Dennyson Penha
RESUMO
Este trabalho descreve aspectos
relacionados ao duplo grau de jurisdição, com foco em suas vantagens e
desvantagens, busca ainda conceitos doutrinários, fatores que o originaram e
confronta os diversos posicionamentos acerca do tema.
Palavras-chave: Recursos. Duplo grau de jurisdição. Vantagens e
desvantagens.
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico analisa diversos aspectos inerentes ao sistema
recursal pátrio e seu duplo grau de jurisdição, atentando-se para as vantagens
e desvantagens deste instituto, que é aplicado pelo sistema jurídico brasileiro
considerando seus pontos positivos e negativos.
Pretende-se também com o presente artigo, levantar os conceitos
doutrinários relacionados ao duplo grau de jurisdição e os motivos que levaram
o legislador a prevê-lo em nosso ordenamento jurídico, bem como confrontar as
vantagens e desvantagens advindas dessa prática.
O interesse pelo tema surgiu através da leitura cotidiana de diversos
julgados produzidos pelas cortes brasileiras que apresentavam divergências
quanto ao tratamento conferido à recursividade, uma clara demonstração da
existência de correntes antagônicas a esse respeito.
Assim, surge a questão basilar deste artigo: até que ponto a lei
brasileira e o sistema jurídico pátrio devem permitir a interposição de
recursos nos processos propostos pelos cidadãos?
Sendo admitida a natureza constitucional do duplo grau de jurisdição,
deve-se garantir ao máximo o direito a recorrer das decisões tomadas pelos
julgadores, desde que essa prática não prejudique o devido processo legal e os
demais princípios processuais existentes.
Por fim, é válido ressaltar que além de servir como ponto de partida
para estudos mais aprofundados, uma vez não ser a intenção precípua desse
artigo exaurir as particularidades que envolvem o tema, contribuiu imensamente
para uma maior aprendizagem no processo acadêmico e na formação profissional.
Doutrinariamente, discute-se um conceito mais adequado para o instituto
em questão, variando tais concepções, basicamente, em relação à obrigatoriedade
do reexame ser realizado por um órgão distinto do primeiro e também da
necessidade de que esse segundo órgão seja hierarquicamente superior ao
anterior.
Para Djanira Maria Radamés de Sá (1999, p.88), o duplo grau de
jurisdição consiste na “[...] possibilidade de reexame, de reapreciação da
sentença definitiva proferida em determinada causa, por outro órgão de
jurisdição que não o prolator da decisão, normalmente de hierarquia superior”.
Assim, para a referida doutrinadora, a revisão deve, necessariamente,
ser feita por órgão diferente daquele que prolatou a decisão contestada, apesar
de não ser imperioso que este segundo órgão pertença à hierarquia superior em
relação ao primeiro, posicionamento evidenciado pela utilização do termo “normalmente”.
Já Leib Soibelman conceitua a recursividade como o princípio de ordem
pública segundo o qual toda causa tem direito a um reexame por uma segunda
instância, concordando com Radamés de Sá ao deixar implícito que a revisão deve
ser feita por órgão diferente do primeiro, diferindo, entretanto, daquela, ao
prever a necessidade desse segundo órgão ser de segunda instância, ou seja,
hierarquicamente superior ao outro.
Parcialmente no mesmo sentido, Oreste Souza Laspro (1995, p.27)
caracteriza o instituto “(...) como sendo aquele sistema jurídico em que, para
cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no
mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda
em relação à primeira”.
Oreste Nestor Souza Laspro inicialmente converge com Djanira Maria
Radmés de Sá e Leib Soibelman ao asseverar que a segunda decisão deve ser
emanada por um juiz distinto daquele que julgou a primeira causa. Contudo,
posteriormente, omite-se quanto à necessidade dessa segunda decisão ser
proferida por um órgão superior, preferindo apenas citar o predomínio da
segunda em relação à primeira.
Já em sentido diametralmente oposto, o renomado jurista Machado
Guimarães (apud NERY JUNIOR, 1997, p.41) profere com propriedade a seguinte assertiva
a respeito do duplo grau de jurisdição:
“Consiste em estabelecer a
possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição,
normalmente de hierarquia superior à daquele que a proferiu, o que se faz de
ordinário pela interposição de recurso. Não é necessário que o segundo
julgamento seja conferido a órgão diverso ou de categoria hierárquica superior
a daquele que realizou o primeiro exame”.
Guimarães deixa claro nas palavras finais do excerto que o segundo
julgamento não será necessariamente realizado por órgão distinto, tampouco
hierarquicamente superior ao primeiro, contrariando todos os doutrinadores
supramencionados.
Ele assim preconiza por considerar que, embora em menor proporção e em
caráter excepcional, há casos em que a interposição recursal ocorre em razão do
próprio juízo que proferiu a decisão questionada, como por exemplo, nos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
O duplo grau de jurisdição, ou instituto da recursividade, como preferem
chamar alguns doutrinadores, surgiu nos ordenamentos jurídicos primitivos,
permanecendo nos sistemas hodiernos, inclusive no nosso, em decorrência de três
fatores, quais sejam: a falibilidade do juiz, o inconformismo da parte vencida
e a constante preocupação em se evitar a existência do despotismo por parte dos
membros do magistrado.
Quanto à falibilidade do juiz, temos que, pelo simples fato de se tratar
de um ser humano, o juiz não está imune a eventuais falhas, sejam errores
in procedendo ou errores in judicando, ou seja, erros cometidos
no procedimento utilizado ou na fundamentação descabida de sua decisão,
permitindo, assim, futuras discussões quanto a seus atos e decisões.
No tocante ao inconformismo da parte sucumbida, esclarece pontualmente
Nelson Nery Junior (1997, p.37) que:
“De outra parte, nosso subjetivismo nos coloca naturalmente contra
decisão desfavorável, de sorte que o sentimento psicológico do ser humano faz
com que tenha reação imediata à sentença desfavorável, impelindo-o a pretender,
no mínimo, novo julgamento sobre a mesma questão”.
Finalmente, ao prever a revisão de decisões judiciais, pretenderam os
legisladores afastarem a possibilidade de o autoritarismo acometer os juízes,
pois sem o referido instituto, estes ficariam imbuídos da certeza de que suas
decisões seriam imutáveis, o que desviaria o principal escopo da jurisdição,
que é promover a pacificação social, a justiça e a ordem pública de maneira
imparcial.
VANTAGENS E DESVANTAGENS ADVINDAS DE SUA APLICAÇÃO
1 – VANTAGENS
Embora não sejam absolutas e inquestionáveis, existem algumas vantagens
inerentes ao duplo grau de jurisdição, como a maior experiência dos julgadores
recursais, a maior probabilidade de acerto nas decisões, o controle psicológico
exercido sobre o juiz de primeira instância e o aumento do prestígio do juiz de
primeira instância ao se confirmar a sentença por ele prolatada, conforme
destacas os doutrinadores pátrios.
Levando-se em consideração o fato dos juízes de segunda instância, que
na maioria dos casos são os responsáveis pela nova apreciação jurisdicional,
ascenderem aos graus superiores por merecimento ou por tempo de serviço,
admite-se que possuem maior experiência que os de primeiro grau e, portanto,
melhores condições de proferirem uma decisão mais justa e acertada que a primeira.
Além disso, por via de regra, a nova apreciação é realizada não mais por
um único juiz e sim por um órgão colegiado, composto por três juízes, o que
reforçaria a idéia de maior probabilidade de acerto no cumprimento da
jurisdição.
Alguns juristas fazem alusão a uma suposta pressão psicológica sofrida
pelos juízes de primeiro grau, exercida, inconscientemente, pelos juízes de
segunda instância.
Essa afirmação encontra assento na ciência que os julgadores de primeira
instância possuem de que suas decisões poderão ser apreciadas por outros
magistrados. Trata-se, sim, de uma pressão psicológica, pois sendo a decisão
que prolatou reformada, não sofrerá o juiz punições administrativas, mas sim
meramente decorrentes de seu foro íntimo, por crer, talvez, ter cometido algum
engano.
Por fim, ao ser mantida a decisão tomada em primeira instância, far-se-á
com que a parte insatisfeita contenha seus ânimos e reconheça a decisão inicial
como justa e o primeiro julgador como correto em sua sentença.
2 - DESVANTAGENS
Em se tratando de desvantagens oriundas da aplicação do duplo grau de
jurisdição, por se tratar de um rol demasiadamente extenso, serão explanadas
algumas delas, em caráter meramente exemplificativo.
A primeira delas diz respeito ao prolongamento excessivo da duração do
processo, ocasionado pela interposição exacerbada e desnecessária de recursos,
tornando o Judiciário moroso e ofendendo alguns princípios básicos do Direito,
como, por exemplo, o da economia e da lealdade processual.
Outro prejuízo causado pela duplicidade de julgamento está relacionado
com a possibilidade da segunda decisão também estar suscetível a erros, assim
como a primeira, podendo, até, reformar uma decisão inicialmente acertada.
Também é alvo de discussões a questão da reforma da primeira decisão,
acarretando grande desprestígio aos órgãos de primeiro grau, ou nas palavras de
Cappelletti (apud LASPRO, 1995, p.115):
“Outra desvantagem do duplo grau de
jurisdição é o desprestígio que traz à primeira instância, na medida em que a
possibilidade de qualquer decisão, - principalmente as sentenças -, ser
impugnada, perante um órgão de segunda instância, que prolata uma decisão
substitutiva, faz com que os resultados obtidos em primeira instância não
tenham qualquer valor.”
Ademais, a adoção do instituto da recursividade também prejudica o
procedimento oral e os demais recursos processuais derivados deste, como a
identidade física do juiz, a imediação e a concentração dos atos processuais.
CONCLUSÃO
O duplo grau de jurisdição, princípio ora discutido, deve ser
caracterizado pelo simples reexame do processo, ainda que essa nova análise
seja feita no mesmo órgão que prolatou a decisão questionada e em uma mesma
hierarquia.
Sua adoção no sistema jurídico pátrio tem como finalidade precípua
garantir a consecução da justiça a todos os cidadãos, possibilitando a correção
de eventuais erros judiciais cometidos em um primeiro julgamento ou
simplesmente assegurando ao sucumbente o direito de manifestar sua indignação
ante um resultado desfavorável e solicitar uma reapreciação do processo.
Por sua grande importância, o legislador pátrio conferiu a esse
princípio status constitucional, mesmo que isso tenha ocorrido de
modo tácito, seja por estar ligado umbilicalmente ao princípio do devido
processo legal, expresso em nossa Constituição, ou por estar explícito na Lei
Maior a garantia de meios e recursos necessários aos litigantes ou ainda por se
configurar no objetivo precípuo do Estado, qual seja, a promoção da justiça.
Faz-se mister ressalvar que a recursividade deve ser limitada única e
exclusivamente quando o requerente agir em desrespeito à lealdade processual ou
quando o mesmo litigar de má-fé.
Destarte, mesmo ocasionando inúmeros efeitos desvantajosos, incididos
tanto sobre as partes como sobre o Judiciário, a duplicidade de julgamento deve
ser amplamente assegurada, dando efetividade ao princípio do devido processo
legal, considerado a coluna de sustentação do ordenamento jurídico de um Estado
Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MARTINS, Samir José Caetano - O julgamento de recursos especiais
repetitivos. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética
N. 64, Jul./2008
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