domingo, 11 de novembro de 2012

CONTRATOS RELACIONAIS: NOVO PARADIGMA CONTRATUAL


                                           Neucy da Silva Ciricio

Acadêmica de direito da Universidade Estadual de Roraima, 6º semestre. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Roraima. Licenciatura em Educação Cristã – Seminário Bíblico Palavra da Vida/SP. E-mail neucyciricio@hotmail.com
                                   

RESUMO

Através de uma breve análise da evolução da teoria contratual ao longo da história podemos compreender a relação direta entre  as mudanças econômicas e o conceito de contrato. A nova tipologia contratual possibilita a adaptação da circulação de riquezas em conformidade com a realidade social. A análise do contrato relacional e sua importância na seara jurídica atual será com base no relatório esclarecedor da juíza do STJ, ao dar parecer contrário ao Tribunal a quo. A distinção entre contratos descontínuos e contratos relacionais se mostra de vital importância numa sociedade de consumo, onde os contratos de massa predominam. Uma vez que nos contratos relacionais não é possível o estabelecimento de todos os termos de antemão, se faz necessário entender como a renegociação, com base na solidariedade, cooperação, confiança e boa-fé, pode produzir um relacionamento equilibrado entre as partes.

Palavras Chaves: Contrato relacional. Contrato descontínuo. Cooperação. Solidariedade. Confiança. Boa - fé.


 1 INTRODUÇÃO


            A mudança de paradigmas no direito contratual tem sido uma constante ao longo dos séculos. A concepção clássica de contrato, de equilíbrio contratual decorrente puramente da liberdade e do consenso, sofreu profunda mudança em decorrência da dinamicidade das relações econômicas presente na sociedade contemporânea. As mudanças têm sido de tal envergadura que alguns sustentam que ocorreu a crise e a morte do direito contratual.

A compreensão dos contratos relacionais, suas características, princípios e como ele opera, revela. Eles estão presentes na sociedade como mola propulsora das relações jurídicas negociais e que o contrato continua sendo um instrumento eficaz de circulação de riquezas.seus novos conceitos e como eles, já existem na sociedade e vêm alterando a sistemática da doutrina contratual.

Para tanto, abordarei, de forma sucinta, o caminho percorrido pela doutrina contratual no decorrer da história, enfocando suas principais épocas como Idade Média, Revolução francesa, etc. Na sequência, farei uma abordagem objetiva dos aspectos determinantes dos contratos cativos de longa duração (contratos relacionais), destacando suas diferenças com os contratos descontínuos. Por fim, citarei um recurso especial como exemplo da relevância da compreensão desses contratos para a solução dos litígios na esfera contratual.


2  EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO

 
            O contrato é instrumento de conciliação social e ao mesmo tempo poderoso instrumento de circulação das riquezas. Estudando o desenvolvimento da sociedade, das suas formas de relacionamento, social, cultural e econômico, depreende-se sua extrema importância.

            Historicamente não se pode precisar o seu exato surgimento. Para a maioria dos doutrinadores seu surgimento, como negócio jurídico, se dá no Direito Romano, do que discorda veementemente Pablo Stolze Gagliano:

O fato de o Direito Romano ter sido a principal fonte histórica dos sistemas jurídicos ocidentais não significa que todos os institutos hodiernamente conhecidos tenham sido forjados, pela primeira vez na história da humanidade, em seus cadinhos de normas. (Gagliano, 2009, p.3). 

            Pode não haver consenso quanto a origem do contrato, mas o Direito Romano é a mais importante fonte histórica do Direito nos países ocidentais, assim como grande parte de institutos e princípios do Direito Civil. Os romanos determinaram a base para a formação dos princípios fundamentais do Direito Contratual. O termo contrato, no mais antigo Direito Romano, era entendido como o ato pelo qual o credor submetia o devedor a seu poder, em virtude do inadimplemento de uma obrigação.  O contrato exigia fórmulas rígidas e ritos formais para sua validade. Para a formação da obrigação contratual, não bastava o acordo de vontade das partes sobre um determinado objeto, sendo imprescindível a observância da forma consagrada.

            Na Idade Média, sob forte e determinante domínio da igreja a manifestação da vontade imprime obrigatoriedade ao contrato. Declarar a vontade e de forma consensual assumir obrigações assumia a força de um juramento perante Deus. Quebrar um contrato não ofendia apenas a outra parte, mas a Deus.  “A fé jurada era o respeito à palavra dada, que imprimia princípios basilares da Teoria Contratual Clássica, tais com como o da força obrigatória dos contratos, do consensualismo, da autonomia da vontade.” (Cesarino, 2007, p.15).

            É no séc. XVIII, com o advento da Revolução Francesa, e com o rompimento do antigo regime monárquico, que os homens se sentem livres para negociar. Deus não é mais o centro do universo, mas o homem. A sua vontade imprime direcionamento ao curso da sociedade, fazendo surgir uma nova ordem econômica e social, denominada liberalismo que propõe a livre movimentação das riquezas na sociedade. Uma vez que o contrato é o instrumento colocado à disposição pelo direito para que esta movimentação aconteça, defende-se a necessidade da liberdade contratual.

            Nesse novo Estado Liberal são os três elementos básicos que o caracterizam: o individualismo, calcado na visão antropocêntrica; a propriedade, direito fundamental, incondicionado, ilimitado e irrestrito, “direito sagrado”; e a liberdade, conquista da luta social e política com o fim de alcançar a liberdade econômica,.

            Essa nova realidade socioeconômica deixa o homem livre para firmar contratos, escolher com quem contratar e o que contratar. A liberdade de contratar baseado na vontade livre, ampla e irrestrita, dá aos contratos a força obrigatória do “pacta sunt servanda”. O pacto firmado, baseado na livre negociação, só interessava as partes que se comprometiam em cumprir suas obrigações, não importando se o resultado seria justo para ambos.

            O Estado deveria intervir o mínimo possível, agindo apenas quando a execução da obrigação, porventura, não fosse cumprida. A função das leis era tão somente proteger a vontade criadora e assegurar a realização dos efeitos pretendidos pelos contratantes.

            A liberdade plena e absoluta dos indivíduos acaba gerando “ ...desequilíbrios sociais, somente contornados pelo dirigismo contratual  do séc. XX, reflexo dos movimentos sociais desencadeados na Europa Ocidental e que recolocariam o homem na sociedade...” (Stolzer, 2009, p.4).

            Diante dos desajustes sociais criado pela liberdade contratual, o Estado se viu obrigado a repensar seu papel de atuação nas relações econômicas, deixando para trás o estigma de ser um mal necessário e intervindo em socorro dos bons costumes e da ordem econômica, seja aplicando leis que estabeleçam restrições ao princípio da vontade em benefício do interesse coletivo, seja com a adoção de uma intervenção judicial na economia do contrato. O resultado é a política conhecida como dirigismo contratual ou intervencionismo estatal.

            O liberalismo e o individualismo presentes no Estado Liberal mostrou-se prejudicial as relações econômicas. A abstenção do Estado produziu uma sociedade injusta. O interesse social ficou a mercê dos interesses privados.

“Se o Estado se abstiver, como recomenda o laissez-faire, nenhum poder existirá para conter o excesso dos indivíduos em relação ao grupo e a outros indivíduos, e dos grupos em relação a outros grupos e em relação aos indivíduos”. (Fiúza, Coutinho, 2009, p.5)
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            As mudanças sociais, políticas e econômicas provocadas pela Revolução Industrial revelaram a profunda desigualdade nas relações contratuais. Os  interesses particulares de uma classe, economicamente dominante se sobressaem em relação ao interesse geral da sociedade. O direito, baseado no sistema Liberal, já não possuía um conjunto de leis apropriadas para cuidar dos novos problemas, como a exploração do trabalho humano de forma ampla e brutal, o que acabou causando desastrosas conseqüências.

            A nova classe operária contratada em massa pelas indústrias, submetia-se a condições desumanas de vida e de trabalho, gerando profunda desigualdade social. Os homens puderam, então, constatar que as liberdades ainda desacompanhadas da seguridade social, dos direitos laborais e econômicos, como o direito ao trabalho e ao salário justo, e direitos de ordem cultural, como a educação, trouxeram várias injustiças às pessoas.

            O Estado Social surge então para resguardar os direitos coletivos ante o direito individual da autonomia da vontade. “O Estado Social é aquele que, além dos  direitos individuais, assegura os direitos sociais, sendo obrigado a ações positivas para realizar o desenvolvimento e a justiça social.” (Weida Zancaner, aput , Cesarino, 2007, p.27).

            O Estado intervém na sociedade para garantir os direitos sociais, econômicos e culturais da coletividade. Os direitos sociais passam a nortear os direitos individuais. O Estado Social se consolida nas constituições democráticas garantidoras de direitos. Ao cidadão deve ser outorgado o mínimo de liberdade de escolha e igualdade de oportunidades para que possa viver de forma digna. O mais forte economicamente impulsionado pela livre iniciativa e concorrência desenfreada, não pode ver a sociedade apenas como ambiente de captação de mão de obra e mercado de consumo. Ao Estado cabe intervir nas relações  de forma positiva a fim de defender as  condições de vida e trabalho da população  explorada, oferecer proteção jurídica especial as parcelas da sociedade que, ao longo da história, figuram em situação de desvantagem.

            Essas mudanças sociais e políticas refletiram diretamente nas práticas contratuais, já que os contratos representam um poderoso instrumento de circulação de riqueza e pacificação social.

“...o contrato sofreu sensível transformação ao longo do séc. XX, havendo experimentado um inegável processo de solidarização social, adaptando-se à sociedade de massa que se formava. Com isso, temos, que especialmente nos últimos cinquenta anos, com o incremento da atividade industrial, o avanço tecnológico e o aquecimento dos mercados de consumo, o princípio da igualdade formal entra as partes contratantes – baluarte da teoria clássica contratual  e que sempre serviu de lastro à regra (até então absoluta) do pacta sunt servanda – começou a enfraquecer, descortinando falhas no sistema social, e, sobretudo, afigurando-se em muitos casos, como uma regra flagrantemente injusta. (Gagliano, 2009, p.6)

            O princípio da igualdade passou a ser considerado como uma igualdade substancial, real, e não mais se satisfazia com uma simples igualdade formal entre as partes. As pessoas passam a ser iguais perante a lei na medida das suas desigualdades.

             A liberdade contratual apoiada no princípio da autonomia da vontade e no cumprimento irrestrito daquilo que foi acordado, cede espaço para a ideia de reciprocidade e equilíbrio no sentido de que não significa mais apenas a contraprestação formal, mas sim, uma certa equivalência substancial entre a prestação e a contraprestação das partes contratantes.  

            Hoje temos a sociedade de massa, caracterizada pela produção em massa, consumo em massa e o crédito circulando no mercado, sendo oferecido o tempo todo. Obviamente que essa produção e esse consumo em massa se deram muito em função das sucessivas revoluções industriais e do avanço tecnológico.

            A massificação das relações contratuais, resultado da concentração industrial, da massificação das comunicações e da globalização. Exigiu do Estado a adoção de uma nova política, conhecida como dirigismo contratual, aplicando  leis de ordem pública, que estabelecessem restrições ao princípio da vontade em benefício do interesse coletivo, e adotando intervenção judicial,alterando o contrato e contendo seus efeitos, com o fim de liberar o contratante lesado.

            Esses fenômenos de massificação das cidades, das fábricas, com a produção em série, das relações de trabalho e de consumo, exigiram a comercialização, também em massa, dos produtos. Deste modo, a contratação perde o caráter de livre negociação para ganhar caráter geral e impessoal (são dirigidos a todos indistintamente). As empresas se vêem obrigadas a racionalizar custos e acelerar os negócios: daí as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão.

“...modalidade contratual forjada no início do século XX, e cuja especial característica consistiria exatamente no fato de apenas uma das partes ditar o conteúdo, redigindo as suas cláusulas, impondo-se a outra, portanto, aceitar ou não a proposta que lhe fora apresentada”. (Gagliano, 2009, p. 6).

O contrato de adesão é uma modalidade dos contratos de massa, com cláusulas pré-estabelecidas por uma das partes e nos quais resta às outras partes, quaisquer que sejam, apenas aderir para que haja uma rapidez nas relações comerciais e econômicas. 

“As características dos contratos de adesão são a uniformidade, ou seja, são cláusulas de caráter geral para   um número indeterminado de pessoas, e é o mesmo contrato para todos os seus usuários; há uma pré-determinação, pois uma das partes estabelece previamente o conteúdo do contrato; a rigidez se faz presente tendo em vista a dificuldade quanto à alteração do contrato, não havendo discussão, negociação, nem alteração, salvo se o fornecedor desejar; e ocorre a simples aceitação, mera adesão do cliente, caso queira”. (Cesarino, 2007, p.39).

            Os contratos paritários, em que um contratante conhecia o outro, negociavam as cláusulas até chegarem ao consenso baseado no acordo de vontades, cede espaço, ou quase desaparece, frente a predominância do contrário de adesão onde o aderente se vê obrigado a aceitar as condições impostas pelo  estipulante.

            Apesar de os contratos de adesão servirem aos interesses daqueles que detêm o poder econômico sua função é de extrema importância na vida de inúmeras pessoas, pois, traz agilidade e segurança as negociações.

“...o contrato de adesão, desde que concebido segundo o superior princípio da função social, e pactuado em atenção ao mandamento constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana, é um instrumento de contratação socialmente necessário e economicamente útil,...”(Gagliano, 2009, p.7).

            As críticas a esse tipo de contrato estão direcionadas à maneira abusiva com que tem sido usada nas relações contratuais de forma a beneficiar os estipulantes, deixando os aderentes a mercê das cláusulas abusivas, geralmente implícitas nos contratos.  

            O contrato de adesão tem correspondido aos anseios  da sociedade consumista e imediatista. A notória desigualdade material entre aqueles que contratam tem revelado a necessidade de se apresentar caminhos que favoreçam a manifestação de forma livre e consciente. Retomar a visão de equilíbrio contratual diante da dinamicidade das relações econômicas presente na sociedade contemporânea tem sido um grande desafio para a teoria geral dos contratos.

            Os contratos como instrumentos de ordenação dos mercados precisam constantemente de adaptação a realidade econômica para que continue cumprindo seu papel de manter o equilíbrio desejado e necessário à eficiente circulação de riquezas inerente à ideia de contrato, sendo, para isso, necessários instrumentos para sua imposição ou manutenção. 

            A resposta, no campo jurídico, a essas mudanças econômicas geradas pela globalização, o desenvolvimento tecnológico, a flexibilização das relações econômicas, são os contratos ditos relacionais.
           
3  CONTRATOS RELACIONAIS

A substituição da sociedade de consumo de bens por uma sociedade de serviços foi uma das mais importantes repercussões geradas pelas transformações no mercado de consumo, ou seja, cada vez mais o mercado de consumo é um mercado de serviços.

            Os contratos de consumo começam a tomar proporções cada vez mais amplas. Tal fenômeno, por sua vez, conduz a modificações visíveis na prática contratual num mundo globalizado.

No sistema contratual, o maior vestígio dessas modificações é o surgimento dos contratos ditos relacionais, ou de longa duração. A doutrina também chamando esta forma de contratação de contratos cativos de longa duração.

“Nas últimas décadas, porém, pode-se dizer que novas formas de contratação em massa, surgiram, tendo como objeto contratual, o acesso a bens imateriais e, principalmente, a serviços da mais variada ordem, correspondendo este objeto a valores como segurança, lazer, status, saúde, educação, moradia e crédito, que são considerados não só úteis, mas essenciais para seus destinatários que são instados a aderir a estes pactos por meio de fortes campanhas de publicidade, ficando a partir daí, vinculados àquele contrato por longos anos”. (Rodrigues, 2010.p.30)    

            A atual sociedade vive uma relação de consumo de massa cada vez mais voltada para o fornecimento de serviços. Uma das marcas desta nova sociedade de serviços é certamente a ampliação da natureza dos contratos de consumo em relação aos contratos descontínuos.

            Os contratos relacionais são de longa duração, pois regulam relações contínuas e duradouras, onde os termos da troca são cada vez mais abertos, e cativos porque prendem seus clientes através de fortes campanhas de propaganda.

            Luiz Felipe Ribeiro citando Cláudia Lima Marques (2010), lembra que a catividade, elemento essencial deste modelo, deve “ser entendida no contexto do mundo atual, de indução ao consumo de bens materiais ou imateriais, de publicidade massiva e métodos agressivos de “marketing”, de graves e renovados riscos na vida em sociedade e de grande insegurança quanto ao seu futuro”. (Ribeiro; Marques 2002, apud Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2010)

            Dois elementos essenciais compõem esta nova forma de contrato, o tempo e a catividade, sendo este o diferencial, já que contratos de longa duração, como o de seguro, já existem na relação contratual.


            3.1 ESTRUTURA


                   a) Fornecimento de serviço -  O objeto dos contratos de massa são os serviços colocados à disposição da sociedade tanto pela iniciativa privada como pelo poder público. Sendo este tanto fornecedor, como consumidor. Notadamente, é a prestação de um serviço, cuja execução será protraída no decurso de tempo, havendo pagamento de contraprestações periódicas pelo consumidor que se torna o consumidor  dependente de tais serviços. 

             b) Longa duração – tempo. Os contratos de longa duração são comuns na sistemática contratual. O tempo integra os contratos de execução continuada e de execução periódica, sendo nos dois a prestação realizada de forma prolongada no tempo. Essa forma de contratar faz com que se prolongue no tempo a relação jurídica entre as partes. Em face desta característica, alguns aspectos são extremamente relevantes: irretroatividade dos efeitos já produzidos; as obrigações das partes são renovadas sucessivamente sem que seja modificado seu conteúdo, porquanto seja a longa duração contratual interessante para ambos. O tempo é extremamente importante para esses contratos, pois permite que o fornecedor faça captação de recursos suficientes e o consumidor goze dos serviços prestados a seu favor por um período seguro de tempo, gerando um longo processo de convivência entre os contratantes. 

“Este aspecto, contudo, traz à tona os problemas que o transcurso do tempo pode causar, refletindo na duração útil e justa do vínculo contratual. Não há dúvidas que qualquer contrato se forma e se desenvolve para ser equilibrado, buscando-se, sempre, na medida do possível uma equivalência entre as prestações ajustadas, seja na gênese do pacto ou no momento de sua execução. Ocorre que, pactos de longa duração estão sujeitos a eventuais mudanças das circunstâncias o que acaba por se exigir um constante dever de readaptação e renegociação pelas partes para se manter o equilíbrio e até a subsistência do contrato.(Rodrigues, 2010, p.35)

            Cabe então aos contratantes encontrar um modelo que propicie as constantes renegociações necessárias em uma relação de consumo. As soluções para a manutenção do contrato devem se basear, sempre na cooperação, lealdade e solidariedade que  vão integrar a relação em toda a sua duração.
                        c) Catividade - dependência. Nesse tipo de contrato a relação de dependência é do consumidor frente ao fornecedor. A catividade surge inicialmente antes da formação do contrato, quando através das técnicas de marketing o fornecedor tenta de forma incisiva convencer o consumidor da necessidade de adquirir o produto, de contratar. Posteriormente, o momento de execução dessas práticas é cuidadosamente escolhido, visando chegar ao consumidor quando este se encontra despreparado para resistir às tentações típicas da atual sociedade de consumo.

            A catividade, portanto, tem este caráter de dependência, porque atinge a vontade do consumidor, oferecendo serviços de fundamental importância 

que fazem parte da vida cotidiana contemporânea. Vendem a idéia de que um futuro seguro é ter acesso a esses serviços através dos contratos de seguro e planos de saúde, de assistência médica hospitalar, de previdência privada, de cartão de crédito, de serviços de telefone, televisão a cabo, internet, além de serviços públicos básicos como de fornecimento de água, luz e telefone.  

            Este caráter de essencialidade é suscitado em decisões jurisprudenciais que reconhecem a impossibilidade de rompimento do vínculo contratual, em razão da situação de dependência do consumidor, como no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA:DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADOININTERRUPTAMENTE POR DIVERSOS ANOS. CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS PELASEGURADORA, MEDIANTE A ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO ATUARIAL.NOTIFICAÇÃO, DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA INTENÇÃO DA SEGURADORA DENÃO RENOVAR O CONTRATO, OFERECENDO-SE A ELE DIVERSAS OPÇÕES DE NOVOSSEGUROS, TODAS MAIS ONEROSAS. CONTRATOS RELACIONAIS. DIREITOS EDEVERES ANEXOS. LEALDADE, COOPERAÇÃO, PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA FÉOBJETIVA. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO NOS TERMOS ORIGINALMENTEPREVISTOS. RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO,PELA SEGURADORA, MEDIANTE A APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSOCRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS SÃO APRESENTADOS DE MANEIRA SUAVE EESCALONADA.
                                   IV - Solução da controvérsia: contratos relacionais
O Tribunal de origem entendeu ser possível a rescisão do contrato sub judice , considerando não haver qualquer abusividade na cláusula que a prevê mediante prévia notificação. Para chegar a esse resultado, os julgadores estabeleceram os seguintes pressupostos:
Considerando que o contrato de seguro, como o que aqui se discute, é oneroso e sinalagmático e, portanto, gera direitos e obrigações para ambas as partes. Considerando, ainda, a documentação que instrui o presente, constituindo-se fato incontroverso que o autor/apelante fora notificado de que a seguradora, em razão do termo final de vigência da apólice em 30/09/2006 (fls. 31), levando-se em conta os estudos efetivados através do denominado "programa de readequação da carteira de seguros de pessoas", e a conclusão de que a proposta de substituição do seu seguro atual por uma das opções sugeridas pela seguradora, ocorre em função do atual contexto econômico e legal, que é avesso à manutenção de produtos sem atualização monetária ou cláusula de reenquadramento do prêmio de acordo com a faixa etária do segurado - alteração dos riscos pode motivar a recusa do segurador (art. 769 CC). E, considerando que não houve aceitação das novas propostas pelo segurado, não se pode, em princípio, impor a uma das partes, que se mantenham os termos primitivos do contrato.
Todo esse raciocínio, em que pese ser coerente tendo em vista os pressupostos de que parte, acaba por desconsiderar um dado fundamental desta controvérsia. O contrato sub judice não pode, em hipótese alguma, ser analisado isoladamente, como um acordo de vontades voltado ao estabelecimento de obrigações recíprocas por um período fixo, com faculdade de não renovação. Essa ideia, identificada com o que Ronaldo Porto Macedo Jr. chamou de "contratos descontínuos", põe de lado a percepção fundamental de que qualquer contrato de seguro oferecido ao consumidor, notadamente por um longo período ininterrupto de tempo, integra o rol de contratos que a doutrina mais autorizada convencionou chamar de contratos relacionais (MACEDO JR, Ronaldo Porto,Contratos Relacionais e defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo: Editora RT, 2007), ou contratos cativos de longa duração (MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 5ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2005).
Nesses contratos, para além das cláusulas e disposições expressamente convencionadas pelas partes e introduzidas no instrumento contratual, também é fundamental reconhecer a existência de deveres anexos , que não se encontram expressamente previstos mas que igualmente vinculam as partes e devem ser observados. Trata-se da necessidade de observância dos postulados da cooperação, solidariedade, boa-fé objetiva e proteção da confiança , que deve estar presente, não apenas durante período de desenvolvimento da relação contratual, mas também na fase pré-contratual e após a rescisão da avença. A proteção especial que deve ser conferida aos contratos relacionais nasce da percepção de que eles "vinculam o consumidor de tal forma que, ao longo dos anos de duração da relação contratual complexa, torna-se este cliente cativo daquele fornecedor ou cadeia de fornecedores, tornando-se dependente mesmo da manutenção daquela relação contratual ou tendo frustradas todas as suas expectativas. Em outras palavras, para manter o vínculo com o fornecedor aceitará facilmente qualquer nova imposição por este desejada" (fls. 102/3).
Não é difícil enxergar que um contrato de seguro de vida que vem sendo renovado por trinta anos, inicialmente na modalidade individual, e depois como seguro em grupo, não pode ser interpretado como se meramente derivasse de contratos isolados, todos com duração de um ano. Os diversos contratos renovados não são estanques, não estão compartimentalizados. Trata-se, na verdade, de uma única relação jurídica, desenvolvida mediante a celebração de diversos contratos, cada um deles como a extensão do outro. Essa constatação prejudica de maneira incontornável o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo , de que a mera notificação com trinta dias de antecedência para o termo do contrato anual é suficiente para justificar sua não renovação. Se analisarmos todos os contratos conjuntamente, notaremos que a notificação referida, na verdade, não transmite a intenção de não renovação de um vínculo anual, mas sim a intenção de rescindir o vínculo continuado, que ininterruptamente vinha se mantendo até então. Essa mudança de enfoque do problema é fundamental porque onde se via, antes, uma mera negativa de renovação, enxerga-se, agora, uma efetiva rescisão.
Essa rescisão da avença deve observar, como dito, os princípios da colaboração, da boa fé e da confiança. Um jovem que vem contratando ininterruptamente o seguro de vida oferecido pela recorrida não pode ser simplesmente abandonado quando se torna um idoso. O cidadão que depositou sua confiança na companhia seguradora por anos, ininterruptamente, deve ter essa confiança protegida. O abandono do consumidor, nessa situação, não pode ser tomado como medida de boa fé.
Há, naturalmente, a contrapartida. Não se pode exigir, indistintamente, que a seguradora permaneça amargando prejuízos para a manutenção do vínculo contratual. A colaboração que deve orientar a relação entre o consumidor e a seguradora deve produzir seus efeitos para ambos, de modo que o consumidor também deve colaborar com a seguradora.
Porém, é fundamental que se note que não é razoável imaginar que, de um ano para o outro, a seguradora teve uma "súbita" constatação de que amargava prejuízos em sua carteira de seguros de vida, justificando a completa modificação do sistema anterior de forma abrupta. Há responsabilidade da seguradora por não ter notado o desequilíbrio de sua carteira em tempo hábil, comunicando prontamente o consumidor e planejando, de forma escalonada, a correção das distorções.
Assim, o que se evidencia pela análise do processo é a completa falta de segurança quanto às informações que necessariamente deveriam ter sido prestadas ao consumidor. Não se sabe o que ele recebeu, quando ele recebeu, ou como ele recebeu. Os documentos apresentados pela seguradora não trazem absolutamente nenhuma luz ao processo quanto este aspecto.
Não obstante isso, tão ou mais importante que antecedência da comunicação do consumidor acerca das novas regras para o contrato de seguro de vida, seria o procedimento a ser adotado para que as modificações fossem promovidas . No momento em que a Sulamérica constatou os prejuízos que amargava com a carteira de seguros, competir-lhe-ia agir com lealdade, com boa-fé, com solidariedade perante o consumidor que vinha sendo seu parceiro de tantos anos.
Os indispensáveis aumentos no prêmio do seguro, ou as fundamentais reduções de cobertura, além de ser informados ao consumidor com grande antecedência, deveriam ser promovidos num processo escalonado e lento, ano a ano, seguindo um extenso cronograma prévio, a respeito do qual o consumidor tem de estar plenamente ciente . Com isso, a seguradora colaboraria com o consumidor, que poderia se planejar, se preparar para as mudanças que, ao longo do tempo, seu contrato experimentaria, e o consumidor, por sua vez, também colaboraria com a seguradora, cobrindo, na medida das suas possibilidades, os prejuízos que ela constatou existirem. Nada há, no acórdão recorrido ou nas correspondências transmitidas ao consumidor, que indique que essas medidas foram tomadas.
Não há uma só palavra, na sentença ou no acórdão recorrido, que dê conta do oferecimento de um plano escalonado ao consumidor. Na inicial nada é dito. Na apelação, igualmente. O mesmo silêncio se verifica nas contra-razões, tanto ao recurso de apelação, como ao recurso especial. Somente no momento do julgamento deste processo, na Segunda Seção, em esclarecimento prestado oralmente pelo advogado, já após proferido o voto da relatora, é que a Seguradora chamou a atenção para o fato.
Compulsando os autos, verifica-se que há apenas uma menção ao tal escalonamento de reajustes, na página 20 da contestação (fl. 116), em nota de rodapé . Para além disso, há apenas algumas menções genéricas, contidas nas transcrições dos pareceres de juristas acostados aos autos. Mas não há documentos acompanhando a contestação que mencionem, de forma detalhada, como tal escalonamento ocorreria, tampouco a comprovação de entrega desses esclarecimentos ao consumidor. Há apenas as propostas de adesão às novas apólices, a fls. 218 a 224, nas quais sucintamente valores progressivos de prêmio de seguro são incluídos, em letra miúda, ao final, sem nenhuma explicação adicional ou destaque. E não há provas nem mesmo de que essas propostas foram entregues ao segurado . Não há um comprovante sequer no processo, nenhuma assinatura, nada.
Nesta sede, o Superior Tribunal de Justiça colhe os fatos da causa conforme apreciados pelo Tribunal a quo . O acórdão recorrido não faz menção à colaboração da seguradora com o segurado, na decisão de reajustar o seguro de vida. A questão foi analisada pelo Tribunal sob um enfoque particular, com as vistas voltadas apenas para o contrato que estava por se extinguir, e o novo contrato apresentado. Conforme disse expressamente o relator em seu voto, "o que se discute nos autos, é a validade ou não da rescisão praticada pela seguradora ao término da vigência do contrato de seguro de vida com a apelada" para, depois, complementar:
Considerando-se que a seguradora observou o prazo de vigência da apólice (30.09.2006), e comunicou expressamente ao autor, com antecedência superior à prevista no contrato (julho de2006 - fls. 03) não há se falar em abusividade, nem mesmo na obrigação da seguradora em manter o contrato da forma inicialmente avençada. Afinal, conforme já dito, a seguradora possuía o direito de se desinteressar pela renovação do contrato, dentro das condições nele estipuladas
Forte nessas razões, conheço e dou provimento ao recuso especial, para o fim de afastar o direito da seguradora à não renovação da apólice coletiva nº 00636, especificamente no que diz respeito ao ora recorrente. Tal apólice, portanto, deverá ser imediatamente restabelecida, mediante o pagamento, pelo consumidor, dos prêmios nela previstos, com as correções contratualmente estabelecidas. Faculta-se à seguradora, para a mitigação dos prejuízos que constatou experimentar com tal apólice, elaborar plano de readequação, que escalone aumentos de maneira suave e ao longo de um período amplo de tempo, sempre com prévia informação ao consumidor e disponibilizando a ele amplo canal de contato, para esclarecimento e negociação.
Na hipótese de o plano preparado pela seguradora já contemplar todas essas circunstâncias, como ela alegou oralmente na Tribuna durante o julgamento, fica-lhe facultado oferecer, novamente, o mesmo plano, para apreciação do consumidor. Se este entender que o escalonamento não contempla seus interesses, fica-lhe facultado discutir novamente a matéria em juízo, em ação na qual se discutirá, especificamente, não o direito à descontinuação do contrato de seguros, mas a adequação do plano apresentado, de acordo com os princípios que regem os contratos relacionais, expostos neste voto.

            De forma sucinta e clara, o voto explanou os principais princípios que norteiam os contratos relacionais, transferindo o enfoque equivocado nos contratos descontínuos, dado pelo Tribunal a quo, para a análise correta à luz das características e princípios pertinentes aos contratos cativos de longa duração, como os contratos de seguros, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes. 

            Para Macedo, citado pela relatora, contratos descontínuos são impessoais, presentificadores, e pautado numa relação essencialmente, egoísta, individualista e instrumental.

            Impessoal porque as transações se dão pela simples troca de mercadorias, não dando nenhuma importância à qualidade das partes contratantes. Não se afere classe ou situação social, nível de escolaridade, status, situação familiar, bastando que a parte seja capaz de exercer direitos e contrair obrigações na órbita jurídica. 

            Presentificador, na medida que todos os elementos  essenciais e termos constitutivos são determinados no presente, sem considerar qualquer alteração futura proveniente de mudanças na vida dos contratantes, consagrando o princípio do “pacta sunt servanda”.

            As negociações são desenvolvidas numa relação de barganha onde as partes concorrem pelo resultado que lhe seja mais favorável, deixando de lado qualquer comportamento solidário ou cooperativo.

            As principais diferenças entre os contratos relacionais e os contratos descontínuos podem ser resumidas da seguinte maneira:
          
“Em primeiro lugar, é impossível especificar completamente o contrato relacional de longa duração em termos de preço, quantidade, qualidade e entrega, dada a sua mutabilidade constante. Isto porquanto ele envolve elementos não facilmente mensuráveis e visa regular situações que demandam alto grau de flexibilidade. Em segundo lugar, dadas as contínuas mudanças no produto ou características do serviço prestado, é impossível prever todas as contingências do futuro e especificar os termos dos ajustes nos contratos relacionais. O contrato assume, numa dimensão maior do que a teoria neoclássica é capaz de admitir e incorporar, uma dimensão processual, que adquire a forma de um jogo reflexionante que produz “in fieri” a medida de sua razoabilidade e justiça contratual. Em substituição às cláusulas de reajuste, os contratos relacionais incluem termos estabelecendo processos institucionais pelos quais os termos de troca e ajuste serão especificados no curso da performance ou cumprimento contratual. Deste modo, os contratos relacionais fazem mais do que regular a troca de mercadorias e seu ajuste. Eles estabelecem o processo para cooperação inter organizacional no produto ou serviço, na produção e na estruturação da forma de gerenciamento. ( Macedo,1997, p.7).

            Os contratos relacionais englobam relações difíceis entre diversas partes, onde os vínculos pessoais de solidariedade, confiança e cooperação são determinantes. Intitulados de deveres anexos, pela relatora, eles não são  expressamente convencionadas pelas partes, mas igualmente as vincula, e  devem ser observados na fase, pré-contratual, no período de desenvolvimento e após a rescisão do contrato. 

            Cooperação aqui pode ser definida como a associação com outra para benefício mútuo ou para a divisão mútua de ônus. Cooperar é um dever de conduta de conduta imposto às partes, para que ajam com lealdade e colaborem para que o outro possa cumprir com suas obrigações e alcançar a satisfação contratual. É não criar barreiras contratuais como se constata no relatório do STJ: “O acórdão recorrido não faz menção à colaboração da seguradora com o segurado, na decisão de reajustar o seguro de vida”. A seguradora não demonstra nenhum interesse em manter o contrato, forçando a rescisão. Também não demonstra solidariedade, oportunizando acesso a contratos mas condizentes com a situação econômica do segurado: “Não há uma só palavra, na sentença ou no acórdão recorrido, que dê conta do oferecimento de um plano escalonado ao consumidor”.

“Assim, há dever de cooperação tanto do credor quanto do devedor para o fim comum, através de prestações positivas, no sentido de agirem os participantes de modo solidário para a consecução do fim obrigacional, bem como prestações negativas, de abstenção de atos que dificultem ou impeçam esse fim. Nos contratos relacionais, a cooperação não é efeito secundário dos deveres acessórios, mas ela própria dever geral de conduta que transcende à prestação devida para determinar a obrigação como um todo”. (Cesarino, 2001, p.78)

            Um dever de cooperação por parte do credor, por exemplo, consiste em evitar que a prestação se torne desnecessariamente mais onerosa para o obrigado, e proporcionar-lhe medidas de que ele razoavelmente necessite para realizar a prestação devida.

            O conceito de solidariedade traz a noção de que existe uma justiça social implícita nos contratos relacionais, havendo possibilidades de socialização dos prejuízos porventura ocorridos. Ela pode ser entendida no aspecto moral referindo-se às preocupações de umas pessoas com as outras com base em valores ou  pode estar baseada numa relação cooperativa  onde as partes estão unidas por interesses comuns.

            A percepção da solidariedade numa relação contratual pressupõe a existência de contribuições, e não oposições, no que diz respeito aos interesses envolvidos, que devem buscar um fim comum. Descarta-se qualquer concepção individual e egoísta dos sujeitos contratantes. 

            O princípio da confiança foi abalado quando a seguradora desconsiderou a relação de 30 anos estabelecida entre as partes: “Um jovem que vem contratando ininterruptamente o seguro de vida oferecido pela recorrida não pode ser simplesmente abandonado quando se torna um idoso. O cidadão que depositou sua confiança na companhia seguradora por anos, ininterruptamente, deve ter essa confiança protegida”. A relação contratual desenvolvida por longo período de tempo tornou-o cativo, dependente da seguradora. A rescisão do contrato representaria, na atual circunstância a frustração de expectativas alimentadas por vários anos. O tratamento dado ao segurado é totalmente impessoal, próprio dos contratos descontínuos, onde nenhuma importância é conferida às parte.

            A postura da seguradora demonstra também falta de transparência na condução dos reajustes dos valores aplicados na duração do contrato: “Porém, é fundamental que se note que não é razoável imaginar que, de um ano para o outro, a seguradora teve uma "súbita" constatação de que amargava prejuízos em sua carteira de seguros de vida, justificando a completa modificação do sistema anterior de forma abrupta. Há responsabilidade da seguradora por não ter notado o desequilíbrio de sua carteira em tempo hábil, comunicando prontamente o consumidor e planejando, de forma escalonada, a correção das distorções”.  O aumento abusivo proposto vem como consequência da falta de planejamento da empresa que no mínimo deixou de ser transparente, informando de forma clara e correta sobre a real situação econômica que os vincula .Como bem mencionou a relatora os ajustes poderiam ter sido informados anualmente. A seguradora colaboraria com o segura, ajudano a se planejar e o mesmo colaboraria coma seguradora cobrindo os seus gastos.  Faltou seriedade e veracidade para com o segurado.

Aspecto preocupante acerca desse planejamento flexível é visto nos contratos relacionais de consumo, uma vez que toda essa maleabilidade pode trazer para o consumidor uma vulnerabilidade, bem como uma posição de dominado pelo fornecedor. Ocorre que também existe o outro lado, no qual a flexibilidade pode ser favorável ao consumidor, desde que ele tenha um certo poder na relação. (Cesarino , 2007 p.83)

            O ajuste abrupto oferecido pela seguradora fere o princípio da equidade, pois provoca o desequilíbrio entre as partes, tornando-se excessivamente oneroso para o consumidor. Princípio da Equidade Contratual, do equilíbrio de direitos e deveres nos contratos, para alcançar o equilíbrio contratual, instituindo normas imperativas que proíbem a inserção de qualquer cláusula abusiva, que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade.

            As várias citações do princípio de boa-fé, pela relatora, revelam a importância que este conceito vem ganhando na análise do comportamento adequado dos agentes contratuais de diferentes contextos. Para Macedo este princípio tem sido a principal norma de ligação dos princípios de cooperação, confiança e solidariedade no direito contratual moderno.

            Para a relatora a seguradora faltou com a boa-fé quando deixou de comunicar ao segurado os prejuízos que vinha amargando: “No momento em que a Sulamérica constatou os prejuízos que amargava com a carteira de seguros, competir-lhe-ia agir com lealdade, com boa-fé, com solidariedade perante o consumidor que vinha sendo seu parceiro de tantos anos.” Se no contrato havia a previsão de reajustes, porque não fazer uso do diálogo permanente para solucionar questões financeiras imprevisíveis, próprias dos contratos incompletos. 

A boa-fé está basicamente envolvida em dois aspectos da participação nos contratos. Em primeiro lugar, ela permite a fusão do interesse individual egoísta e do interesse pelo outro, o que facilita a existência de relações de longo prazo. Em segundo lugar, ela serve como mecanismo de proteção do direito de participação de maneira análoga aos direitos civis do cidadão. (Macedo,1997, p.11)

            “Essa rescisão da avença deve observar, como dito, os princípios da colaboração, da boa fé e da confiança”.-- “O abandono do consumidor, nessa situação, não pode ser tomado como medida de boa fé.  Rescindir o contrato é abandonar o consumidor, o que não é justo, moral, mostra que o contrato se presta apenas para finalidades econômicas e individuais. Se houvesse boa-fé por parte da seguradora ela se empenharia em manter a continuidade das relações contratuais

“Os elementos que evidenciam a importância da boa fé dentro da perspectiva relacional podem ser assim sintetizados. Em primeiro lugar, a boa-fé lembra a incompletude dos contratos, os limites da capacidade de previsão humana, os custos e ameaças à solidariedade e as barreiras insuperáveis para a comunicação perfeita e sem ruídos entre as partes. Em segundo lugar, ela enfatiza, valoriza e torna juridicamente protegido o elemento de confiança, sem o qual nenhum contrato pode operar. Em terceiro lugar, ela evidencia a natureza participatória do contrato, que envolve comunidades de significados e práticas sociais, linguagem, normas sociais e elementos de vinculação não promissórios”. (Macedo, 1997, p. 10)

  4 CONCLUSÃO

      Os dois elementos básicos do contrato cativo de longa duração, tempo e catividade, se impõem pela própria natureza do serviço prestado. O consumidor quando  pensa na sua saúde vislumbra uma proteção ampla, sem restrições de tempo, até porque é com o decorrer do tempo que ele poderá vir a precisar mais de atendimento. Então ele contrata com uma empresa do ramo na expectativa de ter sua saúde amparada. Agora como estabelecer os critérios do contrato se com o passar do tempo as circunstâncias que o envolvem sofrerão mudança?

      Com o tempo a sociedade muda suas relações sociais, econômicas que refletirão na relação contratual. A relatora reconhece essa necessidade de reajuste da seguradora, apenas não admite que a solução encontrada seja a mais adequada para ambas as partes, baseada na cooperação, confiança, solidariedade e boa-fé.

      Justamente por ser uma relação complexa o melhor caminho não é o da imposição abusiva ou da rescisão, mas o estabelecimento de regras para a solução dos conflitos e reformulação do planejamento.

 5 REFERÊNCIAS

BRASIL. STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1073595 MG 2008/0150187-7. Relator(a) Ministra Nancy Andrighi,  DJe 29/04/2011. Disponível em: ˂http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19103096/recurso-especial-resp.1073595-mg2008/0150187-7-stj˃ Acesso em 17 jun. 2012.

CESARINO, Paula Oliveira. Contratos Relacionais. Disponível em: ˂http://www.mcampos.br/posgraduacao/Mestrado/dissertacoes/2011/paulaoliveiracesarinocontratosrelacionais.pdf˃ Acesso em 17 jun. 2012.

FIUZA, César. et al. Intervenção do Estado e Autonomia da Vontade. Disponível em: ˂http://www.fmd.pucminas.br/virtuajus/2.2009)Docentes/Intervencao do Estado e a autonomia da vontade.pdf˃ Acesso em 17 jun. 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze. et al. Novo Curso de Direito Civil: contratos em espécie. 3. ed.rev. e atual, São Paulo: Saraiva, 2010.

MACEDO JUNIOR,  Ronaldo Porto. Contratos Relacionais no Direito Brasileiro. Disponível em: ˂http://www.lusa.internacional. pitt.edu//lasa97˃ Acesso em 18 jun. 2012.

RODRIGUES, Luiz Felipe Ribeiro. Os Contratos Cativos d Longa Duração e o Direito Internacional. Equilíbrio nas Relações Contratuais com Base na Teoria dos Contratos Incompletos. Disponível em: ˂http://www.mcampos.br/posgraduacao/Mestrado/dissertações/2011/luizfelipe ribeiro Rodrigues.pdf˃ Acesso em 18 jun. 2012. 


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