/dissertacoes/2011/paulaoliveiracesarinocontratosrelacionais.pdf˃
Acesso em 17 jun. 2012.
FIUZA, César. et al. Intervenção
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GAGLIANO, Pablo Stolze. et al. Novo Curso de Direito Civil: contratos em espécie. 3. ed.rev. e
atual, São Paulo: Saraiva, 2010.
MACEDO JUNIOR, Ronaldo
Porto. Contratos Relacionais no Direito
Brasileiro. Disponível em: ˂http://www.lusa.internacional.
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RODRIGUES, Luiz Felipe Ribeiro. Os Contratos Cativos d Longa Duração e o Direito Internacional.
Equilíbrio nas Relações Contratuais com Base na Teoria dos Contratos
Incompletos. Disponível em:
˂http://www.mcampos.br/posgraduacao/Mestrado/dissertações/2011/luizfelipe
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